LUZES E SOMBRAS DA MEMÓRIA NACIONAL: OS 40 ANOS DA OBAN

Por Mariana Joffily

Alguns historiadores afirmam que vivemos na época da “obsessão comemorativa” e que nosso senso histórico vem sendo substituído pela celebração, nas efemérides, de eventos ocorridos em datas que completam aniversários “redondos”. As comemorações desse tipo têm tendência a iluminar com grandes holofotes determinados fatos e assim relegar à sombra outros, cuja memória coletiva prefere esquecer. Assim, 2008 foi o ano de celebração dos 40 anos do Maio de 1968, momento em que os estudantes saíram às ruas de Paris, França, defendendo plataformas de luta até então inéditas no cenário político: “é proibido proibir”, “a imaginação no poder”, “seja realista, exija o impossível”. Menos lembrado, aqui no Brasil, foram os 40 anos da edição do Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968, lei que consagrou o arbítrio e o autoritarismo da ditadura militar.

No ano de 2009, o aniversário que chamou a atenção foi o de 30 anos da proclamação da Anistia, em novembro de 1979. A data merece ser lembrada e comemorada, pois significou a soltura de vários presos políticos e o retorno de dezenas de exilados, entre os quais, personalidades importantes da vida política do país. Entretanto, salvo algumas poucas iniciativas – refiro-me aqui ao evento Sábado Resistente, organizado pelo Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo – o dia 1º de julho de 2009 passou desapercebido para a grande maioria da sociedade brasileira. Completou-se, nessa data, 40 anos do início de uma experiência que daria frutos no cenário policial do país: a Operação Bandeirante, mais conhecida por Oban.

A Oban foi uma experiência piloto da ditadura militar para incrementar a atuação da repressão política. Foi concebida a partir da constatação de que as forças policiais então existentes não tinham capacidade de combater uma série de crimes políticos que vinham ocorrendo sob a batuta das organizações da esquerda armada. Tratava-se da ação de grupos que se formaram nos anos 1960, para lutar contra a ditadura e para iniciar um processo revolucionário que libertasse o Brasil do sistema capitalista, promovendo a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O temor de que as organizações guerrilheiras tivessem sucesso levou a cúpula do Exército a pensar em uma estratégia específica de atuação frente a um novo tipo de ameaça. A primeira experiência foi criada na cidade de São Paulo, onde se estimava que a “subversão” era mais forte. Constituiu-se pela reunião de representantes de vários órgãos policiais e militares, de maneira que suas operações contassem com o apoio de todas essas forças repressivas. O nome Operação Bandeirante evocava uma antiga tradição da cidade de São Paulo, de homenagear os paulistas do século 17 que percorriam o interior do país capturando índios e vendendo-os como escravos. A associação com os bandeirantes apela para os emblemáticos paulistas que teriam desbravado com coragem e ousadia regiões inóspitas e “selvagens” do país. Ao mesmo tempo, diz respeito a um grupo que empregava uma violência extrema na captura e na sujeição dos índios.

O ato que celebrou a criação da Oban foi organizado com pompa, coquetéis e salgadinhos e contou com a presença das principais autoridades políticas de São Paulo: o governador Roberto de Abreu Sodré, o prefeito Paulo Maluf, o comandante do II Exército (atual Regional Sudeste), general José Canavarro Pereira, entre outros. Também acorreram à cerimônia figuras proeminentes da elite paulista, oriundas dos meios empresarial e financeiro: Luiz Macedo Quentel, Antonio Delfim Netto, Gastão Vidigal, Paulo Sawaya e Henning Albert Boilesen. Parte do setor empresarial paulista e das multinacionais – com representação em São Paulo – acreditava que as ações guerrilheiras colocavam em risco a boa conduta dos negócios e concorreu para o apoio financeiro e material. As autoridades da cidade colaboraram com infra-estrutura, incluindo a cessão de partes das dependências da 36ª delegacia de polícia, situada na rua Tutóia (Vila Mariana), para a acomodação do novo órgão repressivo.

A Oban era subordinada ao II Exército e composta por um centro de Coordenação, responsável pelo comando da Central de Informações, da Central de Operações e da Central de Difusão. Subordinada à Central de Informações, havia a Coordenação de Execução, cujas atividades centravam-se na busca, na captura e no interrogatório de indivíduos suspeitos de atividade política, bem como na investigação e análise de informações sobre as organizações de esquerda, seus dirigentes e militantes. A Coordenação de Execução era comandada pelo major Waldyr Coelho que, inicialmente contrário ao uso da tortura para obter informações dos presos, acabou se rendendo ao método. Essa seção operava ininterruptamente, de forma que os presos podiam ser interrogados a qualquer hora do dia ou da noite.

O órgão contava com forças policiais e militares. Os militares comandavam as operações, enquanto as forças policiais imprimiam o estilo de investigação e interrogatório desenvolvidos em décadas de experiência nessa área. Os métodos de tortura empregados na inquirição de presos comuns foram incrementados com o emprego de aparelhos de choque elétrico – gentilmente cedidos pelos agentes de segurança estadunidenses –, a palmatória, o “pau-de-arara”, o “telefone” (tapas em ambos os ouvidos, simultaneamente), a famosa “cadeira do dragão” (à qual o interrogado era preso, enquanto recebia choques) e a privação de alimentos e de água.

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