Governo de Honduras é golpista e não interino, dizem especialistas


Reportagem de Maurício Tavarese


A falta de devido processo legal, a inexistência de apoio da comunidade internacional e a origem em um levante para remover um chefe de Estado legitimamente eleito só permitem chamar o governo de Honduras de golpista, não de interino, afirmam especialistas consultados pelo UOL Notícias. A atual administração do país centro-americano acusa o presidente deposto, Manuel Zelaya, de tentar violar a Constituição para buscar a renovação de seu mandato presidencial.

A administração liderada por Roberto Micheletti afirma que Zelaya está sujeito a ser preso se deixar a Embaixada do Brasil por ter violado a 4ª Cláusula da Constituição hondurenha, segundo a qual tentativas de mudar a Carta implicam perda imediata do cargo público. Os golpistas acusam o presidente deposto de abuso de poder e de traição à pátria.

Para os analistas, ainda que Zelaya tenha tentado promover um referendo para mudar a Constituição hondurenha, nada nela prevê que o mandatário seria expulso do país, o que reforça os contornos de golpe de Estado na ação promovida pelo grupo de Micheletti. Além disso, dizem eles, pesa contra o regime de Tegucigalpa a ausência de reconhecimento não apenas por outros países, mas também pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Os especialistas ouvidos foram unânimes ao considerar que chamar o governo de Micheletti de interino seria uma concessão a uma gestão com traços autoritários - inclusive com suspensão de direitos constitucionais e censura à imprensa - e que carece de respaldo globalmente. Nenhum governo do mundo até o momento reconheceu o regime estabelecido em Tegucigalpa após a deposição de Zelaya, que desde a semana passada está abrigado na Embaixada do Brasil na capital do país.

"Honduras faz parte da Convenção Americana dos Direitos Humanos e ali está claro que em todo processo legal deve haver direito ao contraditório. Mesmo uma pessoa acusada de um crime tem o direito de defesa. Isso não foi observado e diante de uma suposta violação decidiu-se simplesmente tirar o presidente do país e instituir outro regime. Isso permite dizer que há lá um governo golpista", afirmou Pedro Dallari, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Especialista em questões latino-americanas, o venezuelano Rafael Villa diz que a administração de Micheletti não pode ser chamada de ditadura porque mal acabou de se instalar no poder, mas afirma que se trata de um governo golpista, que também pode ser chamado de regime de fato. "A linha divisória entre governo de fato e governo golpista não existe. Ambos emergem fora das regras estabelecidas e que dão legitimidade. Ambos supõem governo fora de legalidade e carentes de legitimidade. É esse o caso de Honduras", afirmou.

Exemplos internacionais

O professor da USP diz que a falta de reconhecimento internacional é um grande elemento que reforça o caráter golpista do grupo hondurenho. Ele lembrou a situação do Haiti, que afastou o então presidente Jean-Bertrand Aristide em meio a uma revolta popular e o isolou na África do Sul, em 2004. Depois de chegar ao continente africano, ele alegou que não tinha renunciado e que os Estados Unidos o tinham sequestrado.

"No caso do Haiti houve uma espécie de acordo entre países da comunidade internacional, um reconhecimento da situação de fato que se deu contra Aristide. Enquanto no caso do governo golpista de Honduras, em maior ou menor intensidade há apenas condenação. Tanto é que o governo golpista está desamparado nessa crise e está tomando medidas que reforçam esse caráter, como impedir a entrada de diplomatas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Não é possível chamar de interino um governo que não aceita organizações internacionais", disse.

Para Gilberto Sarfati, professor das Faculdades Rio Branco e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o momento decisivo para o regime de Micheletti ganhar a alcunha de golpista é o sequestro de Zelaya e sua retirada do país. "Qualquer legitimidade foi perdida aí. Se o presidente estava aprontando e havia uma previsão institucional de que poderia perder o cargo se tentasse violar a Carta Magna, poderia haver alguma legitimação. Mas o que aconteceu não foi isso, foi uma remoção forçosa do poder. Isso só pode ter o nome de golpe de Estado", afirmou.

Além disso, diz o professor, se a Constituição hondurenha previsse todos esses passos - incluindo a expulsão de Zelaya do país - haveria mais justificativa para o afastamento de Zelaya do poder. Como isso não existe no texto, a ordem institucional de Honduras foi rompida.

"Na Turquia a Constituição prevê que se um partido muçulmano chegar ao poder e quiser aplicar algo da sharia [lei islâmica] pode ser removido. Isso aconteceu em 1997, os militares governaram um ano até chegarem as eleições. O movimento que aos nossos olhos ocidentais se assemelha a um golpe foi considerado legítimo, porque a ordem institucional foi mantida. Não foi o caso de Honduras", completou.

Fonte: UOL Notícias

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