EDUCADOS PARA O CONSUMO
Por Cléber Sérgio de Seixas
Às vezes fico perplexo ao ver o paradoxo de indivíduos que mal têm o que comer ou vestir, mas possuem produtos de grife, ou mesmo objetos cuja posse lhes é totalmente desnecessária. Do celular de três mil reais nas mãos de um sub-empregado à televisão de LCD enfeitando o barraco de dois cômodos, não faltam exemplos cotidianos para demonstrar como as pessoas são induzidas ao desejo de posse daquilo que não precisam.
Buscando embasamento teórico para tal fenômeno, recorri aos clássicos. Em Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx, após afirmar que toda produção é imediatamente consumo, diz o seguinte: “A produção não somente provê de materiais a necessidade; provê também de uma necessidade os materiais...A necessidade do objeto que experimente o consumo foi criada pela percepção do objeto. O objeto de arte, e analogamente qualquer outro produto, cria um público sensível à arte e apto para gozar da beleza. De modo que a produção não somente produz um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. A produção engendra, portanto, o consumo”. Se voltarmos no tempo, especificamente às últimas décadas do século XIX, encontraremos um cenário onde as forças produtivas foram incrementadas como nunca antes. A produção de excedentes fez com que novos mercados tivessem de ser alcançados, já que a capacidade de produzir do capitalismo superava, já naquele tempo, em muito, a capacidade de consumir. Foi assim que os capitães da indústria e das finanças se lançaram nas aventuras imperialistas em busca de mercados externos para o excedente de mercadorias e capitais, além de uma disputa pelas fontes de matérias-primas – disputas que conduziram às duas grandes guerras mundiais do século passado.
Na atualidade, a criação de excedentes continua, bem como a disputa por mercados, porém esta última vale-se de uma arma muito mais eficiente e sutil que o canhão: o marketing. Dizem que a propaganda é irmã siamesa do capitalismo. De fato, um não sobrevive sem o outro. Assim, o marketing tem como uma de suas tarefas a de criar nos indivíduos o desejo de adquirir produtos dos quais, em grande parte das vezes, não têm nenhuma necessidade. Porém, para que o marketing tenha resultados é necessário uma espécie de pedagogia, de forma que mais e mais consumidores sejam formados nos moldes necessários aos padrões de consumo da indústria moderna. E os padrões de consumo atuais revelam que os produtos adquiridos não necessariamente são gêneros de primeira necessidade. Constituem-se, em sua maioria, de produtos supérfluos, cuja posse visa conferir ao portador alguma visibilidade social. E esses consumidores deverão deixar sucessores, de forma que a grande roda da economia capitalista nunca pare de girar.
As indústrias não fazem propaganda de produtos simplesmente, mas de estilos de vida associados à posse dos mesmos. Por exemplo, é possível que na época em que o liquidificador foi disponibilizado no mercado seus slogans de venda girassem em torno de frases tais como: "compre um liquidificador e você poderá fazer sucos saborosos, com o mínimo de esforço". Atualmente este tipo de marketing soaria demasiado infantil. Um marketing mais eficiente e moderno para a venda de um liquidificador seria "liquidificador marca X, use-o e tenha uma vida mais saudável". A propaganda não põe em relevo somente os aspectos puramente técnicos e funcionais do produto que anuncia, e sim os supostos benefícios sociais advindos do uso daquele produto, benefícios estes que vão desde uma possível melhoria da qualidade de vida à mera ostentação.
A meta das corporações é maximizar os lucros e a participação no mercado. Elas têm um objeto para levarem a cabo esta meta: o desejo desenfreado de consumir da população. Assim, os indivíduos precisam ser mantidos na condição de consumidores inconscientes de produtos que não desejam. É preciso fabricar desejos, impor uma filosofia da futilidade, voltar a atenção das pessoas para aspectos fúteis da vida, como, por exemplo, o consumo de modismos. Trocar dinheiro por bugigangas, esta é a sina do consumidor no sistema capitalista atual.
Os homens de negócios estão atentos às tendências comportamentais dos cidadãos. As grandes empresas chegam até a patrocinar pesquisas destinadas a apurar aspectos psicológicos dos indivíduos, de forma que tal apuração sirva de norte à tomada das decisões corporativas. Assim sendo, é possível que o economista e o administrador trabalhem sob as orientações do psicólogo social ou do sociólogo. Temos grandes setores da economia, relações públicas e propaganda que se destinam a encaixar as pessoas no padrão desejado.
Também é interessante à grande indústria de bens supérfluos que a sociedade seja composta de indivíduos desassociados entre si, cuja concepção de si mesmos e o senso de valor seja a quantidade de desejos que conseguem satisfazer ao possuir determinados objetos. Centrado mais em si mesmo, em suas necessidades, em sua aparência ao espelho, em sua “auto-estima”, nos produtos que precisaria adquirir para ser bem aceito socialmente, o indivíduo abandona as causas sociais e se refugia em seu nicho mais particular: o ego. Cooptado pelo consumismo, o indivíduo deixa de ser cidadão e se torna mero consumidor. As causas coletivas, então, já não fazem sentido; o engajamento em algum movimento em prol dos direitos civis será considerado perda de tempo. Uma vez que se induza um indivíduo a prestar mais atenção em si mesmo, menos sensível ele será aos interesses coletivos. Se o indivíduo está bem consigo mesmo, se está satisfeito com a qualidade da vida que leva, por que ele se preocuparia com a política do país ou com a miséria na qual se encontra seu semelhante? Segundo a concepção consumista, os maiores prazeres que estariam à disposição dos indivíduos seriam aqueles associados ao consumo de produtos. O sucesso individual torna-se, então, a meta. Talvez aí resida uma das explicações para o fenômeno de vendas protagonizado pela literatura de auto-ajuda.
Contudo tenho uma esperança que se ancora no seguinte raciocínio: da mesma forma que fomos ensinados durante décadas que a felicidade consiste no consumo de determinados produtos ou na posse de determinados objetos, assim também podemos ensejar um outro tipo de pedagogia, aquela que prima mais pelo altruísmo do que pelo egoísmo. Se tal ensino for eficiente, teremos, ao cabo de algumas décadas, talvez, um novo homem sendo gestado. Homem este que será mais cidadão que consumidor.
Às vezes fico perplexo ao ver o paradoxo de indivíduos que mal têm o que comer ou vestir, mas possuem produtos de grife, ou mesmo objetos cuja posse lhes é totalmente desnecessária. Do celular de três mil reais nas mãos de um sub-empregado à televisão de LCD enfeitando o barraco de dois cômodos, não faltam exemplos cotidianos para demonstrar como as pessoas são induzidas ao desejo de posse daquilo que não precisam.
Buscando embasamento teórico para tal fenômeno, recorri aos clássicos. Em Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx, após afirmar que toda produção é imediatamente consumo, diz o seguinte: “A produção não somente provê de materiais a necessidade; provê também de uma necessidade os materiais...A necessidade do objeto que experimente o consumo foi criada pela percepção do objeto. O objeto de arte, e analogamente qualquer outro produto, cria um público sensível à arte e apto para gozar da beleza. De modo que a produção não somente produz um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. A produção engendra, portanto, o consumo”. Se voltarmos no tempo, especificamente às últimas décadas do século XIX, encontraremos um cenário onde as forças produtivas foram incrementadas como nunca antes. A produção de excedentes fez com que novos mercados tivessem de ser alcançados, já que a capacidade de produzir do capitalismo superava, já naquele tempo, em muito, a capacidade de consumir. Foi assim que os capitães da indústria e das finanças se lançaram nas aventuras imperialistas em busca de mercados externos para o excedente de mercadorias e capitais, além de uma disputa pelas fontes de matérias-primas – disputas que conduziram às duas grandes guerras mundiais do século passado.
Na atualidade, a criação de excedentes continua, bem como a disputa por mercados, porém esta última vale-se de uma arma muito mais eficiente e sutil que o canhão: o marketing. Dizem que a propaganda é irmã siamesa do capitalismo. De fato, um não sobrevive sem o outro. Assim, o marketing tem como uma de suas tarefas a de criar nos indivíduos o desejo de adquirir produtos dos quais, em grande parte das vezes, não têm nenhuma necessidade. Porém, para que o marketing tenha resultados é necessário uma espécie de pedagogia, de forma que mais e mais consumidores sejam formados nos moldes necessários aos padrões de consumo da indústria moderna. E os padrões de consumo atuais revelam que os produtos adquiridos não necessariamente são gêneros de primeira necessidade. Constituem-se, em sua maioria, de produtos supérfluos, cuja posse visa conferir ao portador alguma visibilidade social. E esses consumidores deverão deixar sucessores, de forma que a grande roda da economia capitalista nunca pare de girar.
As indústrias não fazem propaganda de produtos simplesmente, mas de estilos de vida associados à posse dos mesmos. Por exemplo, é possível que na época em que o liquidificador foi disponibilizado no mercado seus slogans de venda girassem em torno de frases tais como: "compre um liquidificador e você poderá fazer sucos saborosos, com o mínimo de esforço". Atualmente este tipo de marketing soaria demasiado infantil. Um marketing mais eficiente e moderno para a venda de um liquidificador seria "liquidificador marca X, use-o e tenha uma vida mais saudável". A propaganda não põe em relevo somente os aspectos puramente técnicos e funcionais do produto que anuncia, e sim os supostos benefícios sociais advindos do uso daquele produto, benefícios estes que vão desde uma possível melhoria da qualidade de vida à mera ostentação.
A meta das corporações é maximizar os lucros e a participação no mercado. Elas têm um objeto para levarem a cabo esta meta: o desejo desenfreado de consumir da população. Assim, os indivíduos precisam ser mantidos na condição de consumidores inconscientes de produtos que não desejam. É preciso fabricar desejos, impor uma filosofia da futilidade, voltar a atenção das pessoas para aspectos fúteis da vida, como, por exemplo, o consumo de modismos. Trocar dinheiro por bugigangas, esta é a sina do consumidor no sistema capitalista atual.
Os homens de negócios estão atentos às tendências comportamentais dos cidadãos. As grandes empresas chegam até a patrocinar pesquisas destinadas a apurar aspectos psicológicos dos indivíduos, de forma que tal apuração sirva de norte à tomada das decisões corporativas. Assim sendo, é possível que o economista e o administrador trabalhem sob as orientações do psicólogo social ou do sociólogo. Temos grandes setores da economia, relações públicas e propaganda que se destinam a encaixar as pessoas no padrão desejado.
Também é interessante à grande indústria de bens supérfluos que a sociedade seja composta de indivíduos desassociados entre si, cuja concepção de si mesmos e o senso de valor seja a quantidade de desejos que conseguem satisfazer ao possuir determinados objetos. Centrado mais em si mesmo, em suas necessidades, em sua aparência ao espelho, em sua “auto-estima”, nos produtos que precisaria adquirir para ser bem aceito socialmente, o indivíduo abandona as causas sociais e se refugia em seu nicho mais particular: o ego. Cooptado pelo consumismo, o indivíduo deixa de ser cidadão e se torna mero consumidor. As causas coletivas, então, já não fazem sentido; o engajamento em algum movimento em prol dos direitos civis será considerado perda de tempo. Uma vez que se induza um indivíduo a prestar mais atenção em si mesmo, menos sensível ele será aos interesses coletivos. Se o indivíduo está bem consigo mesmo, se está satisfeito com a qualidade da vida que leva, por que ele se preocuparia com a política do país ou com a miséria na qual se encontra seu semelhante? Segundo a concepção consumista, os maiores prazeres que estariam à disposição dos indivíduos seriam aqueles associados ao consumo de produtos. O sucesso individual torna-se, então, a meta. Talvez aí resida uma das explicações para o fenômeno de vendas protagonizado pela literatura de auto-ajuda.
Contudo tenho uma esperança que se ancora no seguinte raciocínio: da mesma forma que fomos ensinados durante décadas que a felicidade consiste no consumo de determinados produtos ou na posse de determinados objetos, assim também podemos ensejar um outro tipo de pedagogia, aquela que prima mais pelo altruísmo do que pelo egoísmo. Se tal ensino for eficiente, teremos, ao cabo de algumas décadas, talvez, um novo homem sendo gestado. Homem este que será mais cidadão que consumidor.
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