OS OLHOS DO GRANDE IRMÃO
Por Cléber Sérgio de Seixas
É no aconchego do lar, após um dia exaustivo de trabalho ou de atividades variadas, que buscamos resgatar o que o cotidiano em parte nos rouba: a privacidade. Neste ambiente, entregues ao ócio, falamos e nos portamos espontaneamente, enfim, somos mais nós mesmos.
O que faríamos se nos fosse tolhida a privacidade? Seríamos integralmente autênticos ou haveria em nós uma parcela de representação? Agiríamos e falaríamos tão espontaneamente como em nossas casas?
A bem da verdade, há pessoas que adoram ser observadas, enquanto algumas se deleitam em observar outros. As primeiras são generosas em ceder sua intimidade ao voyeurismo alheio por talvez sentirem prazer agindo assim.
Sabendo destas características inatas ao ser humano, as TVs mundiais têm reservado parte de suas programações aos assim chamados Reality Shows, onde o “reality” é questionável. Estes tipos de programas pululam às centenas e têm a intenção de mostrar pessoas comuns ou notórias - vide o exemplo do reality show A Fazenda, da Record - em situações supostamente reais.
Um dos expoentes é o Big Brother - mais uma versão tupiniquim está prestes a sair do forno. Uma casa com câmeras e microfones estrategicamente posicionados compõe o cenário da disputa dos que estão em busca de fama e dinheiro instantâneos, mesmo que a moeda de troca seja a superexposição.
Nesse microcosmo os estereótipos são variados e parecem ter sido escolhidos a dedo: há o fortão “bad boy”, geralmente de massa cefálica reduzida; as gostosonas, futuras capas da Playboy; o pobretão ou pobretona sem eira nem beira, que cedo ou tarde cairá no gosto do expectador; a loira burra; o negão; a nordestina; o boca suja, que dispara palavrões de minuto em minuto etc. Portanto, uma pequena amostra da humanidade parece estar representada na casa. Mesmo os que são eliminados não saem de mãos abanando, haja vista os mimos oferecidos pelos patrocinadores do programa. Nesse jogo, no entanto, o único que sai perdendo é o telespectador: perde seu tempo e a oportunidade de ver algum programa melhor.
Contudo, diariamente, vivemos um Big Brother em maior escala, se levarmos em conta que estamos em alguns momentos do dia e em alguns lugares sob a vigilância de câmeras ou outros apetrechos eletrônicos. A parafernália envolvida é extensa: sistemas de GPS, satélites com câmeras superpotentes, câmeras de circuito interno e externo, monitoramento via internet e até dispositivos de rastreamento pessoal já são tecnologias palpáveis. Hoje toleramos ser vigiados em prol da segurança, mas no futuro será somente este o motivo real?
Já antevendo um futuro onde as pessoas poderiam perder total ou parcialmente sua privacidade, o politicamente correto escritor britânico George Orwell - pseudônimo de Eric Arthur Blair - publicou em 1948 o seu clássico 1984 – o título é sugestivo pois a semelhança proposital entre as datas parece denotar que o tempo presente sempre contêm as sementes do tempo futuro, inclusive no que tange à tecnologia. A obra retrata um futuro sombrio onde os indivíduos, vivendo sob um regime totalitário, são constantemente monitorados pelos olhos eletrônicos do “Grande Irmão”, uma entidade subjetiva, na verdade, uma alegoria do ditador soviético Joseph Stalin.
No livro, um onipresente dispositivo chamado “teletela” - uma espécie de avô da televisão - tem a dupla função de emitir e capturar sons e imagens, de forma a tornar possível ao partido do “Grande Irmão” a exibição de propaganda política com vistas à doutrinação, além de simultaneamente vigiar os indivíduos, descobrindo inimigos potenciais do regime. Do ato sexual às palavras ditas durante o sono, tudo é vigiado pelos olhos atentos do “Grande Irmão”. Aos cidadãos é proibido ler ou escrever o que não coadune com a ideologia e política vigentes. Toda informação é censurada e editada pelo partido dominante. É, portanto, desnecessário dizer que sob este regime os cidadãos tornam-se totalmente acéfalos, sendo-lhes tirada toda a chance de contestação, senso crítico ou raciocínio.
Enquanto na distopia de Orwell as pessoas tentam de qualquer forma fugir à vigilância do “Grande Irmão”, no Big Brother da Globo os participantes se esforçam no sentido oposto.
Às vezes a vida imita a arte e escritores, cineastas, pintores e toda sorte de artistas se transformam em profetas. Muitas coisas retratadas por Orwell em seu livro são experienciadas por nós hoje.
No entanto, torçamos para que o porvir não seja tão sombrio quanto em 1984, e que a vigilância fique somente no âmbito da segurança, não enverede pelo campo da censura e não se torne um instrumento de controle nas mãos de governos despóticos.
Para saber mais:
- Assistam o filme 1984 e leiam o livro homônimo.
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O que faríamos se nos fosse tolhida a privacidade? Seríamos integralmente autênticos ou haveria em nós uma parcela de representação? Agiríamos e falaríamos tão espontaneamente como em nossas casas?
A bem da verdade, há pessoas que adoram ser observadas, enquanto algumas se deleitam em observar outros. As primeiras são generosas em ceder sua intimidade ao voyeurismo alheio por talvez sentirem prazer agindo assim.
Sabendo destas características inatas ao ser humano, as TVs mundiais têm reservado parte de suas programações aos assim chamados Reality Shows, onde o “reality” é questionável. Estes tipos de programas pululam às centenas e têm a intenção de mostrar pessoas comuns ou notórias - vide o exemplo do reality show A Fazenda, da Record - em situações supostamente reais.
Um dos expoentes é o Big Brother - mais uma versão tupiniquim está prestes a sair do forno. Uma casa com câmeras e microfones estrategicamente posicionados compõe o cenário da disputa dos que estão em busca de fama e dinheiro instantâneos, mesmo que a moeda de troca seja a superexposição.
Nesse microcosmo os estereótipos são variados e parecem ter sido escolhidos a dedo: há o fortão “bad boy”, geralmente de massa cefálica reduzida; as gostosonas, futuras capas da Playboy; o pobretão ou pobretona sem eira nem beira, que cedo ou tarde cairá no gosto do expectador; a loira burra; o negão; a nordestina; o boca suja, que dispara palavrões de minuto em minuto etc. Portanto, uma pequena amostra da humanidade parece estar representada na casa. Mesmo os que são eliminados não saem de mãos abanando, haja vista os mimos oferecidos pelos patrocinadores do programa. Nesse jogo, no entanto, o único que sai perdendo é o telespectador: perde seu tempo e a oportunidade de ver algum programa melhor.
Contudo, diariamente, vivemos um Big Brother em maior escala, se levarmos em conta que estamos em alguns momentos do dia e em alguns lugares sob a vigilância de câmeras ou outros apetrechos eletrônicos. A parafernália envolvida é extensa: sistemas de GPS, satélites com câmeras superpotentes, câmeras de circuito interno e externo, monitoramento via internet e até dispositivos de rastreamento pessoal já são tecnologias palpáveis. Hoje toleramos ser vigiados em prol da segurança, mas no futuro será somente este o motivo real?
Já antevendo um futuro onde as pessoas poderiam perder total ou parcialmente sua privacidade, o politicamente correto escritor britânico George Orwell - pseudônimo de Eric Arthur Blair - publicou em 1948 o seu clássico 1984 – o título é sugestivo pois a semelhança proposital entre as datas parece denotar que o tempo presente sempre contêm as sementes do tempo futuro, inclusive no que tange à tecnologia. A obra retrata um futuro sombrio onde os indivíduos, vivendo sob um regime totalitário, são constantemente monitorados pelos olhos eletrônicos do “Grande Irmão”, uma entidade subjetiva, na verdade, uma alegoria do ditador soviético Joseph Stalin.
No livro, um onipresente dispositivo chamado “teletela” - uma espécie de avô da televisão - tem a dupla função de emitir e capturar sons e imagens, de forma a tornar possível ao partido do “Grande Irmão” a exibição de propaganda política com vistas à doutrinação, além de simultaneamente vigiar os indivíduos, descobrindo inimigos potenciais do regime. Do ato sexual às palavras ditas durante o sono, tudo é vigiado pelos olhos atentos do “Grande Irmão”. Aos cidadãos é proibido ler ou escrever o que não coadune com a ideologia e política vigentes. Toda informação é censurada e editada pelo partido dominante. É, portanto, desnecessário dizer que sob este regime os cidadãos tornam-se totalmente acéfalos, sendo-lhes tirada toda a chance de contestação, senso crítico ou raciocínio.
Enquanto na distopia de Orwell as pessoas tentam de qualquer forma fugir à vigilância do “Grande Irmão”, no Big Brother da Globo os participantes se esforçam no sentido oposto.
Às vezes a vida imita a arte e escritores, cineastas, pintores e toda sorte de artistas se transformam em profetas. Muitas coisas retratadas por Orwell em seu livro são experienciadas por nós hoje.
No entanto, torçamos para que o porvir não seja tão sombrio quanto em 1984, e que a vigilância fique somente no âmbito da segurança, não enverede pelo campo da censura e não se torne um instrumento de controle nas mãos de governos despóticos.
Para saber mais:
- Assistam o filme 1984 e leiam o livro homônimo.
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