Sempre um Papo com Frei Betto e Frei Fernando

Na foto ao lado, o delegado Fleury em 1978



Por Cléber Sérgio de Seixas


Na cidade paulista de São Carlos há uma rua cujo nome é Sérgio Paranhos Fleury. Recentemente foi aprovado um projeto para mudar o nome da rua para D. Hélder Câmara. O nome Sérgio Paranhos Fleury, para a grande maioria dos brasileiros, não evoca nada. Contudo, para aqueles que sofreram torturas e perderam parentes durante o regime militar que vigorou no país por mais de 20 anos, o nome soa como um palavrão. Para quem não conhece, o delegado Fleury foi um dos maiores torturadores que este país já conheceu, que levou milhares de presos políticos ao suplício e à morte.

O supracitado iniciou sua carreira no temido Esquadrão da Morte, derivação do Scuderie Detetive Le Coq, um grupo de policiais justiceiros pagos para exterminar marginais e suspeitos - uma espécie de milícia com carta branca dos governantes para agir. Percebendo os "talentos" do delegado Fleury, a ditadura passou-lhe o comando do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social). Sob o comando de tal órgão, Fleury supliciou centenas de pessoas, sendo que muitas vieram a óbito nos interrogatórios.

Devido à "lenta, gradual e segura" abertura do sistema, o delegado assassino ficou sem o respaldo
da ditadura para acobertar seus crimes dos tempos do Esquadrão da Morte. Quando o ministério público estava para levar o notório delegado ao banco dos réus, a ditadura, num tempo recorde de 30 dias, aprovou a Lei nº 5.941, de 22 de setembro de 1973, que tinha com beneficiário direto o próprio Fleury. O texto da lei que ficou para a posteridade como "Lei Fleury" impedia a prisão automática de "réus primários e de bons antecedentes". Os "bons antecedentes" eram atestados pelas forças armadas da repressão, as quais deviam muitos favores a Fleury devido aos "relevantes serviços prestados no combate à subversão".

Contudo, no primeiro dia do mês de maio, dia do trabalhador, no ano de 1979, Fleury sofreu um acidente no litoral paulista. As estranhas circunstâncias sob as quais ocorreu o acidente que levou a óbito o truculento delegado, um dos homens mais odiados por aqueles que lutaram contra o regime militar, bem como aquelas relacionadas à necrópsia do corpo e ao sepultamento, suscitaram, e ainda hoje suscitam, a seguinte interrogação: teria sido queima de arquivo? Pode haver algum fundamento para a suspeita, visto que o delegado era um verdadeiro arquivo ambulante, o qual, se levado a julgamento, poderia azedar a vida de muitos empresários colaboradores do regime, oficiais das forças armadas e membros dos três poderes. Assim sendo, a morte de um dos maiores expoentes da repressão no país veio a calhar para enterrar um passado nebuloso que se iniciou em 68 e durou até quase a primeira metade dos anos 70, período mais conhecido como "os anos de chumbo".

Naquele dia 1 de maio de 1979, enquanto o caixão com o corpo de Fleury descia à tumba, uma multidão reunida em São Bernardo do Campo para as celebraçõs do Dia do Trabalhador ouvia as palavras do então deputado federal Aurélio Peres (MDB), em cujo discurso dizia: "Estamos aqui também para festejar a morte do maior torturador do país". Ditas estas palavras o parlamentar foi ovacionado pela multidão que assistia ao evento.

Uma das operações das quais o delegado Fleury mais se orgulhava de ter participado foi a que resultou na morte de Carlos Marighella. A ação só foi possível porque alguns frades dominicanos foram torturados e usados como isca para atrair Marighella para uma emboscada. Os episódios dos frades domicanos e da morte de Marighella estão magistralmente documentados no livro Batismo de Sangue, de autoria de Frei Betto, um dos dominicanos que cooperaram com a ALN na época. O livro virou filme nas mãos do cineasta mineiro Helvécio Ratton e já se encontra disponível nas melhores locadoras.

Tive que dar toda esta introdução só para apetecê-los para um evento que ocorrerá no dia 17/06/2009, uma quarta-feira, às 19:30, no Auditório da Cemig (Av. Barbacena, 1200, Santo Agostinho - Belo Horizonte). Trata-se de uma palestra onde ninguém mais ninguém menos que Frei Betto e Frei Fernando, estarão lançando o livro Diário de Fernando (Rocco), obra que pretende retratar o verdadeiro caráter do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, sob a ótica do frade dominicano Fernando de Brito, prisioneiro da ditadura militar brasileira ao longo de quatro anos.
Trata-se de evento imperdível, sobretudo nesses dias em que tentam reescrever a história dizendo que nossa ditadura foi na verdade uma "ditabranda". Convido a todos os que lerem este artigo a estarem presentes. Quando o evento estiver se aproximando, voltarei a abordar o assunto em futuros posts, repassando maiores detalhes.

Por hora fiquem com uma das cenas do filme Batismo de Sangue



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