CRÔNICA
A primeira vez a gente nunca esqueçe. Me refiro à primeira vez que participei de uma manifestação pública. Estive no dia 24/06 numa manifestação do Movimento Saia às Ruas Gilmar - cuja sessão Belo Horizonte é coordenada pela professora de Química Laura Furquim, a quem tive o prazer de conhecer no dia seguinte durante uma palestra. Assim sendo, escrevi uma pequena e singela crônica sobre o fato.
A MINHA VIDA É ESTA...
Por Cléber Sérgio de Seixas
Saio do trabalho e apresso os passos para chegar rápido ao destino e aproveitar todos os momentos do evento cujo início está previsto para as 18 horas. No caminho, observo o contraste do romantismo dos arcos do viaduto Santa Tereza com a sobriedade dos espigões que o cercam, amenizada pelas árvores do Parque Municipal. Embaixo passam céleres o metrô em seu caminho metálico e os veículos sobre o leito coberto do Arrudas, onde já se pescou um dia.
Atravesso a Afonso Pena, mais famosa avenida de Belo Horizonte. O semáforo é rápido, pedestres não têm vez naquele cruzamento, pois atrapalham o fluxo dos veículos que, por sua vez, devolvem a gentileza enchendo de monóxido de carbono os pulmões dos transeuntes.
Subo a Bahia, pois a vida do belorizontino é esta: subir Bahia e descer Floresta. Viro à esquerda na Goiás, fundos da prefeitura: dou as costas ao Executivo municipal. Não sei de quem são as estátuas em tamanho natural com as quais me deparo, e minha curiosidade é suplantada pela ansiedade de chegar ao local do evento.
Sigo a Goiás direto, cruzando a Álvares Cabral em seu nascedouro. Confiro o número e eis diante de mim o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Gente bem vestida entra e sai. Quase em frente, gente não tão bem vestida espera no ponto de ônibus. “Será aqui?”. Olho em volta e não avisto nenhum sinal de manifestação, faixa, cartaz ou o delegado Protógenes Queiroz, que ficara de prestigiar o evento. “Talvez esteja muito cedo. O horário previsto, afinal, é às 18 horas”. Resolvo ir até o fim da Goiás e subir a Guajajaras. Faço isto e depois desço a João Pinheiro, cruzo pela praça Afonso Arinos, subo um trecho da Álvares Cabral, nicho de repartições ligadas ao judiciário e da Faculdade de Direito da UFMG e depois eis-me descendo de novo a Bahia, pois a vida do belorizontino é esta...
Adentro o Maleta, edifício que abrigaria a mais antiga escada rolante de Belo Horizonte. Observo a escada, está desligada. Me lembro do tempo em que eu e um grande amigo freqüentávamos os famosos sebos dali. Avisto um sebo remanescente, porém os livros que vejo expostos na banca são, em sua maioria, de auto-ajuda – sinal dos tempos. Me vejo cercado de barzinhos; cheios pelo fim de tarde convidativo a um bom trago. Nada que me interesse. Abandono o prédio histórico e avisto a Augusto de Lima. Desço-a e retorno à Goiás. Chego novamente à frente do TJMG. Deparo com um caminhãozinho com uma pequena faixa onde se lê: “Gilmar Mendes. Saia às ruas e não volte ao STF”. O tom incisivo da frase pintada num reles pano branco contrasta com o numero de manifestantes: contando comigo eram cinco.
Fico ali estudando o ambiente. Uma equipe da TV Alterosa já está de prontidão. Me assento próximo a eles e não tenho como não escutar as conversas de bastidores, as quais me fazem concluir que nem todo repórter é tão inteligente quanto aparenta na TV. A equipe de reportagem não sabia totalmente a que vinham os manifestantes.
Aos poucos o caldo vai engrossando, se encorpando. Gente bem vestida - uma surpresa para mim que esperava aqueles militantes de calça jeans, bonés e camisas brancas de algodão, agitando suas bandeirolas, bem ao estilo MST. Próximo de mim uma escritora dialoga com um jornalista que há alguns minutos me confidenciara que tivera, tempos atrás, seu jornal empastelado pelo governador de Minas. Segura de si, a escritora desafia o jornalista a lhe ditar um número de telefone para que ela memorize: diz isto tocando o dedo indicador na testa seguidas vezes e se gabando de não usar agenda. Coisa de escritores.
Inicio a sessão de fotos com minha modesta câmera fotográfica digital que já completa 5 velinhas. Flashes iluminam a escuridão. Em meio ao festival de luzes, conheço a coordenadora do movimento em Belo Horizonte, que no dia seguinte eu descobriria ser uma simples professora de Química da rede estadual de ensino; simples porém decidida, e é isto o que importa para integrantes de movimentos sociais. Para tornar permanente a iluminação, velas são distribuídas aos manifestantes. A vigília é acompanhada de longe pelos passantes, que não sabem o que ali ocorre. Uma transeunte me pergunta o que acontece ali, no que respondo que se trata de uma manifestação cujo objetivo é pedir a saída do presidente do Supremo, Gilmar Mendes. “Quem?”. A senhora, que não conhece Gilmar Mendes, se afasta franzindo a testa e levando ainda consigo a dúvida.
Outros transeuntes furam o bloqueio humano formado pelos manifestantes, que àquela altura já contam uns 80, e seguem seu caminho, pois, afinal, é fim de expediente nas empresas, horário de pico e dia de jogo no Mineirão.
Os ocupantes de uma viatura da Polícia Militar, que até então acompanhavam o evento de longe, procuram saber quais os objetivos e quem é o líder. Observo a conversa de longe, mas percebo que a carta branca fora dada para continuarmos o ato. Mesmo assim conto umas quatro voltas do mesmo tático móvel pelo quarteirão.
Acendo a vela que me é dada. Alguém tem a brilhante idéia de, com as velas acesas, formar a frase “fora Gilmar” na entrada do Tribunal. Vamos, um a um, dando nossa contribuição para formar aquele grito de indignação iluminado. Enquanto estamos ali, a repórter da TV Alterosa vai fazendo entrevistas. Iniciam-se os discursos inflamados.
Um senhor que ninguém sabe quem é, toma o microfone e fala de tudo um pouco: das falcatruas do governo FHC à recente decisão do supremo referente à não obrigatoriedade do diploma de curso de jornalismo para exercício da função de jornalista, passando por críticas ao Pelé. Um jovem que se apresenta como representante de um determinado movimento estudantil se apossa do microfone e abre sua metralhadora giratória contra a decisão do Supremo que afetou diretamente o futuro da carreira jornalística. Sua jaqueta marrom esconde parte de uma camisa preta com o símbolo daquele personagem da Marvel Comics: o Justiceiro. De alguma forma todos ali presentes são justiceiros, mas buscam fazer justiça de um jeito diferente daquele utilizado pelo famoso personagem dos gibis.
A frase “fora Gilmar” composta pelas velas acesas começa a incomodar quem tenta sair ou adentrar o tribunal. O segurança do tribunal contata instâncias superiores que logo surgem pedindo que seja liberado o caminho para os que tentam sair ou adentrar o recinto. Após um certo bate-boca, algumas velas são retiradas deixando o “fora Gilmar” irreconhecível.
Súbito Gilson Reis, presidente do SINPRO MG, toma o microfone e anuncia que o delegado Protógenes não poderá ir ao evento por motivos legais. É como um balde de água fria. Percebo que muitos começam a ir embora. Bato mais algumas fotos e decido fazer o mesmo, pois, afinal, sou homem de periferia, moro longe, vou acordar cedo no dia seguinte para trabalhar e devo caminhar alguns quarteirões antes de pegar minha condução.
Vou me afastando e sigo meu caminho. Cruzo novamente a Álvares Cabral, continuo na Goiás e desço novamente a Bahia. Me sinto leve e realizado nessa primeira experiência de exercício público de minha cidadania, pois realmente a minha vida é esta...
Atravesso a Afonso Pena, mais famosa avenida de Belo Horizonte. O semáforo é rápido, pedestres não têm vez naquele cruzamento, pois atrapalham o fluxo dos veículos que, por sua vez, devolvem a gentileza enchendo de monóxido de carbono os pulmões dos transeuntes.
Subo a Bahia, pois a vida do belorizontino é esta: subir Bahia e descer Floresta. Viro à esquerda na Goiás, fundos da prefeitura: dou as costas ao Executivo municipal. Não sei de quem são as estátuas em tamanho natural com as quais me deparo, e minha curiosidade é suplantada pela ansiedade de chegar ao local do evento.
Sigo a Goiás direto, cruzando a Álvares Cabral em seu nascedouro. Confiro o número e eis diante de mim o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Gente bem vestida entra e sai. Quase em frente, gente não tão bem vestida espera no ponto de ônibus. “Será aqui?”. Olho em volta e não avisto nenhum sinal de manifestação, faixa, cartaz ou o delegado Protógenes Queiroz, que ficara de prestigiar o evento. “Talvez esteja muito cedo. O horário previsto, afinal, é às 18 horas”. Resolvo ir até o fim da Goiás e subir a Guajajaras. Faço isto e depois desço a João Pinheiro, cruzo pela praça Afonso Arinos, subo um trecho da Álvares Cabral, nicho de repartições ligadas ao judiciário e da Faculdade de Direito da UFMG e depois eis-me descendo de novo a Bahia, pois a vida do belorizontino é esta...
Adentro o Maleta, edifício que abrigaria a mais antiga escada rolante de Belo Horizonte. Observo a escada, está desligada. Me lembro do tempo em que eu e um grande amigo freqüentávamos os famosos sebos dali. Avisto um sebo remanescente, porém os livros que vejo expostos na banca são, em sua maioria, de auto-ajuda – sinal dos tempos. Me vejo cercado de barzinhos; cheios pelo fim de tarde convidativo a um bom trago. Nada que me interesse. Abandono o prédio histórico e avisto a Augusto de Lima. Desço-a e retorno à Goiás. Chego novamente à frente do TJMG. Deparo com um caminhãozinho com uma pequena faixa onde se lê: “Gilmar Mendes. Saia às ruas e não volte ao STF”. O tom incisivo da frase pintada num reles pano branco contrasta com o numero de manifestantes: contando comigo eram cinco.
Fico ali estudando o ambiente. Uma equipe da TV Alterosa já está de prontidão. Me assento próximo a eles e não tenho como não escutar as conversas de bastidores, as quais me fazem concluir que nem todo repórter é tão inteligente quanto aparenta na TV. A equipe de reportagem não sabia totalmente a que vinham os manifestantes.
Aos poucos o caldo vai engrossando, se encorpando. Gente bem vestida - uma surpresa para mim que esperava aqueles militantes de calça jeans, bonés e camisas brancas de algodão, agitando suas bandeirolas, bem ao estilo MST. Próximo de mim uma escritora dialoga com um jornalista que há alguns minutos me confidenciara que tivera, tempos atrás, seu jornal empastelado pelo governador de Minas. Segura de si, a escritora desafia o jornalista a lhe ditar um número de telefone para que ela memorize: diz isto tocando o dedo indicador na testa seguidas vezes e se gabando de não usar agenda. Coisa de escritores.
Inicio a sessão de fotos com minha modesta câmera fotográfica digital que já completa 5 velinhas. Flashes iluminam a escuridão. Em meio ao festival de luzes, conheço a coordenadora do movimento em Belo Horizonte, que no dia seguinte eu descobriria ser uma simples professora de Química da rede estadual de ensino; simples porém decidida, e é isto o que importa para integrantes de movimentos sociais. Para tornar permanente a iluminação, velas são distribuídas aos manifestantes. A vigília é acompanhada de longe pelos passantes, que não sabem o que ali ocorre. Uma transeunte me pergunta o que acontece ali, no que respondo que se trata de uma manifestação cujo objetivo é pedir a saída do presidente do Supremo, Gilmar Mendes. “Quem?”. A senhora, que não conhece Gilmar Mendes, se afasta franzindo a testa e levando ainda consigo a dúvida.
Outros transeuntes furam o bloqueio humano formado pelos manifestantes, que àquela altura já contam uns 80, e seguem seu caminho, pois, afinal, é fim de expediente nas empresas, horário de pico e dia de jogo no Mineirão.
Os ocupantes de uma viatura da Polícia Militar, que até então acompanhavam o evento de longe, procuram saber quais os objetivos e quem é o líder. Observo a conversa de longe, mas percebo que a carta branca fora dada para continuarmos o ato. Mesmo assim conto umas quatro voltas do mesmo tático móvel pelo quarteirão.
Acendo a vela que me é dada. Alguém tem a brilhante idéia de, com as velas acesas, formar a frase “fora Gilmar” na entrada do Tribunal. Vamos, um a um, dando nossa contribuição para formar aquele grito de indignação iluminado. Enquanto estamos ali, a repórter da TV Alterosa vai fazendo entrevistas. Iniciam-se os discursos inflamados.
Um senhor que ninguém sabe quem é, toma o microfone e fala de tudo um pouco: das falcatruas do governo FHC à recente decisão do supremo referente à não obrigatoriedade do diploma de curso de jornalismo para exercício da função de jornalista, passando por críticas ao Pelé. Um jovem que se apresenta como representante de um determinado movimento estudantil se apossa do microfone e abre sua metralhadora giratória contra a decisão do Supremo que afetou diretamente o futuro da carreira jornalística. Sua jaqueta marrom esconde parte de uma camisa preta com o símbolo daquele personagem da Marvel Comics: o Justiceiro. De alguma forma todos ali presentes são justiceiros, mas buscam fazer justiça de um jeito diferente daquele utilizado pelo famoso personagem dos gibis.
A frase “fora Gilmar” composta pelas velas acesas começa a incomodar quem tenta sair ou adentrar o tribunal. O segurança do tribunal contata instâncias superiores que logo surgem pedindo que seja liberado o caminho para os que tentam sair ou adentrar o recinto. Após um certo bate-boca, algumas velas são retiradas deixando o “fora Gilmar” irreconhecível.
Súbito Gilson Reis, presidente do SINPRO MG, toma o microfone e anuncia que o delegado Protógenes não poderá ir ao evento por motivos legais. É como um balde de água fria. Percebo que muitos começam a ir embora. Bato mais algumas fotos e decido fazer o mesmo, pois, afinal, sou homem de periferia, moro longe, vou acordar cedo no dia seguinte para trabalhar e devo caminhar alguns quarteirões antes de pegar minha condução.
Vou me afastando e sigo meu caminho. Cruzo novamente a Álvares Cabral, continuo na Goiás e desço novamente a Bahia. Me sinto leve e realizado nessa primeira experiência de exercício público de minha cidadania, pois realmente a minha vida é esta...
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