MANDANTES E EXECUTORES
à esquerda, foto de Emmanuel Bezerra dos Santos, morto em 1973, encontrada nas dependências do DOPS paulista.
Por Mino Carta
Por Mino Carta
Em artigo recente, o coronel Jarbas Passarinho, fiel e fluente servidor da ditadura em ocasiões diversas, escreveu que o general Ernesto Geisel, ditador de 1974 a 1979, autorizava a tortura. Houve quem se surpreendesse. Evidentemente não leu uma entrevista dada por Geisel a um pessoal do CPDoc vários anos atrás, publicada em um livraço desses que implodem criados-mudos. Ali o general dizia, imperturbável, que, “em determinadas situações”, a tortura é perfeitamente admissível.
A despeito do seu peso específico, li o tal volume e verifiquei que Geisel orgulhava-se dos progressos econômicos alcançados durante o seu reinado e pouco falava da distensão, lenta, gradual, porém segura, como se lhe atribuísse um valor secundário. Se me faltassem motivos para crer que ele fora, no exercício do poder político, um títere nas mãos de Golbery do Couto e Silva, colhia enfim a prova definitiva.
Geisel foi quem definiu o Brasil como “uma ilha de prosperidade”, logo após o primeiro Choque do Petróleo. Quem sabe a prosperidade dos moradores dos Jardins paulistanos. Esta não arrefeceu, não arrefece, e não há risco de que venha a arrefecer. Sem esquecer outras ilhas do arquipélago Brasil, bem maiores e ainda miseráveis. Inadequadas à contemporaneidade do mundo que pretendemos alcançar.
Acaba de ser lançado pela Paz e Terra o ensaio Ditadura e Repressão, de autoria do brasilianista Anthony Pereira, diretor do Brasil Kings College de Londres. A tese de Pereira: uma ditadura que conta com o suporte de um Judiciário, e realiza alguns julgamentos às claras, é mais eficaz para manter sob controle uma nação em peso. Refere-se à ditadura verde-amarela.
Entrevistado por Cynara Menezes, diz: “É impactante quando se compara o golpe de 1964 com os do Chile e da Argentina. A preocupação com a legalidade era muito maior no Brasil”. A partir desta premissa, Pereira sustenta que a ditadura brasileira foi menos cruel do que a argentina e a chilena, mas, “depois que terminou foi mais difícil de desfazer”. Pergunta Cynara: “O senhor fala de consenso entre Judiciário e militares no Brasil. A decisão do STF de duas semanas atrás, de confirmar a validade da Lei da Anistia, significa que esse consenso ainda existe?” “Responde Pereira: “Em certo grau, sim. Acho que a decisão do Supremo confirma isso”.
Toda ditadura, creio eu, age conforme as condições próprias de cada país oprimido. Ao se aceitar a comparação com Argentina e Chile, temos de levar em consideração as nossas diferenças em relação a ambos. Por exemplo, os índices precipitados pelo monstruoso desequilíbrio social brasileiro colocam argentinos e chilenos muito à nossa frente em termos de consciência política, educação e civilidade. Tanto Argentina quanto Chile têm, por exemplo, taxas de analfabetismo baixíssimas. Lembrete: vendem-se mais livros em Buenos Aires do que no Brasil todo.
No caso do Chile, em 1973 estava no poder um líder de declarada fé socialista, Salvador Allende. No Brasil, em 1964, não havia qualquer ameaça de levante de esquerda, embora um ou outro político estivesse empenhado em definir uma política desatrelada das conveniências e vontades de Washington. No mais, inconsistente, e até vergonhosa para quem a defende, a ideia da “ditabranda” verde-amarela. A qual, permitam-me os privilegiados nativos e o brasilianista Pereira, seria tão cruel quanto as outras se preciso fosse.
Aqui os janízaros da ditadura esmeraram-se em tortura, e não é por acaso que remetemos os nossos especialistas no ramo para os países vizinhos, na qualidade de mestres insuperáveis. Não esqueço o filme de Costa-Gavras, Missing, que assisti na Europa: nas entranhas do estádio de Santiago, os torturadores falam em português da rua Tutoia, ou da Barão de Mesquita. Obviamente, estas cenas no Brasil os censores cuidaram de cortar.
Já que no País os assassinados pela repressão ficam em torno de 300, enquanto foram 30 mil na Argentina e em vasto número ainda não definido no Chile, li, servido o prato de formas variadas, que a dita foi quase suave. Campeão neste torneio o Uruguai, com 3 mil mortos. Infame campeonato.
E chego ao ponto. A imposição de uma legalidade inviável, observada pelo brasilianista Pereira, é o espelho e o estandarte da hipocrisia dos privilegiados à moda pátria, fardados e à paisana. Demonstração da aliança inescapável, da desfaçatez sem limites. Do faz de conta da eterna conciliação da minoria apresentada como se a nação toda a invocasse.
Na noite de quarta 12, o governo enviou ao Congresso novo projeto de lei que estabelece a criação da Comissão da Verdade, incumbida de analisar “graves violações dos direitos humanos” cometidas entre 1946 e 1988. Mas não se tratava do período que vai de 64 a 85?
Foi então que a repressão política, expressão banida deste novo projeto, atentou gravemente contra os direitos humanos por meio de anspeçadas bem treinados. Mas não há, no caso, bala perdida. Mesmo porque as ordens vinham de cima. Por exemplo, do general Ernesto Geisel.
Fonte: revista Carta Capital
A despeito do seu peso específico, li o tal volume e verifiquei que Geisel orgulhava-se dos progressos econômicos alcançados durante o seu reinado e pouco falava da distensão, lenta, gradual, porém segura, como se lhe atribuísse um valor secundário. Se me faltassem motivos para crer que ele fora, no exercício do poder político, um títere nas mãos de Golbery do Couto e Silva, colhia enfim a prova definitiva.
Geisel foi quem definiu o Brasil como “uma ilha de prosperidade”, logo após o primeiro Choque do Petróleo. Quem sabe a prosperidade dos moradores dos Jardins paulistanos. Esta não arrefeceu, não arrefece, e não há risco de que venha a arrefecer. Sem esquecer outras ilhas do arquipélago Brasil, bem maiores e ainda miseráveis. Inadequadas à contemporaneidade do mundo que pretendemos alcançar.
Acaba de ser lançado pela Paz e Terra o ensaio Ditadura e Repressão, de autoria do brasilianista Anthony Pereira, diretor do Brasil Kings College de Londres. A tese de Pereira: uma ditadura que conta com o suporte de um Judiciário, e realiza alguns julgamentos às claras, é mais eficaz para manter sob controle uma nação em peso. Refere-se à ditadura verde-amarela.
Entrevistado por Cynara Menezes, diz: “É impactante quando se compara o golpe de 1964 com os do Chile e da Argentina. A preocupação com a legalidade era muito maior no Brasil”. A partir desta premissa, Pereira sustenta que a ditadura brasileira foi menos cruel do que a argentina e a chilena, mas, “depois que terminou foi mais difícil de desfazer”. Pergunta Cynara: “O senhor fala de consenso entre Judiciário e militares no Brasil. A decisão do STF de duas semanas atrás, de confirmar a validade da Lei da Anistia, significa que esse consenso ainda existe?” “Responde Pereira: “Em certo grau, sim. Acho que a decisão do Supremo confirma isso”.
Toda ditadura, creio eu, age conforme as condições próprias de cada país oprimido. Ao se aceitar a comparação com Argentina e Chile, temos de levar em consideração as nossas diferenças em relação a ambos. Por exemplo, os índices precipitados pelo monstruoso desequilíbrio social brasileiro colocam argentinos e chilenos muito à nossa frente em termos de consciência política, educação e civilidade. Tanto Argentina quanto Chile têm, por exemplo, taxas de analfabetismo baixíssimas. Lembrete: vendem-se mais livros em Buenos Aires do que no Brasil todo.
No caso do Chile, em 1973 estava no poder um líder de declarada fé socialista, Salvador Allende. No Brasil, em 1964, não havia qualquer ameaça de levante de esquerda, embora um ou outro político estivesse empenhado em definir uma política desatrelada das conveniências e vontades de Washington. No mais, inconsistente, e até vergonhosa para quem a defende, a ideia da “ditabranda” verde-amarela. A qual, permitam-me os privilegiados nativos e o brasilianista Pereira, seria tão cruel quanto as outras se preciso fosse.
Aqui os janízaros da ditadura esmeraram-se em tortura, e não é por acaso que remetemos os nossos especialistas no ramo para os países vizinhos, na qualidade de mestres insuperáveis. Não esqueço o filme de Costa-Gavras, Missing, que assisti na Europa: nas entranhas do estádio de Santiago, os torturadores falam em português da rua Tutoia, ou da Barão de Mesquita. Obviamente, estas cenas no Brasil os censores cuidaram de cortar.
Já que no País os assassinados pela repressão ficam em torno de 300, enquanto foram 30 mil na Argentina e em vasto número ainda não definido no Chile, li, servido o prato de formas variadas, que a dita foi quase suave. Campeão neste torneio o Uruguai, com 3 mil mortos. Infame campeonato.
E chego ao ponto. A imposição de uma legalidade inviável, observada pelo brasilianista Pereira, é o espelho e o estandarte da hipocrisia dos privilegiados à moda pátria, fardados e à paisana. Demonstração da aliança inescapável, da desfaçatez sem limites. Do faz de conta da eterna conciliação da minoria apresentada como se a nação toda a invocasse.
Na noite de quarta 12, o governo enviou ao Congresso novo projeto de lei que estabelece a criação da Comissão da Verdade, incumbida de analisar “graves violações dos direitos humanos” cometidas entre 1946 e 1988. Mas não se tratava do período que vai de 64 a 85?
Foi então que a repressão política, expressão banida deste novo projeto, atentou gravemente contra os direitos humanos por meio de anspeçadas bem treinados. Mas não há, no caso, bala perdida. Mesmo porque as ordens vinham de cima. Por exemplo, do general Ernesto Geisel.
Fonte: revista Carta Capital
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