O LEGADO DO 11 DE SETEMBRO - SEGUNDA PARTE

La Moneda sob bombardeio

Por Cléber Sérgio de Seixas


Às vezes ouço a imprensa dizer que o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 foi o maior da história. Diante de tal afirmação deve-se indagar a qual História estão se referindo: à História dos EUA ou à História de uma forma geral. Se a segunda for a alternativa, sou obrigado a discordar. O império norte-americano, tal como outros tantos impérios que o mundo já conheceu, tem a tendência de considerar as demais nações como meros canais por onde fluem seus interesses geopolíticos. Considera que a cultura mais elevada é a sua, em detrimento da riqueza de culturas alheias e apregoa que seu sistema de governo é o mais perfeito e ideal à humanidade. Sob este raciocínio, convém aos estadunidenses celebrar o american way of life, de forma a solidificar os interesses dos Estados Unidos pelo mundo, da mesma forma que lhes convém espalhar por aí que um atentado contra a América estadunidense é um atentado contra a humanidade, como se aquela nação fosse o bastião da liberdade, como se liberdade e democracia fossem sinônimos do capitalismo praticado naquele canto do mundo, como se os Estados Unidos fossem os representantes da humanidade. Assim sendo, o maior atentado terrorista àquela nação seria o maior ataque terrorista da história. O atentado às torres gêmeas não foi um ataque contra a humanidade, foi um atentado contra um país que se arvora como o paraíso perdido da democracia. Assim sendo, o atentado de 11 de setembro de 2001 não pode e nem deve ser considerado o maior da História.

Outros atentados bem mais contundentes e de consequências bem mais nefastas, foram praticados e/ou financiados pelos próprios EUA nas paragens latino-americanas. Só para citar um deles, quero lembrar aquele que ocorreu também em 11 de setembro, só que em 1973.

Em 1970 os chilenos elegeram Salvador Allende para presidente. Tratou-se do primeiro chefe de estado socialista e marxista que chegou ao poder por via das urnas na América Latina. No poder, Allende implementou uma série de medidas de mudança social. Nos primeiros 18 meses de seu governo nacionalizou as grandes minas de cobre, ferro, nitrato, carvão e cimento, estatizou quase todos os bancos nacionais e estrangeiros, empreendeu a reforma agrária, expropriando aproximadamente seis milhões de hectares de terras cultiváveis e, de uma forma geral, melhorou muito a vida dos chilenos pobres. As medidas que seu governo tomou desagradaram a burguesia, da mesma forma que desagradaram o governo de Richard Nixon.
Tropas tomam La Moneda de assalto

A partir de então o governo Allende passou a sofrer toda sorte de sabotagens. Em 11 de outubro de 1972 empresários do setor de transporte de caminhões iniciam uma greve por tempo indeterminado. Na capital, por exemplo, 70% dos ônibus deixam de trabalhar. Para manterem os veículos parados por tanto tempo, os empresários era subvencionados pelo governo norte-americano, conforme relataria, anos mais tarde o jornal New York Times. No dia seguinte, os caminhoneiros recebem o apoio da Sociedade Nacional de Agricultura e dos pequenos e grandes comerciantes, que também resolvem parar suas atividades. Em 14 de outubro o Partido Democrata Cristão também decide apoiar a greve. Como o setor de transporte é estratégico, a greve interrompe a distribuição de matérias primas em escala nacional, afetando diretamente o setor primário de produção. Empresários do ramo de distribuição de alimentos começam a estocá-los clandestinamente, de forma a criar uma situação de escassez generalizada.Crises de desabastecimento surgem em decorrência do fato de os grandes e pequenos comerciantes considerarem mais lucrativa a venda de seus produtos no mercado negro. Executivos, engenheiros e técnicos das indústrias também aderem à greve.

Em resposta a cada uma das sabotagens promovidas pelos golpistas, os trabalhadores chilenos se organizavam em auxílio ao governo. Devido à greve no setor de transportes os trabalhadores vão trabalhar como podem, uns em caminhões das próprias indústrias, outros em ônibus particulares e alguns a pé. Devido à ausência dos técnicos de primeiro escalão, encarregados e trabalhadores de maior qualificação assumiram as funções dos grevistas. Com este apoio dos trabalhadores, as sabotagens dos opositores de Allende não surtem o efeito desejado. Em resposta ao desabastecimento, indústrias começam a vender seus produtos diretamente à população; sindicatos se organizam para distribuir gêneros de primeira necessidade. Nascem os cordões industriais, que são organizações criadas para coordenar as atividades dos trabalhadores de um mesmo ramo, os quais se expandem, posteriormente, nos Comandos Comunitários. Por todo o país ecoa o lema “Criar, criar, poder popular!”
Salvador Allende

Todas as tentativas “democráticas” de apear Allende do poder não se mostraram eficientes. Diante de tal fracasso e diante do fortalecimento do “poder popular”, setores da burguesia chilena e das forças armadas tentaram, em junho de 1973, um golpe contra Allende. O levante só não logrou êxito porque alguns oficiais legalistas rechaçaram os golpistas. O golpe de misericórdia veio três meses depois com os golpistas, liderados pelo general Augusto Pinochet, bombardeando o palácio de La Moneda. Um avião fora oferecido para retirar Allende do país, mas interceptações telefônicas revelaram um diálogo de Pinochet com um oficial, no qual o futuro ditador do país dava ordens expressas de abater o avião em pleno vôo. Dentro do palácio alguns civis defendiam Allende. Às 14:15 de 11 de setembro de 1973 o presidente se matava no interior do palácio.

Às 21 horas daquele mesmo dia os golpistas se apresentam ao país. Na ocasião, Pinochet disse o seguinte: “As forças armadas e da ordem atuaram no dia de hoje só com a inspiração patriótica de tirar o país do caos agudo em que o precipitava o governo marxista de Salvador Allende. A junta manterá o Poder Judiciário e a assessoria da Controladoria Geral. As Câmaras ficarão em recesso até segunda ordem”. Em seguida o almirante José Toríbio Merino completou da seguinte forma: “Talvez seja triste ter quebrado uma tradição democrática que era longa neste continente. Mas quando o Estado perde seu poder, outros precisam, por procuração, preservá-las e assumir o fardo. É o que hoje fazemos. Temos certeza de que todo o Chile compreenderá que é um sacrifício”. Já o general Gustavo Leigh foi mais incisivo: “Depois de 3 anos suportando o câncer marxista que nos levou a um descalabro econômico, moral e social, não era mais tolerável. No sagrado interesse da pátria, nos vimos obrigados a assumir a triste e dolorosa missão que empreendemos. Não temos medo. Sabemos da enorme responsabilidade que recairá sobre nossos ombros. Mas temos certeza, a convicção, de que a imensa maioria dos chilenos está conosco, está disposta a lutar contra o marxismo e extirpá-lo até as últimas conseqüências!”.
Pinochet e a junta militar

Assim, a democracia mais longa e duradoura da América Latina deixava de existir sob as pesadas botas dos golpistas. A "via pacífica para o Socialismo" fora inviabilizada pela violência. A partir de então, o Chile seria mergulhado num banho de sangue, deixando de ser uma alternativa democrática na América do Sul, refúgio de exilados políticos vindos de nações como o Brasil. Pinochet seria um dos cabeças da famigerada Operação Condor.

Trinta e seis anos depois devemos refletir sobre o 11 de setembro de 1973 e atentarmos para o fato de que as democracias latino-americanas, soerguidas após o fim dos respectivos regimes militares, são muito recentes, e o fantasma do golpismo teleguiado de Washington ainda ronda essas terras, sobretudo após o exemplo hondurenho.



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Para saber mais:
- Documentário: "A Batalha do Chile", de Patricio Guzmán
- Filme: "Missing - o desaparecido", de Costa Gavras

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