20 DE NOVEMBRO É LUTA

Por Cléber Sérgio de Seixas 

Castro Alves, o poeta dos negros, cantou em sua magistral obra que “existe um povo que a bandeira empresta/ P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!.../ E deixa-a transformar-se nessa festa/ Em manto impuro de bacante fria!.../ Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta”. Só podemos entender os versos do poeta contextualizando-os na época em que o mesmo viveu.

A geração condoreira ansiava por liberdade para os negros. Os abolicionistas lutaram muito para que aqueles que vieram da África e seus descendentes obtivessem um mínimo de dignidade e direitos civis. Apesar de serem um reflexo de seu tempo, os versos do Navio Negreiro permanecem atuais pelo fato de muitos no Brasil ainda emprestarem nossa bandeira para outros a macularem ao tentarem, com ela, encobrir esta chaga aberta que se chama preconceito racial contra os negros.

Em 1888 foi assinada uma lei que pouco mudou na realidade dos negros. Libertos, eles foram deixados à própria sorte, sem nenhum aparato jurídico que os amparasse ou os protegesse do preconceito racial que ainda ficara latente, o qual às vezes vinha à tona sem que aqueles que o trouxeram à luz fossem legalmente punidos.

No auge do ciclo do café, os negros foram substituidos por imigrantes italianos, japoneses e outros. Se viram livres, porém desamparados. Quando outrora estavam sob o telhado da senzala e sob a égide do senhor de engenho, pelo menos gozavam de uma estrutura que, apesar de extremamente violenta e opressora, constituia "seu" mundo, sua esfera de convívio com outros representantes de sua raça, com os quais compartilhavam os mesmos anseios.

Quando o negro sai de dentro das senzalas, apesar de muitos alforriados ainda continuarem a trabalhar nas mesmas fazendas, fica sem teto e sem chão. Alguns refugiam-se em quilombos, optando por uma vida de ostracismo longe do desenvolvimento urbano. Outros, a maioria, preferem fugir para os grandes centros urbanos, engrossando o número de desvalidos. É nesse contexto, por exemplo, que surgem as favelas cariocas, senzalas modernas que abrigam, em sua maioria, aqueles que foram socialmente relegados às mais reles condições sociais, carecendo de direitos, habitação, emprego, etc. Não é à toa que o roqueiro Lobão certa vez cantou que “a favela é a nova senzala”.

É sempre importante situar as várias leis que acabaram com a escravidão no Brasil no contexto econômico internacional, salientando que nossa abolição é descendente direta da fase industrial do capitalismo, cuja pujança e dinamismo necessitavam de novos mercados compostos por homens livres. Manter os negros escravos tornara-se, portanto, um entrave às necessidades de expansão do capital industrial. Assim sendo, o Brasil, que no século XIX já gravitava na órbita das grandes potências, especificamente da Inglaterra, foi gradativamente erradicando a escravidão.

É importante, também, salientar que o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolí-la. A Lei Áurea não foi simplesmente uma benevolência da Princesa Isabel, e sim a decorrência de uma imposição dos capitães internacionais da indústria, que precisavam do mercado nos moldes que lhes fossem favoráveis.

Há 314 anos morria Zumbi dos Palmares, líder negro que comandou o maior quilombo de que se tem notícia, tanto em extensão quanto em se tratando do tempo em que resistiu a ataques. O 13 de maio pouco tem de significativo para a conquistas dos direitos dos negros (clique aqui para ler meu texto “A Máquina a Vapor Libertou os Escravos”), visto que os frutos dele decorrentes não foram obtidos pelo engajamento direto do negro, apesar dos hercúleos esforços abolicionistas.

Muito mais importante para os afrodescendentes brasileiros é o 20 de novembro, sobretudo por evocar a figura de Zumbi, que traz em si uma carga simbólica de luta pela conquista de direitos e oportunidades.  O 20 de novembro evoca luta, enquanto o 13 de maio lembra uma esmola de brancos a negros, levada a cabo num contexto de mudanças no sistema econômico capitalista.

Esta data deve ser lembrada sempre, sobretudo porque os negros ainda têm muito o que conquistar em se tratando de direitos e cidadania. É também um momento para dizer não ao racismo, à discriminação e ao preconceito social, e, por outro lado, dizer sim às cotas para negros em universidades públicas e a punições severas para aqueles que teimarem em discriminar um ser humano pela cor de sua pele.

Comentários