SELEÇÃO BRASILEIRA: DE JOÃO "SEM MEDO" AO ANÃO DUNGA


Por Cléber Sérgio de Seixas

Não é de minha geração, e creio que tampouco seja da maioria dos que lerem este artigo, mas há cerca de 40 anos, no dia 13 de março de 1970 para ser mais exato, João Saldanha era demitido do cargo de técnico da seleção brasileira de futebol. Saldanha fora notificado da demissão pelo então presidente da CBD - atual CBF -, João Havelange. Faltavam poucos meses para a Copa do mundo e o time das 11 feras já estava montado.

Surge, então, a figura do ditador de plantão, Garrastazu Médici. Em uma entrevista a Armando Nogueira, falecido este ano, o presidente da república teria dito que gostava de Dario e queria vê-lo no ataque da seleção no lugar de Tostão, que no ano anterior tinha sofrido um descolamento de retina e se recuperava do trauma. Rumores vão, rumores vêem e eis que um dia, durante uma entrevista, indagado sobre a possível escalação de Dario, Saldanha responde:
- Olha: o presidente escala o ministério dele e eu escalo o meu time.

É hoje público e notório que a ditadura militar utilizou a participação do selecionado brasileiro na Copa do Mundo de 1970 como oportunidade para propagandear o regime. De uma hora para outra o presidente se converteu no torcedor número 1 do país, indo aos jogos freqüentemente. Era uma estratégia para cooptar o patriotismo dos brasileiros e ao mesmo tempo distraí-los com pão e circo futebolísticos enquanto atrocidades aconteciam nos porões do regime.

O técnico de quem muitos zombavam dizendo que tinha cara de cavalo, era curto e grosso e nunca gostou de levar desaforo para casa, o que justificava seu apelido de João “Sem Medo”. Para desgosto dos milicos de plantão, era membro do Partido Comunista Brasileiro. Persona non grata, Saldanha seria uma pedra no sapato dos militares se retornasse do México com a Jules Rimet em mãos - seu cacife poderia torná-lo um porta-voz dos contrários ao regime linha dura dos militares. Costumava afirmar que a imprensa era corrupta e tinha rabo preso com a ditadura. Acabou pagando caro por esta e por outras declarações.

O comando das “feras” de Saldanha seria repassado a Mário Jorge Lobo Zagallo, que preferiu manter Tostão no ataque e, talvez receoso de peitar um general de cinco estrelas, convocou Dario. No entanto, o atacante que costumava dizer que parava no ar ficou parado no banco durante toda a Copa. O resto todos conhecem: aquela seleção entraria para a história com a melhor de todos os tempos.

Damos um salto de 40 anos e encontramos um treinador sendo rechaçado, quase em uníssono, pela grande imprensa (vulgo Partido da Imprensa Golpista - PIG) por sua escalação da seleção brasileira de futebol. As escolhas heterodoxas do treinador gaúcho, cujo nome evoca uma personagem de histórias infantis, têm despertado a fúria de uma imprensa sempre afeita a impor suas escolhas e fazer lobbies sob os quais se escondem os mais escusos interesses. Por falar em escuso, não sei se os leitores perceberam que ao passo que Robinho desfila em vários comerciais televisivos, não vimos nenhuma propaganda protagonizada por Ronaldinho Gaúcho ou Adriano. Será que as mentes brilhantes do marketing já sabiam que os supracitados não seriam escalados e que o franzino Robinho seria a bola da vez?

Dunga sempre jogou um futebol duro e objetivo, em detrimento do que muitos chamam de “futebol arte”. A cara de poucos amigos e a liderança em campo lhe renderam a braçadeira de capitão durante a copa de 1994 – um tetracampeonato conquistado sem brilho nas cobranças de pênaltis. Seu espírito aguerrido deu nome a uma nova era na história da seleção brasileira: a “Era Dunga”. Enquanto seleções como a de 1982, que encantou mas não trouxe a taça, primaram pelo futebol arte, a de 1994 caracterizou-se pela força e pela objetividade. 

Dunga tornou-se o maior expoente dessa geração. Com seu cabelo espetado estilo bad boy e sua tenacidade em campo, protagonizou momentos polêmicos na carreira. Um deles foi quando deu uma cabeçada em Bebeto em pleno campo na Copa de 1998. Após a vergonhosa derrota da seleção no mundial de 2006, o comando do escrete verde e amarelo foi retirado das mãos do inexpressivo Parreira e entregue a Dunga. De lá pra cá foram várias conquistas sob a batuta do maestro carrancudo, dentre as quais convém salientar a Copa América em 2007 e a Copa das Confederações no ano passado.

Apesar de tal cabedal de conquistas, Dunga despertou o furor da imprensa com sua recente escalação da seleção que deixou de fora campeões do Paulistão como Ganso e Neimar, queridinhos do povão como Ronaldinho Gaúcho, além de escolhas aparentemente óbvias como Adriano do Flamengo. Por não terem primeiro perguntado aos barões midiáticos quais jogadores deveriam ter sido escalados, Dunga e Jorginho são execrados diariamente pelos noticiários. O Jornal da Band de terça-feira (11/05) dedicou até um editorial sobre o assunto. Hoje no jornal Estado de Minas o colunista Jaeci Carvalho, num texto cujo título é “Os Ditadores”, soltou as seguintes pérolas: “Os dois têm comportamento ditatorial ao extremo. Ufanistas, não aceitam críticas de ninguém”, “Não vejo no grupo de Dunga alguém com essa capacidade (futebol-arte e genialidade). Digo time de Dunga porque tem a cara dele, com o feio futebol que tanto adora” e para completar “...ganhando ou perdendo, vão continuar a ser figuras execradas pelos amantes do futebol-arte. Vou vibrar se houver um jogo que me encante ou um jogador como Zidane, que nos deu uma aula de bola em 2006, em Frankfurt”. Vejam que o nobre colunista do EM diz nas entrelinhas que vai torcer contra.

Doravante pode-se esperar toda sorte de ataques e baixarias. Se trouxerem a taça, dirão que foi sem brilho. Se perderem, dirão que foi em virtude dos equívocos na escalação e pela falta dos craques do futebol-arte. Qualquer que seja o resultado, não deixarão Dunga crescer. Condenalo-ão a ser sempre um anão, desprovido da alta estatura que é conferida somente aos sabujos da grande imprensa. Seu destino será o ostracismo a que relegaram Saldanha e tantos outros que ousaram peitar o quarto poder e seus asseclas.

Não sei se vocês leitores dão ouvidos a teorias de conspiração. Eu não costumo dar – mesmo assim muitas se revelaram reais -, mas acredito que a imprensa torce para que a seleção saia derrotada, pois uma derrota da seleção na pátria de chuteiras é também uma derrota da nação, e uma derrota da nação enfraquece o presidente, e um presidente enfraquecido não elege seu sucessor e assim por diante. Já ouviram falar que futebol e política não se misturam? Ledo engano. Se misturam sim e dão um bom guisado. 

Por falar em guisado, a seleção vai sem pato e sem ganso. Assim sendo pergunto: será que vai ter frango?

Comentários