AS ELEIÇÕES DE 2010 E O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI
Por Cléber Sérgio de Seixas
Na introdução do livro Manifesto do Partido Comunista de 1848 – leitura indispensável para quem quer se iniciar no estudo do marxismo – Marx e Engels disseram: “Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo”. Nos dias atuais, poderíamos parafrasear os pais do socialismo científico da seguinte forma: “Um fantasma ronda a América Latina – o fantasma do socialismo do século XXI”. De fato, experiências como a venezuelana, a equatoriana e a boliviana, acenam para o advento de um novo tipo de socialismo, o qual, em alguns aspecos, rompe com o socialismo nos moldes tradicionais. Chávez e Morales vão abrindo caminho para uma maior inserção social dos menos favorecidos em seus países. Da reforma agrária à nacionalização de setores estratégicos da economia, passando por mudanças na constituição, de forma a permitir ao presidente se candidatar à reeleição quantas vezes quiser – condição às vezes indispensável para a execução de políticas de Estado -, aqueles países vão tomando os rumos necessários à implantação do socialismo em novos moldes.
Quando digo novos moldes, estou levando em consideração os velhos, os que foram tentados, ou seja, o socialismo real. O paradigma russo foi referência por décadas para o mundo socialista, até que o castelo de cartas começou a ruir e, por fim, mostrar-se um fracasso sob o ponto de vista humano e econômico em fins dos anos 80. Antes de chegar a este ponto, a União Soviética passou pelos expurgos stalinistas, pelos excessivos gastos decorrentes da corrida armamentista levada a cabo por governantes como Khrushchov e Brejnev, pela burocracia excessiva e pela ineficiência econômico-administrativa. Na era Gorbachev houve a Perestroika e a Glasnost , reestruturação e transparência, tentativas de trazer aos prumos o elefante branco em que se converteu o socialismo soviético. Mas já era tarde. O povo soviético, que há anos padecia sob um sistema semi-ditatorial travestido de sistema socialista, ansiava pela “liberdade” do sistema capitalista. Os ventos da mudança varreram o leste da Europa. A Rússia então abraçou o capitalismo em sua versão mais selvagem, abrindo espaço às maiores máfias do leste europeu, bem como ostentando uma quantidade de milionários comparável à de países ricos. As ruas das cidades russas passaram a abrigar mendigos e a desigualdade social passou a ser lugar-comum. Com a queda do comunismo russo, o efeito dominó levou abaixo os demais representantes desse sistema que ainda se mantinham de pé no leste europeu. O fim da União Soviética trouxe também à tona os nacionalismos que desde Stálin haviam sido sufocados. O separatismo passou a ser a ordem do dia.
Com a derrocada do comunismo no leste europeu, restou como bastião do comunismo uma pequena ilha caribenha chamada Cuba. Fidel Castro, aos trancos e barrancos, cercado e cerceado por um bloqueio econômico criminoso imposto pelo Tio Sam, levou adiante a Revolução Cubana, que há décadas concede à população uma qualidade de vida superior à de muitas outras nações latino-americanas. Apesar da falta de liberdade política, da ausência de eleições, o regime cubano, mesmo tendo promovido um nivelamento por baixo no nível sócio-econômico, consegue, ainda assim, dar mais qualidade de vida a seus cidadãos, se comparado com outras nações subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento. Em Cuba há pobreza, mas não há miséria. Em Cuba há privação de acumulação de bens, mas, por outro lado, há educação e saúde gratuitos e de qualidade, acessíveis a todos os cubanos. Não fosse o embargo econômico assassino imposto por Washington, os cubanos teriam um nível de vida muito superior ao que atualmente desfrutam.
Países como a Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Chile, Nicarágua, Brasil e outros, elegeram socialistas como presidentes. Os casos do Brasil, da Argentina e do Chile estão mais para sociais-democracias neoliberais que para países socialistas. No Brasil a cartilha neoliberal foi seguida a risca pelo governo Lula, o qual, desde o primeiro mandato, sempre esteve mais para cor de rosa do que para vermelho. Lula assumiu o governo nos braços do povo, mas perdeu o bonde da história por não ter aproveitado o momento para levar a cabo medidas para diminuir o profundo fosso que separa ricos e pobres na maior nação latino americana. Uma reforma agrária em profundidade não se efetivou, a reforma política não foi feita e políticas de inclusão ainda são tímidas diante do necessário. Lula não criminalizou movimentos sociais, tal como fizera o governo Fernando Henrique Cardoso, mas também não incluiu a pauta de reivindicações deles na agenda do governo. Sob o governo do barbudo, os ditames neoliberais do Banco Central ainda dão as cartas no cenário econômico, mantendo os juros do Brasil dentre os mais altos do mundo, refreando assim o mercado de consumo interno. No entanto, devemos ser justos e mencionar que as classes menos favorecidas, sob Lula, foram agraciadas com algumas políticas de inserção social, tais como o Bolsa Família, o Fome Zero, o PROUNI e outros. Contudo são avanços ainda insuficientes diante das enormes necessidades de que ainda padecem os brasileiros.
Acredito que Obama tenha chamado Lula de “meu cara” exatamente porque conta com ele para tentar frear a “onda vermelha” que se abate sobre a América Latina. Lula é “o cara” talvez porque Obama enxergue no Brasil um cordão sanitário para barrar a “maré vermelha” que ameaça tomar de assalto todo o continente sul-americano e também a América Central.
Assim, as eleições de 2010 são de extrema importância para o cenário que se descortina na América Latina, visto que se Lula eleger seu sucessor, os EUA não terão como estabelecer sua cabeça de ponte nas terras tupiniquins. Se, contudo, o tucanato ou o partido dos DEMOS (do verbo ‘dar’ ou forma diminuta de ‘demônio', como queiram) conseguirem eleger um presidente, Obama terá no Brasil um representante de seus mais espúrios interesses, com o qual poderá contar para refrear o avanço das esquerdas nesse continente. Isso significará menos investimentos na área social, fortalecimento das políticas de caráter neoliberal, criminalização de movimentos sociais e populares, expansão dos desertos verdes – representados em sua maioria pelos latifúndios monocultores de soja e cana de açúcar -, sobretudo na Amazônia.
O socialismo do século XXI direciona seu olhar e sua esperança sobre o Brasil. Uma derrota das esquerdas aqui pode significar a derrota de todas elas no restante do continente latino americano. Portanto, é necessário que os brasileiros estejam atentos na hora de depositarem seus votos, já que estarão em jogo interesses que extrapolam nossas fronteiras. Um passo errado nas urnas poderá significar também um passo para trás, visto que a volta ao poder de governos neoliberais puro-sangue ou comprometidos mais com interesses estrangeiros que nacionais, colocará fim às conquistas que oito anos de governo Lula levaram a cabo, conquistas estas que, repito, são insuficientes, mas consistem nos primeiros passos rumo a patamares superiores de justiça social.
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