A MÍDIA FAZENDO MÉDIA
Por Cléber Sérgio de Seixas
Etimologicamente podemos falar em mídia como plural latino de medium, ou seja, meio, instrumento, canal. O termo mídia pode ser definido como o conjunto de instituições que utiliza tecnologias específicas para promover a comunicação humana. Entendemos hoje por mídia a reunião dos veículos envolvidos no que chamamos de comunicação de massa, ou seja, jornais, emissoras de rádio e de televisão, cinema e Internet. Como a comunicação é intermediada por aparatos tecnológicos, podemos falar de uma comunicação “midiatizada”, caracterizada, sobretudo, pela unidirecionalidade.
Uma das ferramentas da mídia, à qual gostaria de me ater neste artigo, é o jornalismo. Considero ser uma das falhas do jornalismo atual a cobertura sensacionalista dos fatos, sem a devida contextualização, com maior interesse em chocar, garantir audiência, do que em informar. Qual deve ser o papel da imprensa jornalística atualmente? O jornalista Luís Nassif, em sua obra O Jornalismo dos Anos 90, coloca a questão da seguinte maneira: “Este é o grande dilema da imprensa de opinião no século 21: atender às expectativas imediatas do seu leitor ou ser uma guardiã dos valores da civilização? Se o leitor pede linchamento, ele lhe será oferecido? Como definir as relações com o público, sabendo-se participante do jogo de mercado, dependendo da tiragem para se viabilizar economicamente? Como impedir que o jornalismo de opinião, instituição essencial para todo país, não se contamine definitivamente com o espetáculo, tornando o jornalismo um “reality show” diário e, ao mesmo tempo, não se torne maçante, a ponto de ser apreciado só por meia dúzia de eleitos?”. Em matéria de jornalismo, a palavra de ordem nos dias atuais tem sido basicamente entretenimento.
O caso Nardoni foi uma prova cabal de que o noticiário sempre opta pela cobertura folhetinesca dos fatos. Da prisão do casal até o que eles jantaram na noite anterior, passando pela descrição meticulosa da cela onde ficaram encarcerados, tudo se transformou em espetáculo para garantir audiência, com direito a leitura labial do pai suspeito. Do “show midiático” em que se converteu a cobertura do drama da menina Izabella, gostaria de tirar duas lições.
A primeira delas é que a mídia é seletiva com os fatos. No mesmo dia em que Izabella foi morta, uma menina pobre de Brasília foi violentada e assassinada. O caso praticamente não foi veiculado pela imprensa. No Brasil milhares de crianças já foram mutiladas, estupradas, abandonadas e mortas desde o dia em que a menina de classe média alta foi jogada da janela, mas nenhum dos casos mereceu cobertura semelhante por parte da grande imprensa. Não fosse a cobertura cerrada da mídia nem a condição social da menina Izabella, o caso não mereceria o mesmo empenho investigativo, com as autoridades utilizando o que há de mais moderno em termos de prática forense. Cada um de nós, leitores, ouvintes e telescpectadores, deve refletir sobre o porquê da seletividade midiática e fazer a clássica indagação: a quem interessa?
A segunda lição, mais importante que a primeira, é a capacidade que a mídia possui de mobilizar as massas conforme o enfoque que dá aos fatos. A forma como o caso Nardoni foi apresentado pela imprensa induziu as pessoas à conclusão precipitada de que os pais da menina realmente fossem os algozes, mesmo antes de qualquer julgamento formal, contrariando o princípio de presunção de inocência, isto é, in dubio pro reo. Multidões fizeram vigília nas proximidades do endereço do casal Nardoni para hostilizá-lo. A capacidade da mídia de mobilizar corações e mentes é tamanha que em 2008 muitos brasileiros foram se vacinar sem nenhuma necessidade, induzidos pelo alardeamento midiático de uma suposta epidemia de febre amarela. As filas dobravam esquinas nos postos de vacinação e houve até quem veio a óbito por overdose de vacina. A pseudo-epidemia foi criada por interesses obscuros de nossa grande imprensa marrom. Já no ano passado, muitos chegaram a utilizar máscaras em locais públicos e o pânico se alastrou diante da possibilidade de uma epidemia de gripe suína (clique aqui e aqui para ler o que escrevi sobre a Gripe do PIG). O poder da mídia é tal que podemos dizer que se Montesquieu ainda estivesse entre nós, certamente incluiria o poder midiático na tríade dos poderes das assim chamadas sociedades democráticas, totalizando quatro ao invés de somente os já conhecidos executivo, legislativo e judiciário.
Atualmente a mídia e a propaganda estão, basicamente, a serviço de grandes empresas e governos, e ainda persiste entre alguns desavisados ou mal intencionados a confusão entre liberdade de imprensa e liberdade de empresa. No entanto, houve tempos em que o Estado era senhor absoluto dos meios de comunicação. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda e Informação, isto é, marketeiro do III Reich, certa vez disse que uma grande mentira repetida várias vezes, se transforma numa grande verdade. Apesar de a Alemanha ser um país desenvolvido e com uma das populações mais instruídas da Europa, isso não impediu que seus cidadãos fossem manipulados pela máquina de propaganda nazista, com a qual prontamente colaboraram naquilo que veio a ser um dos maiores genocídios da humanidade: o Holocausto de mais de 6 milhões de judeus. Se na instruída Alemanha dos anos 40, uma nação quase inteira foi induzida ao ódio aos judeus pelos meios de comunicação estatais, que será de nós brasileiros, com nossa mídia tendenciosa e nossos milhões de analfabetos funcionais?
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