FÁBRICA DE DESAJUSTADOS

Os jovens algozes de Columbine

Por Cléber Sérgio de Seixas

Certa vez alguém pichou os seguintes dizeres num dos muros da cidade de La Paz, Bolívia: “Combata a pobreza, mate um mendigo!”. Esta frase, pérola do humor negro, diz muito sobre a ingenuidade de se tratar com os efeitos e deixar intactas as causas. Em 20 de abril de 1997 cinco jovens bem nascidos, um deles menor de idade, colocaram em prática a frase supracitada ateando fogo ao corpo do índio Galdino, que dormia num ponto de ônibus de Brasília. Interrogados, os jovens disseram que não sabiam que era um índio, e que tudo não passava de uma “brincadeira”. Em fevereiro de 2007, o assassinato do menino João Hélio deixou os brasileiros perplexos e trouxe novamente à discussão a questão da delinqüência juvenil.

O que se passava na cabeça do jovem que guiava o carro enquanto uma criança de apenas seis anos de idade tinha seu corpo destroçado pelas rodas do veículo? Por que não parou, soltou o garoto e prosseguiu? Jovens problemáticos sempre existiram, em todos os lugares e eras. A questão que parece ser crucial é que podemos estar vivendo numa sociedade que, por não repassar valores e virtudes à sua juventude, acaba se convertendo numa fábrica que produz em massa e em velocidade vertiginosa, jovens insensíveis e cruéis. Os produtos desta fábrica estão por aí em todas as classes sociais e lugares; das favelas e subúrbios às mansões dos bairros nobres. Os jovens que martirizaram João Hélio são pobres e pouco escolarizados. Suzane Richthofen, mentora do assassinato dos próprios pais, porém, é bem nascida e educada, assim como os algozes do índio pataxó. Isso joga por terra a afirmação de que somente a escola resolverá o problema do desajuste social juvenil.

Assim sendo, os pais cometem um grande erro quando se eximem de educar os filhos e exigem que a escola o faça. A escola nunca poderá assumir o papel dos pais, até porque não está autorizada e habilitada juridicamente para isso, assim como não dispõe de tempo para tal, principalmente se levarmos em conta que a escola em tempo integral ainda é ficção na maioria dos municípios brasileiros. Há que se oferecer aos jovens não somente acesso à educação, lazer, cultura e oportunidades de emprego, mas também fazê-los galgar degraus na escala de valores tidos como aceitáveis numa sociedade. Tampouco se pode esperar que a universidade promova tamanha mudança, visto que há muito tempo ela abandonou sua função de espaço crítico e transformador da sociedade para se tornar fábrica de diplomas e mera estufa de adestramento de jovens ao mercado.

A questão da maioridade penal sempre volta à baila em virtude de casos como o do assassinato de João Hélio. Quando casos semelhanes ocorrem, a grande imprensa, que transforma a desgraça alheia em espetáculo, sai à cata de crimes protagonizados por menores, a fim de dar embasamento à teoria que vê na diminuição da maioridade penal a resolução do problema da violência juvenil. Se isso fosse eficiente, a terra do tio Sam, cuja lei penal para menores infratores é duríssima, não teria tantos registros de jovens assassinando seus colegas de escola, tal como ocorreu em 20 de abril de 1999, quando dois jovens armados invadiram a Columbine High School, no estado do Colorado, e mataram doze alunos e um professor, cometendo suicídio em seguida. Olhando a questão por outro lado, se um jovem de 16 anos tem a capacidade de escolher seus governantes, por que então não poderia responder criminalmente à altura do delito cometido? A questão, no entanto, não pode ter uma abordagem passional, sob risco de se elaborar leis ineficientes e o tiro de uma legislação mal formulada sair pela culatra, fazendo com que meninos e meninas passem a ser recrutados cada vez mais jovens por bandidos.

Sabe-se que ninguém nasce criminoso, salvo algumas raríssimas exceções. Portanto, o processo de produção de um jovem desajustado é uma equação complexa e com muitas variáveis. Algumas dessas variáveis que convém citar são a pobreza e a falta de acesso à cultura e ao lazer. É sobre estas e tantas outras variáveis que deverá se debruçar a análise daqueles que se propõem resolver o problema da violência. Qualquer que seja a solução proposta pelos legisladores, deverá se concentrar não somente nos efeitos, mas também nas causas, sob pena da pedra de Sísifo rolar do horizonte da civilização para os vales sombrios da barbárie.

Comentários