DICA CULTURAL - A BATALHA DO CHILE


Por Cléber Sérgio de Seixas

South of Border de Oliver Stone acaba de chegar aos cinemas mineiros. O documentário tem como tema a escalada ao poder de governos progressistas na América do Sul. É um momento oportuno para voltar no tempo, mais precisamente ao Chile de inícios dos anos 70, e resgatar a memória daqueles tempos obscuros, de forma a deles extrairmos importantes lições para o presente. Era um tempo de efervescência política, quando o geograficamente estreito país sul americano experimentou algo jamais sonhado na America Latina: a chegada ao poder de um governante marxista pela via pacífica, ou seja, pelo voto. Era a chamada “via chilena para o socialismo”.

Salvador Allende, médico e maçom, eleito presidente em 1970, inicia intensa campanha de nacionalização de setores estratégicos da economia chilena, promove a reforma agrária, nacionaliza os bancos, fazendo com que mais de 60% da economia chilena ficasse sob o controle do Estado. Insatisfeitos com os rumos da política interna chilena e francamente opostos ao interesses econômicos norte-americanos, os EUA, capitaneados por Richard Nixon, patrocinam várias investidas de sabotagem contra o governo Allende. Como nenhuma das investidas “desarmadas” surtiu o efeito desejado, partiu-se então para o golpe direto.

Em 11 de setembro de 1973 a “via pacífica para o socialismo” ruía sob as botas dos militares chefiados pelo general Augusto Pinochet. O Palácio de La Moneda, sede do governo, fora violentamente bombardeado. Acuado dentro do palácio e em companhia de alguns partidários, Allende fez seu último discurso: "Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. [...] Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade do povo.[...] Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão". Horas depois, Allende dava cabo à própria vida ainda nas dependências do palácio.

Este é o tema de um dos documentários mais impressionantes que já tive a oportunidade de assistir. Trata-se de A Batalha do Chile, filme de Patrício Guzmán, considerado um dos melhores e mais completos documentários políticos do mundo, verdadeiro “cult" nas terras latino-americanas. O box da Vídeofilmes consiste em 4 DVD’s (se não estou enganado, já se encontra fora de catálogo). O primeiro (A Insurreição da Burguesia) trata da forma como a burguesia chilena, secretamente apoiada e financiada pelo governo norte-americano e pela CIA, se insurgiu contra a política de Salvador Allende, procurando de todas as formas sabotar seu governo, e mostra com detalhes a mobilização do povo em defesa de Allende. O segundo disco (O Golpe de Estado) narra o golpe cujo momento culminante é o bombardeio ao Palácio de La Moneda, sede do governo. O terceiro disco (O Poder Popular) relata como os cidadãos chilenos experimentaram algo que muito se aproximou do conceito marxista clássico de ditadura do proletariado. Há ainda um DVD de extras que contém os documentários Patrício Guzmán – uma história chilena, que relata os bastidores da produção do documentário, e A resistência final de Salvador Allende, que narra os momentos finais de Allende antes do golpe.

Com a subida ao poder de uma junta militar capitaneada pelo general Pinochet, o Chile, anteriormente um país tranquilo, cuja história até então não havia sido abalada por golpes de Estado, passa a ser dominado por uma das ditaduras mais sangrentas do cone sul. Em sete de janeiro de 2001 o exército chileno reconheceu ter eliminado mais de 180 partidários de Allende, muitos deles atirados ao mar. Era a primeira vez, após quase 30 anos, que os militares chilenos admitiam um crime.

Sobre o golpe de Estado no Chile, o escritor Pablo Neruda escreveu o seguinte poema:

Vitória

Honra à vitória apetecida,
honra ao povo que chegou à hora
de estabelecer seu direito à vida!

Porém o rato acostumado ao queijo,
Nixon, entristecido de perder,
despediu-se de Eduardo com um beijo.

Mudou de embaixador, mudou de espias
e decidiu cercar-nos com arame:
não nos venderam mais mercadorias

para que o Chile morresse de fome.

Quando a Braden lhes abanou o rabo
as múmias ajudaram na tarefa

Gritando “Liberdade e Caçarolas”,
enquanto os patrões fingindo-se de vítimas
pintavam de bondade suas caras feias

e se disfarçando de proletários
decretavam a greve de senhores
recebendo de Nixon os dinheiros:

trinta moedas para os traidores.

Portanto, A Batalha do Chile é um documentário obrigatório para aqueles que querem conhecer os antecedentes do golpe de Estado chileno e para aqueles que querem conhecer mais sobre a história recente da América Latina.

Abaixo um trecho de A Batalha do Chile no Youtube.

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