O RISCO DE UMA ASCENÇÃO FASCISTA



Por Luiz Carlos Azenha

De olho nas disputas políticas internas, muitas vezes a gente descuida de avaliar a conjuntura internacional. E há uma perspectiva sombria no horizonte, que poderá resultar na ascensão de regimes abertamente fascistas e de governos que, em nome de "defender a democracia", acabem golpeando a democracia.

Nos Estados Unidos os democratas controlam formalmente a Casa Branca e o Congresso. Mas os republicanos estão na ofensiva. Barack Obama parece concentrar sua energia na aprovação de um sistema público de saúde, o que permitiria a ele obter uma vitória significativa no campo doméstico, abrindo espaço para uma futura reeleição.

Os republicanos, sabendo disso, trabalham contra, com amplo apoio das grandes seguradoras privadas de saúde, um exército de lobistas e uma campanha vitriólica de mídia através de seus porta-vozes, especialmente de radialistas que têm uma audiência nacional no talk radio (Rush Limbaugh entre eles) e do "jornalismo" da Fox News, de Rupert Murdoch.

Os conservadores mantém quadros fieis dentro da CIA, do Pentágono e do Departamento de Estado, que travam uma luta política interna com apoio explícito dos propagandistas neocons.

Na falta de eleitores, os republicanos escoram suas ações em grupos populares que usam táticas de intimidação explícita, conforme demonstrou Sarah Robinson num artigo que reproduzi. Propagam todo tipo de teoria conspiratória com o objetivo de desgastar Barack Obama, a quem acusam de ser socialista, não cidadão do país ou simpatizante do terrorismo islâmico, conforme este artigo que também reproduzi.

A grande batalha em andamento nos bastidores de Washington é sobre a guerra no Afeganistão. Obama está diante de um quadro parecido com o que foi enfrentado por John Kennedy na guerra do Vietnã. Sob pressão de uma coalizão formada por fabricantes de armas, militares e falcões republicanos, tudo indica que o democrata vai aumentar o engajamento dos Estados Unidos no conflito.

Kennedy, diante do mesmo dilema, rejeitou a pressão. Seria assassinado (não há provas de vinculação entre a decisão dele e o assassinato). O vice, Lindon Johnson, assumiu e declarou "guerra total" no Vietnã. A diferença, como notou Tom Engelhardt brilhantemente nesse artigo, é que no tempo de Kennedy os Estados Unidos não estavam correndo risco de falir. Noto eu, igualmente, que se no tempo de Kennedy os americanos enfrentavam o desafio soviético, agora estão diante de múltiplos desafios internacionais, da União Europeia à Russia, da China ao Brasil.

Pagar por duas guerras -- no Afeganistão e no Paquistão -- num quadro de crise econômica interna poderá ter duas consequências para os democratas: o não cumprimento de promessas de campanha de Obama e o fortalecimento dos grupos populares aliados dos republicanos que denunciam Washington como o motivo de todos os males e Obama como incorporação da decadência do país, usando para isso toda sorte de apelo racial disfarçado.

O democrata adotou uma postura centrista. Está no poder há apenas 10 meses. Ninguem se lembra mais que as políticas externa e econômica de George W. Bush estão na origem dos fracassos recentes dos Estados Unidos. O próprio Bush ressurgiu dia desses, para cobrar de Obama mais guerra no Afeganistão.

Junte uma superpotência em decadência relativa, envolvida em duas guerras, num quadro de múltiplas disputas internacionais e escassez relativa do combustível do mundo industrializado -- o petróleo -- e o quadro é, no mínimo, preocupante. Especialmente quando, no interior dessa superpotência, o discurso da minoria eleitoral é estridente e sustentado pelos economicamente poderosos.

Na América Latina, em situações recentes, já vimos do que foram capazes as elites locais quando tiveram seu poder ameaçado por maiorias eleitorais. Derrubaram Hugo Chávez na Venezuela e Manuel Zelaya em Honduras. Golpearam a democracia, em nome de "defender a democracia". Nos dois casos, o papel dos brown shirts foi desempenhado pela mídia.

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