40 anos sem Marighella


"Retiro da maldição e do silêncio, e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella"
Jorge Amado

Por Cléber Sérgio de Seixas

Alameda Casa Branca,  4 de novembro de 1969, 8 hs da noite - Um homem alto e mulato caminha  apressadamente com o objetivo de encontrar-se com dois amigos que estão num fusca estacionado do outro lado da rua. Enquanto atravessa, passa por um casal de namorados que troca carícias dentro de uma caminhonete, ao mesmo tempo que dois policiais retiram sorrateiramente os dois ocupantes do fusca. Súbito, gritos rasgam o silêncio da noite. É a senha para que tenha início a fuzilaria. O casal que estava atracado dentro da caminhonete se separa e começam a disparar. De todos os lados surgem elementos que atiram no homem e também trocam disparos entre si. Ao lado do fusca, abaixados e com as mãos na nuca, estão dois homens que foram retirados de dentro do veículo, trata-se de Fernando e Ivo, que foram obrigados a marcar por telefone um encontro secreto com aquele que fora alvo dos disparos. A senha para o encontro foi a frase: “Aqui é o Ernesto, vou à gráfica hoje”.

Reportagem da Veja (12/11/1969) sobre os dominicanos: há 40 anos a revista já era reacionária

Após o fim do tiroteio, o homem está tombado no meio da rua e crivado de balas. De todas as partes saem homens fortemente armados que vão espiar o morto. Os dois que estavam dentro do fusca são colocados dentro de uma viatura e levados dali. Um policial se posiciona em frente ao fusca e dá alguns tiros que perspassam o capô e o pára-brisa do automóvel. Depois disso, o corpo do homem de olhos verdes é ajeitado dentro do carro de forma a parecer que fora alvejado dentro do mesmo. A imprensa é chamada e tira algumas fotos.

Marighella abatido no fusca

O nome do homem era Carlos Marighella, lider da ALN, organização que lutava contra a ditadura militar que se instaurou no Brasil em 1964, era o indivíduo mais procurado pelo regime. O delegado que chefiou a operação era o famigerado e truculento Carlos Paranhos Fleury, cão de guarda da ditadura. Os dois homens que estavam no fusca antes da chegada de Marighela eram frades dominicanos. A ordem dos dominicanos mantinha contato com a ALN e cooperava com a mesma enviando indivíduos procurados pela ditadura para o exterior, salvando-os assim da morte certa ou da tortura. O episódio da morte de Marighela numa emboscada na qual os dominicanos foram forçados a participar é contado de forma brilhante e bem documentada no livro Batismo de Sangue, de autoria do frade dominicano Frei Betto.

A ridícula posição em que colocaram o guerrilheiro morto

Hoje faz 40 anos da morte de um homem cuja trajetória política vai da luta contra o Estado Novo de Vargas até o periodo da ditadura militar que vigorou nesse país durante 21 anos. Nesse período, Marighela, filho de uma baiana e de um imigrante italiano, experimentou a perseguição, a tortura e a clandestinidade. Em 1934 filia-se ao PCB (Partido Comunista Brasileiro). Preso por subversão em 1º de Maio de 1936, ficaria preso durante um ano. Solto, permaneceria na clandestinidade até 1939, quando é preso novamente, ficando encarcerado até 1945, ano no qual a anistia lhe propiciou a liberdade. Elegeu-se deputado federal pelo PCB em 1946. Em 1948 perdeu o mandato, pois seu partido fora considerado proscrito pela governo Dutra. A partir de então, passou a ocupar vários cargos no “Partidão”. Permaneceu na China de 1953 a 1954. Em 1964, foi preso por agentes do DOPS dentro de um cinema no Rio de Janeiro. Permaneceu um ano preso. Este episódio lhe inspiraria na redação do livro “Por que resisti à prisão”. Em 1967 participa da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), contrariando as ordens do PCB. De Cuba Marighella trouxe as ideias da guerra de guerrilhas e do foquismo revolucionário. Naquele mesmo ano, o partido o expulsa  e ele opta pela luta armada contra a ditadura militar. Em setembro de 1969 a ALN, dirigida por Marighela, participa da ação que sequestrou o embaixador americano Charles Elbrick.  Tal episódio é apontado por muitos analistas como sendo o estopim para o endurecimento do regime militar, que passaria a contar com o apoio direto de agentes da CIA. Marighela passou a ser caçado pelos militares, que encarregaram o delegado Fleury de localizá-lo e executá-lo. Em 1969, é morto numa emboscada no centro de São Paulo. Além de ter como objetivo executar o líder guerrilheiro, a Operação Bata Branca visava jogar os dominicanos contra a ALN, impingindo-lhes o papel de Judas.

Marighela fora abatido sem julgamento e sem nenhuma chance de defesa. Foi mais uma das vítimas de um truculento regime que governou o país suprimindo as liberdades individuais e fazendo-o retroceder em termos culturais, econômicos e sociais. 

Um resgate de sua memória é oportuno neste momento em que a juventude carece de referências políticas e ideológicas que a salvem das influências desideologizantes e revisionistas. Marighella continuará vivo enquanto ouver utopias a sonhar.

Para saber mais:
- Livro: Batismo de Sangue, de Frei Betto
- Filme:  Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton
- Documentário: Carlos Marighella - retrato falado do guerrilheiro, de Sílvio Tendler
          

Comentários

zcarlos disse…
Parabéns pelo texto.
Peguei emprestado para meu blog. Quando precisar, devolvo.
Abs!
Anônimo disse…
O único prejuízo com a morte deste ai foi estragarem um excelente fusca...