SUCESSÃO SEM RESPALDO

Reportagem de Heloísa Vilela no portal R7

TEGUCIGALPA -- O hospital público, no centro da capital de Honduras, é simples. A enfermaria infantil, com seis camas, um forno! Mas Angel David, de treze anos, não reclama de nada.

Muito magro, um bocado tímido, ele levanta a bata para mostrar a cicatriz que vai de um lado a outro do abdômen. Ele está se recuperando da segunda operação para contornar os danos provocados pela bala que o atingiu, pelas costas, no dia vinte e um de setembro.

Naquela noite, vigorava o toque de recolher imposto pela ditadura hondurenha. E ele estava a caminho de casa com o pai e o irmão mais velho.

Angel vai ter alta neste sábado. E a mãe dele, Dona Neli Rodriguez, disse que a família toda vai ficar em casa no domingo. Adultos e crianças. Nada de votar. Dona Neli tem quatro filhos e mais um a caminho que nascerá em abril.

Um ano depois do aumento de sessenta por cento do salário mínimo, concedido pelo presidente deposto Manuel Zelaya que, dois meses depois, foi deposto por um golpe de estado.

Dona Neli chora muito quando fala das eleições e de Zelaya. Apesar da gravidez, que quase sempre enche as mulheres de sonhos e esperanças, ela confessa um grande desânimo com relação ao futuro. Diz que gostaria muito que o próximo presidente “fosse a favor das pessoas pobres”. Que lutasse por elas.

Mas depois do que aconteceu com o filho, ela tem medo de sair, raiva do regime que deixou o menino no hospital e não acredita na legitimidade do processo eleitoral organizado pelos golpistas.

Ela não está sozinha. A grande maioria dos governos das Américas também acha que o resultado das urnas não deve ser reconhecido. Mas a Casa Branca avisou, há semanas, que vai reconhecer como presidente o vencedor das eleições e conseguiu atrair para a mesma posição os governos do Peru, do Panamá e da Costa Rica.

A Organização dos Estados Americanos, que se uniu em voto unânime para condenar o golpe, agora está dividida.

Aqui em Tegucigalpa, as opiniões também são variadas. Na banquinha que distribuía material de campanha do líder das pesquisas, Porfirio Lobo, chamado de Pepe, representante do partido conservador, uma senhora explicou que gostava de Zelaya. Das medidas que ele tomou para aliviar a pobreza.

Mas acha que ele se tornou próximo demais do venezuelano Hugo Chávez. Esse é o principal tema da campanha dos golpistas contra o presidente.

No trânsito infernal da sexta-feira, um homem ao volante me disse que vai votar no domingo porque quer paz e a volta da democracia. Sobre o golpe de estado, reagiu: “não houve nenhum golpe aqui”.

O regime de Roberto Michelleti tomou providências para garantir a eleição e produzir uma imagem de legitimidade. Convidou “monitores independentes”. Cerca de trezentos aceitaram o convite. A ONU, a OEA e a Uniao Europeia se recusaram a enviar observadores internacionais.

Mas o ex-presidente direitista de El Salvador, Armando Calderón, e o também direitista, Jorge Quiroga, ex-presidente da Bolívia (por um ano), derrotado nas últimas eleições, fazem parte dos monitores convidados.

Armando Calderón não gostou da pergunta a respeito da ausência de monitores das organizações internacionais. E acusou a OEA de ser uma instituição de esquerda, manipulada por Hugo Chávez. E a ONU? “Ela segue a OEA”, afirmou.

As organizações de direitos humanos estão preocupadas. As medidas de intimidação se multiplicam. Vários líderes do movimento de resistência ao golpe foram presos nos últimos dias. Alguns por poucas horas. Outros, por mais de um dia.

Todos sem nenhuma explicação a não ser o fato de serem contra as eleições. Quatro bombas já explodiram esta semana, em diferentes partes do país. Bertha Oliva, da Confederação de Direitos Humanos de Honduras, acredita que todas elas foram lançadas para criar um clima de medo e instabilidade e, assim, justificar as medidas repressoras do regime.

Um script antigo… Quem não se lembra da bomba do Riocentro?

É por essas e por outras que muita gente vai ficar em casa no domingo. E o movimento de resistência ao golpe convocou um toque de recolher popular. Pede a todos que fiquem em casa das seis da manhã às seis da tarde de domingo. Assim, não votam nem correm risco de morte.

Comentários