Bicentenário de Karl Marx


Sérgio Farnese - Professor de filosofia, autor do livro A teoria

Em 5 de maio de 2018, serão comemorados os 200 anos do nascimento de Karl Marx. Parece estar meio longe esse bicentenário, não fossem as tarefas intelectuais que inspira, não fossem esses os mesmos oito anos que faltam, o tempo que ele levou para concluir O capital, em 1867. Prazo razoável para credenciamento de linhas de pós-graduação e para teses de pós-doutorado, anos suficientes para aprender alemão e também grego, latim, russo, inglês e francês, para uma interlocução com o domínio idiomático e universal do pensador alemão. A pergunta é: afinal, está ou não decretada a morte intelectual de Karl Marx?

Ecoa no ar um espectro, uma lei férrea, como ele chamava sua polêmica lei geral da acumulação capitalista, singelamente resumida no mote mais progresso, mais miséria. No emergente Brasil, em que há pouco mais de 100 anos o ser humano menos valia que um cavalo, se olharmos nossos dentes, segundo dados do governo, veremos que metade da nação vegeta sem acesso ao meio bilhão de escovas aqui produzidas todo ano e que circulam apenas pelos lábios privilegiados, talvez pela vida útil de três meses, peças para viagem, em casa de namorados e em drogarias. Seriam os lázaros da classe trabalhadora os protagonistas, no calendário de 2018, de eventos populares homenageando o filósofo? Atirados na banguela da história, embrutecidos pela ignorância massificada pela superexploração capitalista, Marx ainda os pôde ver nos braços dos golpistas e reacionários de plantão, em troca de um prato de comida, lutando contra os operários em revolução, seguindo, aqui e acolá, cevados por programas similares a Brasil Sorridente, bolsas Escola e Família e outras mordomias.

Ele também não se dirigia à aristocracia operária, cooptada estruturalmente pela artimanha patronal de ofertar anel para não perder dedo. Tinha lá suas razões para preferir setores mais esclarecidos e organizados dos trabalhadores em movimento, para quem redigiu, com Friedrich Engels, o Manifesto comunista, de 1848. Fundando em 1864 a Internacional Socialista, que teve um hino composto por um pedreiro e um entalhador e que governou a Paris revolucionária no maio de 1871, apontava um horizonte mais largo para a tarefa ainda mal executada da negação da negação, categoria top do sistema de Hegel, filósofo prussiano de quem se declarou discípulo nas mesmas páginas do Livro I de O capital, em que, curiosamente, encontramos Minas Gerais e seus diamantes, em referência aos registros de Eschewege, que minerou na região de Congonhas, no século 19.

Doutor em filosofia aos 23 anos, pela Universidade de Iena, tese unindo Epicuro e Demócrito, pensadores gregos dos átomos, do prazer e da liberdade, alemão de Colônia, ascendência judia, diplomado em direito, Marx ocupa seu lugar entre 20 filósofos dos 20 séculos passados dos quais não se pode não falar no Ocidente. Por isso, a filosofia é a rainha dessa festa, descalça nesse hoje nada disputado espaço teórico, exilado de modismos acadêmicos tão reticentes, politizados, propensos a propinas ecomiásticas, banquete desdenhado, ao modo da parábola bíblica. Quiçá, do frio pálido de sua lápide londrina, Marx nos envie presentes de aniversário, vetustos ruídos, intuições sobranceiras, serenas, mas ansiosas: e daí? E agora?


Fonte: jornal Estado de Minas em 30 de junho de 2010.

Comentários

Anônimo disse…
Muito pinel esse artigo! Nota mil! att. Luiz Carlos