SOBRE A DEMOCRACIA

Por Cléber Sérgio de Seixas

A revista Carta Capital número 544 de 05/05/09 traz uma entrevista com Rafael Correa, presidente equatoriano reeleito. Questionado pelo jornalista Tadeu Breda se estava na situação com que sonhara há dois anos, Correa respondeu: “Tive um grande triunfo democrático no último domingo, é verdade, mas isso dentro de uma democracia formal. Sustento que o Equador e a América Latina podem ter eleições, mas não têm democracia. Não acredito que possa existir democracia onde existe tanta desigualdade. Isto tem de mudar”. Há noventa e dois anos atrás Lênin escreveu algo parecido em seu clássico O Estado e a Revolução: “Decidir periodicamente, para um certo número de anos, qual membro da classe dominante que há de oprimir e esmagar o povo no parlamento, eis a própria essência do parlamentarismo burguês, não somente nas monarquias parlamentares constitucionais, como também nas repúblicas mais democráticas”.

Diante das duas assertivas gostaria de perguntar, então, o seguinte: o que é democracia? A quem serve? Quem lhe desfruta as benesses? Democracia se resume a voto? E o pós-voto? Existem mecanismos práticos, ágeis e viáveis para se cobrar dos políticos promessas feitas em campanha, ou de afastá-los do cargo no caso de algum ato ilícito cometido no exercício do mandato? E o quarto poder, a serviço de quem está?

Democracia, na verdade, é um termo elástico, aberto a múltiplas interpretações, e que pode ser focado sob vários ângulos. Dizem que vivemos num país democrático. Contudo, elaboram-se leis para beneficiar os mais ricos. Veja-se a lei das algemas, por exemplo. Ficou patente que fora aprovada num momento em que gente graúda foi exposta algemada diante de câmeras de televisão, o que seria um constrangimento inaceitável para pessoas tão importantes. De outro lado, bandidos e suspeitos pobres podem ser algemados sem nenhum receio, já que só estes oferecem perigo à autoridade policial e não possuem nenhuma notoriedade social a zelar. No entanto os “do colarinho branco” roubam milhões enquanto uma dona de casa que rouba um pote de margarina vai detida algemada e passa meses na cadeia.

No Brasil temos a liberdade de, tempos em tempos, escolhermos quem vai nos representar no legislativo e executivo. Contudo, nossa liberdade política estaciona aí, já que nossos representantes se esquecem de nós e se tornam representantes daqueles que lhes financiam as campanhas eleitorais, por exemplo. Como o financiamento de campanha não é público, eis a arapuca armada. Ao eleito caberá trabalhar em consonância com os interesses de quem o financiou, interesses esses que podem entrar em choque com os da população que o elegeu. Assim surge uma espécie de alienação, onde eleitor e eleito não compartilham os mesmos interesses. Nesta ciranda, o eleito dá adeus e muito obrigado aos eleitores e vai prestar seus serviços a gente endinheirada. Nessa fase da trajetória, convicções político-ideológicas, passado militante, tudo é deixado para trás, num verdadeiro Alzheimer político.

Sempre vejo a mídia execrar o regime cubano e seu comandante, Fidel Castro - a quem alguns chamam jocosamente de “el coma andante”. É dito que o regime da ilha é uma ditadura e não há liberdade de imprensa, de empresa, de ir e vir etc. Porém, no caminho para o aeroporto de havana há um outdoor onde se lê: “Nessa noite 200 milhões de crianças dormirão pelas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”. Pergunto então: qual democracia no mundo pode exibir um outdoor como este? Nem mesmo o país que ostenta em seu território a liberdade em forma de estátua conseguiu tamanha façanha. Em outras palavras, se Cuba é uma ditadura e garante educação e saúde de qualidade, moradia e tantos outros benefícios sociais a sua população, gratuitamente, que tipo de regime político é o nosso então? Em que espécie de democracia estamos vivendo? É notório que com a revolução de 1959, e a posterior opção pelo socialismo, houve um nivelamento por baixo no nível sócio-econômico da população cubana; mas houve nivelamento. Contudo, a despeito de toda privação a que está submetido o povo daquela ilha caribenha, um regime tal como o da ilha de Fidel seria, sócio-economicamente falando, ideal para noventa por cento da população brasileira, já que não dispomos de saúde pública de qualidade, nem tampouco educação, moradia e condições sanitárias adequadas.

No Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto Alegre em 2005, o escritor José Saramago, prêmio Nobel de literatura, assim apresentou a democracia: “tudo neste mundo se discute, menos uma coisa: a democracia. A democracia está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não querem milagres, mas que está como uma referência, mera referência. Só não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada e amputada, porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não se gosta, e colocar no lugar outro de que talvez venha a gostar. Nada mais. Mas as grandes decisões são tomadas numa outra grande esfera, e todos sabemos qual é: as grandes organizações financeiras internacionais, o FMI, a OMC, os bancos mundiais, a OCDE etc. Nenhum destes organismos é democrático. Portanto, como podemos continuar a falar em democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo? Quem escolhe os representantes dos países nessas organizações? Os partidos do povo? Não. Onde está então a democracia?”.

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