Ao povo de Sabinópolis - O PARADIGMA DO HERÓI

Estou de volta à ativa neste blog, graças a Deus. Estive em Belo Horizonte no fim da tarde com minha esposa para resolver o problema de minha conexão com a internet. Valeu a pena a correria. Depois que a gente se acostuma com computador e internet, fica difícil ficar sem ambos.

Durante a viagem de volta para casa - de ônibus, é claro - vínhamos comentando sobre aqueles indivíduos que se põem do lado dos pobres, dos injustiçados e dos explorados, e que por isto pagam o preço da segregação, da perseguição e, às vezes, da própria vida. Durante a conversa, lembramos do maior expoente em se tratando de sacrifício altruísta, Jesus Cristo, que veio pregando amor ao próximo, a justiça, a paz, a igualdade, e terminou sentenciado a morrer de uma das formas mais cruéis em sua época.

Também lembramos de Che Guevara, cujos anseios de justiça o levaram a se embrenhar nas selvas do Congo Belga e a morrer em meio às selvas bolivianas - quem conhece sua história sabe que ele deixou filhos e filhas em Cuba e vários cargos na administração da ilha caribenha. Mais no mundo real, minha esposa se lembrou de um senhor que conheceu recentemente numa dessas comunidades da internet. Esse senhor, homem de grandes posses, empresário do ramo de couro, vive a se doar pelos humildes, a ponto de comprar terras e redistribuí-las aos pobres e necessitados de sua região. Tal índole valeu-lhe a ira dos coronéis vizinhos, que atentaram e atentam constantemente contra sua vida e a de seus familiares, a ponto de ter ficado inconsciente por alguns dias, com ferimentos pelo corpo, após ter sofrido um atentado a bala.

Estou contando toda esta história para chegar na seguinte máxima: toda vez que alguém se posicionar do lado dos humildes, dos explorados, será taxado, por exemplo, das seguintes formas: comunista, populista, radical e tantos outros adjetivos que para alguns soam como impropérios. Impropério ou elogio, dependerá do lado do qual se posiciona o indivíduo a quem são dirigidos os adjetivos. Se ser comunista é buscar o bem comum - esqueçam o socialismo real por hora - então ser chamado assim, para mim, é um elogio. Se lutar em prol dos interesses dos mais humildes - considerados maioria diante de uma minoria endinheirada - é populismo, sofrer tal xingamento é um refrigério. Se buscar o âmago das questões, desnudando as hipocrisias, as superficialidades, os interesses escusos, é qualidade do radical, então sejamos radicais (leiam aqui sobre a importância de ser radical). Portanto, se um determinado individuo se posiciona do lado ao qual chamam de mais fraco, mais cedo ou mais tarde sofrerá algum tipo de retaliação.

Como último exemplo, quero citar aqui, novamente, o do delegado da cidade de Sabinópolis, Welbert de Souza, o qual eu não chamaria de herói, mas de um simples cidadão que só está cumprindo bem a função a que foi designado. Tal como outro delegado de conduta ilibada, Protógenes Queiroz, o de Sabinópolis está simplesmente tomando a postura adequada ao cargo a que foi designado, cargo este que não está a serviço de poderosos, latifundiários, sindicalistas corruptos, políticos inescrupulosos e congêneres, mas a serviço do povo de Sabinópolis e adjacências, sobretudo daquele povo mais sofrido e desprovido.

Escrevo estas linhas em resposta aos vários comentários que leitores revoltados com as revelações da operação Manumissão têm feito neste modesto blog. Os comentários bombaram no blog após eu ter replicado aqui matérias de jornais e de sites a respeito da operação supracitada, a qual é chefiada pelo delegado Welbert. Aproveito e faço minhas as palavras dos vários que aqui postaram seus desabafos e volto a parabenizar o delegado de Sabinópolis pelo trabalho.

Força e honra para o delegado Welbert e para todo o povo humilde e decente da cidade de Sabinópolis.

Ainda dentro deste assunto, deixo-vos com um texto que escrevi há alguns anos.


O PARADIGMA DO HERÓI

Por Cléber Sérgio de Seixas

Há concepções diferentes de herói. Existe aquele tipo que prevalece sobre os inimigos e sobre as adversidades, e termina com sua integridade física quase intacta, atingido por apenas alguns arranhões, e que costuma estar intrinsecamente ligado às idéias que encarna de forma que, morto, elas morrem com ele, pois sua envergadura pessoal é maior que a das idéias que gestou. Mas há outro paradigma de herói, aquele cuja morte faz-se às vezes um catalisador das idéias que lhe são pertinentes, não ficando órfãs quando ele se vai ou esvai. O herói faz-se mártir e ganha mais notoriedade ainda e suas idéias transformam-se em ideais.

No entanto o falecido Raul Seixas certa vez cantou: “Oh, coitado, foi tão cedo! Deus me livre, eu tenho medo. Morrer dependurado numa cruz... Eu não sou besta p’ra tirar onda de herói, sou vacinado, eu sou cowboy, cowboy fora da lei. Durango Kid só existe no gibi e quem quiser que fique aqui. Entrar p’ra história é com vocês!” Os versos fazem referência e irreverência a Jesus Cristo que, segundo o autor, era um coitado e foi cedo. Também expressam a opção de ser bad boy, garoto esperto, cowboy fora da lei, ao invés de ser mártir; optando pela conformação à ordem vigente do que por revolucioná-la, ou seja, antes conformar-se e permanecer vivo do que opor-se e terminar os dias dependurado ou pregado no madeiro.

Os versos da canção não levam em conta os bastidores por detrás do cenário da tragédia jesuítica. Para os cristãos a morte de Jesus cumpriu todos os requisitos de Deus Pai e por outro lado expôs as fragilidades do sistema humano: somente o justo poderia morrer pelos injustos, daí nenhum homem, além de Jesus, estar qualificado par tal; a morte do justo tornava a lei dos homens injusta, a ponto do oficial romano Pilatos dizer que não via no homem Jesus nenhum mal. Assim o cordeiro de Deus, inculpado e inculpável, tirava o pecado do mundo, levando sobre si a culpa de todos os homens. No entanto a morte no calvário era começo e não fim. A expressão “eis o rei dos Judeus”, cunhada em três línguas diferentes como epígrafe da cruz, apesar de escrita com propósitos sarcásticos, teve na verdade efeito reverso, pois acabou por profetizar das conseqüências que adviriam do martírio daquele homem: o posterior crescimento da cristandade pelo mundo, minando a supremacia romana e implantando em seu lugar a teocracia medieval, ou seja, o mundo curvou-se aos pés da cristandade. Assim a morte do filho do carpinteiro na cruz não foi inócua e não ratifica a mensagem contida nos versos citados acima.

Inofensivos e tolos são os que se arvoram numa posição de irreverentes sociais, que usam calças rasgadas, pintam os cabelos, enfeitam o corpo com tatuagens e piercings ou pregam uma sociedade alternativa fumando maconha, mas não mudam o mundo nem com suas ações nem com suas cabeças vazias de ideais. Quando morrem, não deixam nenhum tipo de vestígio nas consciências alheias. Como diz Frei Betto, são como cordeiros saltitando dentro do aprisco ao invés de serem os lobos das estepes.

Jesus, o Cristo, pagou caro por anunciar outro reino alternativo ao dos césares, no entanto seu exemplo pavimentou o caminho para as utopias libertárias.

Comentários