FICHA LIMPA AINDA LONGE


Editorial do jornal Estado de Minas

A passagem pela Câmara dos Deputados do projeto Ficha Limpa, que pretende vetar a candidatura de políticos condenados por decisão colegiada (mais de um juiz), depois de inúmeras tentativas abertas e veladas de condená-lo ao arquivo das boas intenções, parece uma boa notícia. Mas a cidadania empenhada em purificar os quadros da política brasileira não deve se iludir. Não foi à toa que, de repente, o projeto deixou de sofrer oposição e acabou sendo aprovado livre das emendas que tentavam desfigurar o texto original, a ponto de torná-lo absolutamente inócuo. Um acordo de lideranças aceitou a versão do relator, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). Ela acolhe medidas adotadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que tornaram a versão apresentada por iniciativa popular conduzida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) mais aceitável aos parlamentares. Além disso, criou uma válvula de escape que parece ter sido a chave que desarmou as resistências no plenário: permite ao candidato condenado por órgão colegiado recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e obter efeito suspensivo.

Há, de fato, poucas coisas comemorar. O sucesso da mobilização popular é uma delas. Afinal, foram colhidas 1,3 milhão de assinaturas para viabilizar a tramitação do projeto. Hoje, já passam de 4 milhões os eleitores que manifestaram apoio formal ao projeto. Não menos animadora tem sido a disposição dos líderes do movimento, inclusive de representantes da Igreja Católica, de acompanhar de perto a tramitação do projeto, exercendo pressão democrática contra as tentativas de rejeição ou desfiguração da proposta. A essa ação respondeu a opinião pública com evidentes demonstrações de que não pretendia tolerar o arquivamento sumário ou a demasiada postergação da votação do texto.

Seria, de fato, um desrespeito aos milhões que apoiaram o projeto e que merecem, no mínimo, uma explicação convincente o bastante para amenizar o sentimento de frustração. Para a maioria dessas pessoas, bastaria a lista dos crimes que impediriam as candidaturas: improbidade administrativa, tráfico de drogas, crimes eleitorais, atos ilegais contra o sistema financeiro, a saúde e o meio ambiente. Afinal, por muito menos, a ficha de um candidato a empregos na baixa administração privada, como porteiros, ascensoristas ou faxineiros, pode ser impeditiva.

Será preciso, portanto, manter a luta e argumentação para evitar a frustração do projeto, seja pela demora na tramitação no Senado, seja por sua derrocada no Judiciário. A primeira impediria a sanção do texto a tempo de valer para as próximas eleições. Nesse caso, a futura Lei da Ficha Limpa dormirá mais dois anos antes de fazer efeito, tempo mais que suficiente para que os mesmos que a aprovaram possam desfigurá-la com mudanças convenientes aos fichas sujas. A segunda pode ser ainda mais grave: a evocação de um acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 2008, considerou inconstitucional punir com o impedimento da candidatura a quem não foi ainda condenado em instância final. Houve avanço. Mas ainda está longe o dia em que a cidadania fechará as portas aos que são contra ela.


Fonte: jornal Estado de Minas - 13 de maio de 2010.

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