O LEÃO DO OESTE

Uma das cenas de Era Uma Vez no Oeste

Por Cléber Sérgio de Seixas


Em minha infância, lá pelos idos de 80, me acostumei com meu pai ouvindo o que ele chamava de "músicas de bang-bang”. Ele as escutava naqueles toca-discos portáteis conhecidos na época como radiola. Hoje, do alto da tecnologia MP3, as novas gerações fazem troça dos bolachões e das engenhocas que os punham em movimento para deles extrair melodias e, eventualmente, chiados. Da mesma forma, os representantes da geração Z, acostumados a tecnologias que produzem filmes como Star Wars e Avatar, consideram filmes de western ultrapassados. Eu não gostava daquelas músicas orquestradas e daqueles assovios sem fim, nem tampouco dos filmes cujo gênero meu pai chama de faroeste. Entre djangos e trinities meu velho, ainda hoje, declara sua preferência pelos faroestes italianos.

Passaram-se os anos, acumularam-se as lembranças dos vários filmes assistidos e eis-me um cinéfilo. Na minha bagagem cabia de tudo, menos os representantes do antiquado gênero western. Até que um dia me deparei com um filme chamado Era uma Vez no Oeste (C'era Una Volta Il West). O nome foi retirado do baú de minha memória e despertou minha curiosidade. Assisti-o não só uma, mas várias vezes, até que me vi obrigado a comprar o DVD. A partir de então, tornei-me um fã incondicional, não exatamente do gênero, mas do gênero sob a batuta de um maestro chamado Sérgio Leone.

Leone, cineasta italiano que começou sua carreira como assistente de direção em filmes dirigidos por cineastas famosos como Vittorio De Sica, Mervyn Leroy e Luigi Comencini, alçou vôos solo e estreou na direção com um épico chamado O Colosso de Rodes. O ano era 1960. Quatro anos depois produziu um western intitulado Por um Punhado de Dólares (Per Un Pugno Di Dollari), cujo papel principal foi dado ao desconhecido Clint Eastwood. Este filme introduziu um gênero que ficou pejorativamente conhecido como western spaghetti. O termo que alude ao famoso prato servia para descrever todos os westerns dirigidos por italianos. Leone abriu as portas para vários outros diretores daquele país, dentre os quais destaco Sergio Corbucci, Sergio Solima, Tonino Valerii.

Em 1965 e 1966, Leone daria continuidade ao que ficou conhecido como a trilogia dos dólares com os filmes Por Uns Dólares a Mais (Per qualche dollaro in più) e Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo). Em todos eles, Clint Eastwood fazia o papel de um personagem sem nome. A consagração do diretor italiano viria em 1968 com Era Uma Vez no Oeste - na minha modesta opinião, o melhor western de todos os tempos. Seguiram-se outros filmes, mas sem o mesmo brilho deste último. O derradeiro trabalho de Leone foi um épico gângster, Era Uma Vez na América, cujo elenco estelar incluía nomes como James Woods e Robert De Niro. 

Leone não só revelou astros com Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Gian Maria Volonté, mas também ensinou os norte-americanos, pais do gênero, a fazer western. O oeste de Leone em muito difere daquele mostrado nos filmes de diretores norte-americanos como John Ford, John Huston ou Howard Hawks.

Nos filmes de Leone os protagonistas não são mocinhos nem bandidos - talvez sejam as duas coisas ao mesmo tempo. São seres humanos em busca de seus objetivos, nem que para alcançá-los seja necessário matar e roubar. Geralmente, são caçadores de recompensa ou estão atrás de vingança. É o que podemos chamar de anti-heróis. Nos filmes leoninos não existem os politicamente corretos tal como nos filmes americanos. Os cowboys de Leone não têm rostos belos e escanhoados. Pelo contrário, são barbudos, cheios de cicatrizes, sujos, traiçoeiros, mal-educados, além de nunca se envolverem em romances.

A cenas de violência nos filmes do diretor italiano são curtas, mas sempre precedidas de longos diálogos emoldurados pelas belíssimas trilhas sonoras de Morriconne.

Enquanto nos westerns de diretores estadunidenses os índios e mexicanos são sempre retratados como violentos, traiçoeiros e como um mal a ser extirpado, Leone, deixando de lado qualquer espécie de maniqueísmo, poucas vezes os apresenta assim. Em certos filmes até os ignora ou os apresenta como revolucionários, como é o caso dos mexicanos em Quando Explode a Vingança (Giù La Testa) de 1971.

O estilo Leone de filmar transita dos close-ups nos rostos dos atores às grandes panorâmicas. Leone usou e abusou das gruas em suas filmagens para obter tomadas antológicas, como aquela em que a personagem Jill McBain - vivida por Claudia Cardinale - de Era Uma Vez no Oeste, desce do trem, atravessa a estação de desembarque e caminha pela cidade, tudo sem nenhum corte. O formato cinemascope dá ao filme uma aura ainda mais épica.

Detalhe: Era Uma Vez no Oeste foi traduzido erroneamente do italiano. O nome correto seria Era Uma Vez o Oeste, significando o fim do oeste em decorrência do progresso trazido pelas ferrovias, uma referência constante nesse filme – o filme começa e termina com a chegada do trem.

Leone manteve uma parceria, que duraria até seu último filme, com o gênio das trilhas sonoras e também italiano Ennio Morricone. Entre sinos e assovios, a criatividade de Morricone dava vida e emoção às cenas. Algumas canções pareciam ter nascido para as cenas que sonorizaram. Das trilhas, destaque para as de Três Homens em Conflito, Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America), de 1984.

Leone faleceu em 1989, mas deixou um legado seguido por diretores como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. No recente Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds), o estilo Leone é notado logo nos primeiros instantes do filme dirigido por Tarantino, inclusive pela música de Morricone.

O gênero western pode, seguramente, ser divido em duas eras: antes e depois de Leone. Nenhum outro conseguiu transpor para a grande tela aquele ambiente que deve ter caracterizado o velho oeste. Leone é, portanto, referência obrigatória para o gênero. Ave, Leone!

Deixo-vos com um trecho daquela que considero a maior obra de Leone: Era Uma Vez No Oeste. Atentem para a trilha de Morriconne.


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