O PERÍODO ENTRE MUROS
Por Cléber Sérgio de Seixas
No fim da década de 80, o mundo passou por profundas mudanças que romperam com paradigmas há muito arraigados. Um dos indivíduos que cooperaram para estas mudanças foi um senhor nascido numa cidade russa chamada Stavropol. O homem cuja marca registrada era uma mancha na cabeça calva angariou a simpatia do ocidente quando abriu a caixa preta do socialismo soviético para o mundo, desnudando-lhe as mazelas e mostrando que aquele sistema fazia água por todos os lados. Seu nome era Mikhail Serguéievich Gorbachev. O ocidente apelidou-o carinhosamente de Gorby. O diriginte soviético tinha bom trânsito em países capitalistas, sobretudo nos EUA. Nunca um político comunista fora tão bem visto pelas nações que integravam a aliança militar da OTAN. Reagan era só risos para Gorby, sobretudo porque este último assinara com ele vários acordos militares de diminuição de armas estratégicas, pondo fim aos temores de uma tão propalada guerra nuclear.
Gorbachev abdicara de continuar a manter a União Soviética na corrida armamentista porque os gastos militares estavam arruinando a economia do país e causando insatisfação popular. Para retirar o elefante branco soviético do atoleiro do atraso econômico, tecnológico e social, Gorbachev instituiu a Perestroika e a Glasnost, respectivamente reestruturação e transparência. A Perestroika foi iniciada em 1986 e pretendia impor um maior dinamismo à economia, introduzindo mecanismos que estimulassem a livre iniciativa, acabando com o monopólio estatal e descentralizando as operações empresariais. A Glasnost acabou com a burocracia política, combateu a corrupção, permitiu a liberdade de imprensa e libertou alguns dissidentes políticos. O saldo de todas estas transformações foi o fim da União Soviética, que em 1991 se desintegrou em várias repúblicas.
No rastro do fim da URSS, vários países do leste europeu romperam com o paradigma socialista e fizeram sua opção pelo regime de mercado, abandonando a planificação econômica. Antes do fim da URSS, porém, a Alemanha já tinha se reunificado, pondo abaixo aquilo que era considerado o maior símbolo da polarização do mundo entre comunismo e capitalismo. A queda do muro fora saldada como a derrocada do socialismo, sendo que muitos foram além e consideraram o fato como o triunfo do capitalismo. Nesse contexto o grupo de rock alemão ocidental Scorpions cantava a música Wind of Change para celebrar os ventos de mudança que varriam o leste europeu.
No fim da década de 80, o mundo passou por profundas mudanças que romperam com paradigmas há muito arraigados. Um dos indivíduos que cooperaram para estas mudanças foi um senhor nascido numa cidade russa chamada Stavropol. O homem cuja marca registrada era uma mancha na cabeça calva angariou a simpatia do ocidente quando abriu a caixa preta do socialismo soviético para o mundo, desnudando-lhe as mazelas e mostrando que aquele sistema fazia água por todos os lados. Seu nome era Mikhail Serguéievich Gorbachev. O ocidente apelidou-o carinhosamente de Gorby. O diriginte soviético tinha bom trânsito em países capitalistas, sobretudo nos EUA. Nunca um político comunista fora tão bem visto pelas nações que integravam a aliança militar da OTAN. Reagan era só risos para Gorby, sobretudo porque este último assinara com ele vários acordos militares de diminuição de armas estratégicas, pondo fim aos temores de uma tão propalada guerra nuclear.
Gorbachev abdicara de continuar a manter a União Soviética na corrida armamentista porque os gastos militares estavam arruinando a economia do país e causando insatisfação popular. Para retirar o elefante branco soviético do atoleiro do atraso econômico, tecnológico e social, Gorbachev instituiu a Perestroika e a Glasnost, respectivamente reestruturação e transparência. A Perestroika foi iniciada em 1986 e pretendia impor um maior dinamismo à economia, introduzindo mecanismos que estimulassem a livre iniciativa, acabando com o monopólio estatal e descentralizando as operações empresariais. A Glasnost acabou com a burocracia política, combateu a corrupção, permitiu a liberdade de imprensa e libertou alguns dissidentes políticos. O saldo de todas estas transformações foi o fim da União Soviética, que em 1991 se desintegrou em várias repúblicas.
No rastro do fim da URSS, vários países do leste europeu romperam com o paradigma socialista e fizeram sua opção pelo regime de mercado, abandonando a planificação econômica. Antes do fim da URSS, porém, a Alemanha já tinha se reunificado, pondo abaixo aquilo que era considerado o maior símbolo da polarização do mundo entre comunismo e capitalismo. A queda do muro fora saldada como a derrocada do socialismo, sendo que muitos foram além e consideraram o fato como o triunfo do capitalismo. Nesse contexto o grupo de rock alemão ocidental Scorpions cantava a música Wind of Change para celebrar os ventos de mudança que varriam o leste europeu.
A indagação que deve ser feita 20 anos depois da queda do Muro de Berlim é por que o socialismo veio abaixo no leste europeu. Em seu livro A Mosca Azul, Frei Betto responde a pergunta da seguinte forma: “O capitalismo tem a esperteza de socializar o sonho (vide Hollywood) e privatizar os bens materiais, sobretudo a renda. O socialismo cometeu o erro contrário: socializou os bens materiais e a renda, mas privatizou o sonho. Só o Birô Político podia sonhar, assim mesmo dentro dos cânones. Os demais – artistas, intelectuais, sindicalistas, religiosos – deveriam sonhar os sonhos dos chefes do Partido ou suportar em silêncio seus pesadelos. (...) O marxismo idealista, ao elevar o Estado à condição de Espírito Absoluto, tratou de incorporar o pobretariado às vias de acesso da inclusão social (educação, saúde, trabalho etc), porém ao preço de destituí-lo de seu direito de crítica ao acesso ao Estado.”
De lá para cá o que vimos foi a unipolarização do mundo, com o crescente fortalecimento dos EUA no cenário internacional e, por conseguinte, do american way of life. Pode-se afirmar com toda a segurança que os Estados Unidos são hoje hegemônicos no quesito militar e econômico, apesar dos últimos reveses decorrentes da recente crise.
Com o avanço das tecnologias das comunicações, o fenômeno conhecido como globalização é fortalecido. Sob a égide de tal fenômeno, a soberania dos Estados é ignorada, as fronteiras nacionais são desrespeitadas, as empresas e a mídia passam a operar na geografia mundial como se o fizessem em suas sedes. A concorrência empresarial desaparece dando lugar a um fenômeno muito comum antes da crise de 1929: os oligopólios e as mega-empresas, que controlam de bancos a fábricas de roupas, de redes de lanchonetes a clubes de futebol, de fábricas de produtos químicos a fábricas de veículos.
Sob a globalização, as barreiras para o capital são forçadas a desaparecer para que a especulação supere a produção, para que a busca desenfreada pelo lucro burle as leis ou quaisquer princípios éticos. Um exemplo de burla a tais princípios éticos foi a tentativa de privatizar o sistema de abastecimento de água da cidade de Cochabamba, Bolívia. A transnacional Bechtel aumentou drasticamente o valor das contas de água dos habitantes daquela cidade boliviana e ainda os proibiu de armazenar a água da chuva, ou seja, até a água da chuva fora privatizada. Diante dos abusos, os bolivianos foram às ruas protestar e conseguiram fazer as autoridades bolivianas voltar atrás.
Sobre alguns aspectos da globalização, Frei Betto se pronuncia da seguinte forma na obra supracitada: “Os sistemas produtivo e financeiro são globalizados, o distributivo, afunilado. Há cada vez mais mercados para menos consumidores. Reduz-se então o preço das mercadorias, tornando-as mais competitivas, como fazem os chineses. Atrás do preço barato de um produto embutem-se salários irrisórios, horas extras não pagas, direitos trabalhistas lesados. Os EUA aprendem a lição e instalam suas fábricas no México e na América Central”.
Os arautos do neoliberalismo sempre apregoam que os países subdesenvolvidos só experimentam o subdesenvolvimento porque ainda não implementaram o capitalismo em profundidade. Assim sendo, a solução seria um “choque de capitalismo”. Este remédio amargo foi receitado à America Latina com o nome de Consenso de Washington, ou seja, um conjunto de reformas que conduziriam os países subdesenvolvidos à trilha do desenvolvimento. O Consenso receitava austeridade fiscal, elevação de impostos, aplicação de juros altos para atrair investimentos estrangeiros, privatizações etc. No Brasil, os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso seguiram à risca tais conselhos e no fim da década de 90 vimos no que deu.
Em todo o mundo acirrou-se o desemprego, a pobreza e a degradação ambiental, frutos diretos e indiretos do capitalismo em sua variante neoliberal. O abismo que separa os mais ricos dos mais pobres aprofundou-se ainda mais. Em seu bojo o sistema traz o pressuposto de que poucos consomem muito porque muitos consomem muito pouco ou quase nada, apesar da ideologia neoliberal apregoar que o capitalismo é um sistema que concede oportunidades para todos.
A crise de 2008 mostrou a fragilidade do neoliberalismo e forçou o capitalismo a recuar e retomar o uso de mecanismos keynesianos. Neste momento, por exemplo, Obama prepara-se para introduzir uma política que garantirá assistência médica gratuita e de qualidade a 90% dos norte-americanos. O estado do bem estar social (welfare state), que fora dilapidado por anos a fio pelas políticas neoliberais, agora volta à cena em decorrência da maior crise capitalista desde a Quinta Feira Negra.
Portanto, podemos dizer que estamos num período que seguramente pode ser chamado de entre-muros. Há 20 anos desabou um muro que era tido como o bastião de um sistema que ruiu feito castelo de cartas devido à burocracia, falta de liberdade de expressão e ineficiência econômica. Num processo que se iniciou em 2008 e continuou por este ano, outro murro ruiu: aquele representado pelo touro de bronze de Wall Street (“rua do muro”), símbolo da pujança do sistema capitalista neoliberal. O período entre muros demonstrou que nem o socialismo real nem o capitalismo neoliberal são sistemas que garantem qualidade de vida à maioria dos seres humanos.
Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, a humanidade precisa encontrar outros rumos para as políticas sociais e econômicas, aproveitando o que cada sistema sócio-econômico tem de melhor, a fim de que um novo paradigma se erija dos escombros de ambos os muros.
Para saber mais:
- Leiam meu texto "O Homo Davos em Extinção";
- Assistam ao documentário "Encontro com Milton Santos ou a globalização vista do lado de cá";
- Assistam ao filme "A vida dos Outros", de Florian Henckel von Donnersmarck, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007.
De lá para cá o que vimos foi a unipolarização do mundo, com o crescente fortalecimento dos EUA no cenário internacional e, por conseguinte, do american way of life. Pode-se afirmar com toda a segurança que os Estados Unidos são hoje hegemônicos no quesito militar e econômico, apesar dos últimos reveses decorrentes da recente crise.
Com o avanço das tecnologias das comunicações, o fenômeno conhecido como globalização é fortalecido. Sob a égide de tal fenômeno, a soberania dos Estados é ignorada, as fronteiras nacionais são desrespeitadas, as empresas e a mídia passam a operar na geografia mundial como se o fizessem em suas sedes. A concorrência empresarial desaparece dando lugar a um fenômeno muito comum antes da crise de 1929: os oligopólios e as mega-empresas, que controlam de bancos a fábricas de roupas, de redes de lanchonetes a clubes de futebol, de fábricas de produtos químicos a fábricas de veículos.
Sob a globalização, as barreiras para o capital são forçadas a desaparecer para que a especulação supere a produção, para que a busca desenfreada pelo lucro burle as leis ou quaisquer princípios éticos. Um exemplo de burla a tais princípios éticos foi a tentativa de privatizar o sistema de abastecimento de água da cidade de Cochabamba, Bolívia. A transnacional Bechtel aumentou drasticamente o valor das contas de água dos habitantes daquela cidade boliviana e ainda os proibiu de armazenar a água da chuva, ou seja, até a água da chuva fora privatizada. Diante dos abusos, os bolivianos foram às ruas protestar e conseguiram fazer as autoridades bolivianas voltar atrás.
Sobre alguns aspectos da globalização, Frei Betto se pronuncia da seguinte forma na obra supracitada: “Os sistemas produtivo e financeiro são globalizados, o distributivo, afunilado. Há cada vez mais mercados para menos consumidores. Reduz-se então o preço das mercadorias, tornando-as mais competitivas, como fazem os chineses. Atrás do preço barato de um produto embutem-se salários irrisórios, horas extras não pagas, direitos trabalhistas lesados. Os EUA aprendem a lição e instalam suas fábricas no México e na América Central”.
Os arautos do neoliberalismo sempre apregoam que os países subdesenvolvidos só experimentam o subdesenvolvimento porque ainda não implementaram o capitalismo em profundidade. Assim sendo, a solução seria um “choque de capitalismo”. Este remédio amargo foi receitado à America Latina com o nome de Consenso de Washington, ou seja, um conjunto de reformas que conduziriam os países subdesenvolvidos à trilha do desenvolvimento. O Consenso receitava austeridade fiscal, elevação de impostos, aplicação de juros altos para atrair investimentos estrangeiros, privatizações etc. No Brasil, os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso seguiram à risca tais conselhos e no fim da década de 90 vimos no que deu.
Em todo o mundo acirrou-se o desemprego, a pobreza e a degradação ambiental, frutos diretos e indiretos do capitalismo em sua variante neoliberal. O abismo que separa os mais ricos dos mais pobres aprofundou-se ainda mais. Em seu bojo o sistema traz o pressuposto de que poucos consomem muito porque muitos consomem muito pouco ou quase nada, apesar da ideologia neoliberal apregoar que o capitalismo é um sistema que concede oportunidades para todos.
A crise de 2008 mostrou a fragilidade do neoliberalismo e forçou o capitalismo a recuar e retomar o uso de mecanismos keynesianos. Neste momento, por exemplo, Obama prepara-se para introduzir uma política que garantirá assistência médica gratuita e de qualidade a 90% dos norte-americanos. O estado do bem estar social (welfare state), que fora dilapidado por anos a fio pelas políticas neoliberais, agora volta à cena em decorrência da maior crise capitalista desde a Quinta Feira Negra.
Portanto, podemos dizer que estamos num período que seguramente pode ser chamado de entre-muros. Há 20 anos desabou um muro que era tido como o bastião de um sistema que ruiu feito castelo de cartas devido à burocracia, falta de liberdade de expressão e ineficiência econômica. Num processo que se iniciou em 2008 e continuou por este ano, outro murro ruiu: aquele representado pelo touro de bronze de Wall Street (“rua do muro”), símbolo da pujança do sistema capitalista neoliberal. O período entre muros demonstrou que nem o socialismo real nem o capitalismo neoliberal são sistemas que garantem qualidade de vida à maioria dos seres humanos.
Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, a humanidade precisa encontrar outros rumos para as políticas sociais e econômicas, aproveitando o que cada sistema sócio-econômico tem de melhor, a fim de que um novo paradigma se erija dos escombros de ambos os muros.
Para saber mais:
- Leiam meu texto "O Homo Davos em Extinção";
- Assistam ao documentário "Encontro com Milton Santos ou a globalização vista do lado de cá";
- Assistam ao filme "A vida dos Outros", de Florian Henckel von Donnersmarck, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007.
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