UM ESCUDO CHAMADO EDUCAÇÃO
Histórias como as da escola de Betim se repetem em grande parte das unidades da rede pública de educação. E muitos delas, certamente, ficam encobertas sob as roupas dos alunos ou pela dificuldade do próprio educador de identificar marcas e sinais de agressão. Mas, se essa situação sempre serviu para esconder episódios violentos, também funcionou como ponto de partida para o projeto Proteção em Rede, do Programa Polos de Cidadania, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Uma iniciativa que parte, mês que vem, para uma grande empreitada: capacitar em direitos humanos e proteção à criança e do adolescente, por um ano, 500 profissionais, a maioria da rede municipal de educação, da capital e de Ibirité, Santa Luzia e Ribeirão das Neves, cidades de alto risco social na região metropolitana.
No ano passado, primeiro do projeto, foram formados 427 profissionais em Betim, Contagem, Nova Lima, Itaobim e Teófilo Otoni. O objetivo do projeto, que integra o programa Escola que Protege, do Ministério da Educação (MEC), é frear uma realidade triste e ainda subestimada no estado. De acordo com o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, alimentado pelos conselhos tutelares, 47.818 crianças e adolescentes mineiros tiveram direitos violados nos últimos 10 anos. Apesar de o número ser assustador, apenas 22,7% das cidades atualizam regularmente o banco de dados, o que indica que esse número pode ser muito maior.
Governo do estado, Polícia Militar e Ministério Público Estadual não têm levantamento consolidado sobre a violência contra a criança e o adolescente nas 853 cidades mineiras. As informações estão espalhadas pelos conselhos tutelares, delegacias e órgãos de proteção. Estão também escondidas sob o silêncio das vítimas e das famílias, que ainda se constrangem em procurar ajuda. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, de janeiro a março deste ano apenas a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) registrou, na capital, 972 ocorrências de crimes contra pessoas até 18 anos. Na ponta do lápis, são quase 10 casos por dia.
ELOS De acordo com a coordenadora do Proteção em Rede, Marisa Lacerda, a escola, apesar das dificuldades enfrentadas, é o elo fundamental do grupo de defesa e promoção dos direitos infanto-juvenis. “É um espaço privilegiado de encontro, diálogo e cidadania. Os alunos passam, muitas vezes, mais tempo com os educadores do que com a própria família”, afirma. Mas, como a escola sozinha não é capaz de resolver o problema, o projeto convocou para a discussão profissionais da rede de atenção à saúde, assistência social, representantes de organizações não governamentais (ONGs), conselheiros tutelares e promotores. “Mostramos ao professor que ele não está sozinho”, destaca.
Itaobim, no Vale do Jequitinhonha, e Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, são conhecidas pela exploração sexual infanto-juvenil. A BR-116 (Rio-Bahia), área de risco permanente pelo alto tráfego de caminhões, corta os dois municípios. Levantamento feito em 2006 pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG nas cidades, a pedido da Secretaria de Direitos Humanos, identificou problemas graves, como vulnerabilidade social e econômica e desestruturação familiar. Nova Lima, Contagem e Betim, eixos importantes de migração na Região Metropolitana de BH, são marcadas pelo crescimento desordenado. “A pobreza e a precariedade não determinam, mas favorecem situações de violência e violação de direitos, exploração sexual e uso de drogas”, comenta Marisa, justificando a escolha dos municípios. Definidos os alvos, começou o trabalho de capacitação, de uso da informação como arma contra os abusos e de formação de uma rede de proteção que se revelou tão positiva que está prestes a se estender a outros milhares de pequenos mineiros.
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