O BRASIL NUM MATO SEM CACHORRO
Por Celso Lungaretti
Manuel Zelaya foi deposto por um golpe dsfechado pelas Forças Armadas hondurenhas, com apoio da Corte Suprema e da maioria do Congresso.
A nenhum comentarista parece ter ocorrido que o paralelo histórico mais apropriado é a tentativa de usurpação do poder do vice-presidente João Goulart em agosto/1961.
Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, os ministros militares e as forças reacionárias no Congresso Nacional pretenderam suprimir o direito do primeiro na linha sucessória, Goulart. Preferiam que o poder ficasse com o segundo substituto legal: o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli.
A virada de mesa foi frustrada pela decidida reação do governador gaúcho Leonel Brizola, que entrincherou-se no Palácio Piratini e passou a exortar o povo à resistência através da rádio (a chamada rede da legalidade); pela rejeição de sargentos e cabos das Forças Armadas ao golpe a que havia aderido a maioria dos oficiais; e pela tomada de posição ao lado da democracia do III Exército, baseado no RS, criando a ameaça de uma guerra civil.
Golpes brancos como esses dois são mais difíceis de combater do que os nitidamente totalitários, como a quartelada brasileira de 1964 e o pinochetazzo de 1973.
Quando um Castello Branco ou Pinochet assume o poder, há a certeza de que o país será submetido ao arbítrio por tempo indeterminado.
Quando quem assume é um Mazzili ou Micheletti, prometendo entregar a presidência a quem sair vitorioso num próximo pleito, há tendência à acomodação: por que mover céus e terras se a democracia foi apenas arranhada, mas não extinta?
Os golpistas brasileiros de 1961 sucumbiram à reação interna. É provável que, dependendo apenas da OEA e da ONU, ficasse tudo como estava, com Mazzili completando o mandato de Jânio Quadros.
Em Honduras a reação interna foi insuficiente para reconduzir Zelaya ao poder.
E os organismos internacionais emitiram as resoluções condenatórias de praxe, mas ficaram nisso. Seu repúdio ao golpe não implica a tomada de medidas realmente eficazes para frustrar seu real objetivo: o afastamento do presidente legítimo durante o processo eleitoral.
Ao regressar clandestinamente a Honduras e colocar-se sob a proteção da embaixada brasileira, Zelaya apostou que sua presença na pátria desencadearia a sonhada reação popular, ou os organismos internacionais tomariam vergonha na cara, ou ambos.
Negativo. Povo desarmado pouco pode fazer contra as Forças Armadas. E a recém-finda reunião do Conselho de Segurança da ONU deu um claro recado aos golpistas hondurenhos: se vocês não invadirem a embaixada brasileira, nada de mais grave lhes acontecerá.
Assim, o Brasil ficou num mato sem cachorro.
É o chamado óbvio ululante que conhecia as intenções de Zelaya e compartilhou sua aposta. Só ingênuos engolirão os protestos de inocência angelical.
Ao conceder-lhe abrigo por tempo indeterminado, sem obedecer as regras do asilo político nem impor limites à sua atuação dentro da embaixada, colocou-se numa situação vulnerável. Formalmente, o governo ilegítimo não deixa de ter alguma razão ao pedir que o Brasil explicite qual o status de Zelaya. As regras do jogo diplomático são essas.
A resposta de Lula foi um irritado "vocês são golpistas e não têm direito de me cobrar nada". Rugiu como leão.
Mas, se os golpistas não cometerem a asneira de invadir a embaixada, legitimando uma intervenção militar contra eles, o impasse permanecerá.
E o Brasil terá de decidir entre conformar-se com um desfecho pífio ou agir como os grandes países sempre agiram: impondo sua vontade aos países menores.
Ou seja, a escolha será entre sair como banana ou sair como imperialista. Dar um rugido mais forte ainda ou miar.
E o pior é que o golpismo poderá ter feito seu reingresso furtivo na cena política latino-americana, por conta da inépcia de quem poderia/deveria mantê-lo onde merecidamente estava: na lata de lixo da História.
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