Brasil em Copenhague



Por Frei Betto


É uma espinha na garganta do governo brasileiro a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro, em Copenhague.

Todos sabemos que o nosso planeta está doente. Nós, humanos, podemos usar máscaras para nos proteger da poluição atmosférica. A Terra não. Ela está irremediavelmente exposta aos efeitos nocivos de nossas atividades, que, na ânsia de acumular lucros, afetam a preservação ambiental.

A Terra é um ser vivo. Os gregos antigos a chamavam de Gaia. É também um milagre da natureza. Um pouco mais ou um pouco menos de calor e a vida não existiria em nosso planeta. Ele seria árido e desabitado como Marte ou Vênus.

Calcula a ciência que o universo existe há 14 bilhões de anos. A Terra, há 4,5 bilhões. Atingida, durante milênios, por meteoros, períodos glaciais, secas prolongadas, ela foi capaz de autorregenerar.

Porém, nos últimos 150 anos, o bicho homem/mulher causou demasiado estrago em seu hábitat. Entupiu de lixo rios e mares, desmatou florestas (a Amazônia, em 17% de sua área), contaminou o ar que respiramos... enfim, provocou tamanha degradação, a ponto de, hoje, Gaia ter perdido 25% de sua capacidade de autorregeneração. Só pode ser salva do apocalipse precoce se houver intervenção humana.

Aqui entra a saia justa do governo brasileiro. Nele, no que concerne à questão ambiental, há muitas cabeças e pouco consenso. O Brasil é o quarto maior emissor do mundo de gases de efeito estufa. O presidente Lula, capaz de virar a mesa na defesa da melhoria de renda dos mais pobres, nunca priorizou a agenda ecológica. Prova disso é a liberação de sementes transgênicas na lavoura brasileira, o desmatamento progressivo da Amazônia e o silêncio do Planalto quando ministros lobistas do agronegócio e das empreiteiras se queixam de que o Ibama – que avalia o impacto ambiental das obras – atrapalha o progresso... O PAC, por exemplo, é um primor de anabolizante do PIB e de ameaça ao desenvolvimento sustentável.

Com alto e merecido índice de aprovação, o governo Lula não soube sequer manter à frente do Ministério do Meio Ambiente uma figura internacionalmente reconhecida como Marina Silva. Quando ela vetava obras prejudiciais à mãe ambiente, o governo, pressionado pelo agronegócio e as empreiteiras, se sentia incomodado.

A decisão de Marina Silva de entrar na disputa presidencial nas eleições de 2010 se constituiu, para o governo, num imprevisto político que, doravante, o obriga a não mais empurrar com a barriga a questão ambiental. Aliás, agora todos os prováveis candidatos são verdes desde criancinha...

O que seria uma eleição de caráter plebiscitário, voltada a avaliar os oito anos de governo Lula, realinha o olhar da nação no rumo do futuro. Os candidatos, por força da participação de Marina Silva, terão de debater o projeto Brasil centrado no desenvolvimento sustentável.

A Conferência de Copenhague estabelecerá um novo protocolo, em substituição ao de Kyoto. Governos e empresas devem se comprometer, urgentemente, a reduzir a emissão de CO2 (gás carbônico). A excessiva presença de poluentes na atmosfera esburaca a camada de ozônio, derrete as geleiras, faz subir o nível do mar, aumenta o aquecimento global, causa desertificação (e, portanto, fome e fluxos migratórios), multiplica cânceres e enfermidades respiratórias.

O que está em questão não é apenas evitar que a temperatura da Terra suba dois graus, provocando efeitos nefastos. Temos pela frente apenas 15 anos para evitá-lo. É o próprio sistema de estímulo consumista, centrado no uso privado de carros e de energias poluentes. Sem mudança do paradigma capitalista, a catástrofe será inevitável.

Os países ricos, vilões da excessiva emissão de CO2, resistem às medidas de redução a serem adotadas até 2020. O Brasil vacila. O Ministério do Meio Ambiente defende o compromisso de, até lá, se reduzirem em 40% as emissões nacionais e o desmatamento da Amazônia em 80%. O Itamaraty e o Ministério da Ciência e Tecnologia são contra. A ministra Dilma Rousseff, como boa mineira, prefere não falar em índices ou números...

No centro do debate está a candidatura à Presidência da ministra-chefe da Casa Civil. O governo não mira propriamente Copenhague, e sim as urnas de outubro de 2010. Se a delegação brasileira presente na capital da Dinamarca abraçar a posição dos países ricos – que coincide com a do agronegócio e das empreiteiras – a candidata Dilma corre o risco de ficar mal na foto ecológica, sombreada pela candidata Marina, que não abre mão da sustentabilidade. Se o Brasil se comprometer com a meta de redução de 40%, Dilma ganha destaque ecológico na foto, mas desagrada a base aliada que lhe sustentará a candidatura.

Dia 3 passado, Lula e os ministros debateram a questão durante três horas. Não chegaram a um consenso. Nova reunião está prevista para sábado. Queira Deus que o governo se preocupe mais com as futuras gerações e a saúde do planeta do que com os interesses pecuniários das empresas responsáveis pela degradação ambiental.

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