DO DIREITO À MEMÓRIA

Por Cléber Sérgio de Seixas



Todo país tem direito à memória, sobretudo quando o passado recente desse país for um dos capítulos mais obscuros de sua história. O período da ditadura militar, sobretudo após o AI-5, é de triste memória para aqueles que perderam entes queridos nos porões da repressão, ficaram mutilados pelas torturas sofridas ou se viram forçados a abandonar a pátria a fim de salvar a própria pele. Tal memória, no entanto, deve se estender a todos quantos desconhecem, ou pouco conhecem, o arbítrio que se instaurou no Brasil naqueles anos de chumbo.

A anistia de 1979 foi uma faca de dois gumes que, por um lado permitiu a volta dos exilados e a libertação de presos políticos, mas, por outro, garantiu a impunidade de torturadores e assassinos a serviço dos ditadores de plantão. Em 1985 a faixa presidencial foi devolvida a um civil, Tancredo Neves, de forma indireta - a emenda Dante de Oliveira que pedia eleições diretas para presidente fora derrotada e o novo presidente seria eleito por voto indireto no colégio eleitoral. Há historiadores e analistas políticos que afirmam que tudo não passou de um acordo no qual os militares estabeleciam como condição de devolução do poder a colocação de uma pedra sobre os 21 anos nos quais eles calcaram o país sob suas botas - uma transição onde a opinião popular não foi ouvida e os crimes dos militares esquecidos.

Enquanto vários países passam seu passado a limpo e punem os assassinos, no Brasil a imunidade e impunidade campeam. Um tribunal internacional condenou o ditador chileno Augusto Pinochet. Na Argentina militares de alta patente foram à TV para confessarem-se arrependidos pelos crimes que cometeram.

O PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos), em sua terceira versão, tem como um de seus slogans o "Direito à memória e à verdade". Alguns viúvos e viúvas do regime de exceção que vigorou na terra brasilis mobilizam -se como um só homem para abatê-lo no nascedouro e, assim, impedir que os brasileiros conheçam nossa história recente. Temem abrir a caixa de pandora que pode revelar suas obscuras alianças - como a de empresários que financiaram a repressão e iniciativas tais como a OBAN -, torturas inimagináveis, o papel dos EUA e da CIA no golpe e toda sorte de arbitrariedades cometidas pela caserna. O filme Cidadão Boilesen, já citado neste blog, joga uma luz sobre a espúria parceria empresariado-ditadura e revela nuances jamais divulgadas. Muitas coisas ainda se encontram escondidas e o PNDH seria um bom mecanismo para jogar luzes sobre as trevas que envolvem esta parte de nossa história.

Sem a memória dos crimes que foram cometidos sob um regime de exceção, os algozes podem entrar para a História como vítimas; e as vítimas, por seu turno, confundir-se-ão com "terroristas" ou com aqueles que deram o primeiro tiro, quando deveriam ser reconhecidos como os que deram suas vidas lutando contra um regime que não admitia ambiente para contestações pacíficas. É importante lembrar que foi o endurecimento do regime quem lançou um sem número de pessoas para a clandestinidade e para a luta armada, uma vez que todas as saídas institucionais e pacíficas tinham sido obstruídas pelos milicos. A partir do AI 5, que muitos chamam de "golpe dentro do golpe", todas as liberdades individuais foram abolidas, e o aparato repressivo tinha carta branca para agir conforme lhe conviesse.

A falta de memória conduz à reescrita da história sob o ponto de vista dos vencedores, se considerarmos que os militares e os extratos sociais com eles articulados venceram por terem saído impunes das arbitrariedades que promoveram. A reportagem do Jornal da BAND que pode ser assistida no vídeo acima fornece um exemplo de reescrita da história. Boris Casoy diz que terroristas torturaram. Que mataram todo mundo sabe. Mas, que torturaram, não se tem registros. Além de ser uma lição de como não se deve fazer jornalismo, a matéria do Jornal deixa claro de que lado está nossa grande mídia, a qual deveria ser a primeira interessada - caso primasse por respeitar alguns preceitos básicos de jornalismo: a apresentação dos fatos sem máculas ideológicas e o direito ao contraditório - no cabal esclarecimento dos fatos. O que se vê no vídeo acima apresentado, no entanto, é um Boris Casoy completamente hidrófobo e irracional agindo da forma que sempre agiu: feito um boneco de ventríloquo das elites que sempre dominaram este país. Ademais, Casoy não tem moral nem mesmo para estar posando de âncora de telejornal, visto que mostrou sua verdadeira face ao espezinhar, nos bastidores do Jornal da BAND, os singelos votos de Feliz Ano Novo de dois humildes garis.

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