A Copa como grande evento da "indústria" do futebol


Reproduzo abaixo um artigo de Carlos Castilho publicado em 11/06/10 no Observatório da Imprensa


Não há brasileiro que não esteja próxima, ou remotamente, interessado no que está acontecendo na África do Sul, no início de mais uma Copa do Mundo de futebol. O espetáculo é fascinante , mas existe um tema que foi mantido na sombra e que provavelmente só virá à tona, se vier, quando terminar a festa de encerramento do campeonato. São os negócios, ou melhor dizendo, a chamada "indústria" do futebol.


Esta indústria é talvez a face oculta do esporte que explica tudo aquilo que aparece nas manchetes da imprensa e que nós, geralmente, ficamos sem entender. Por que a polêmica em torno da bola Jabulani de repente sumiu do noticiário? Por que para o goleiro Julio Cesar e para o atacante Luis Fabiano a bola é horrível e sobrenatural, enquanto para Kaká e o zagueiro Lúcio ela é ótima?


A explicação está fora dos campos de futebol, mais especialmente nos escritórios das multinacionais Adidas e Nike. A bola Jabulani foi produzida pela Adidas e será a única a ser usada nos jogos da Copa do Mundo na África do Sul. Julio Cesar e Luis Fabiano são contratados da Nike, por isto criticaram a bola da multinacional concorrente. Kaká, junto com Lúcio, tem o patrocínio da Adidas, e foram os encarregados de fazer a defesa do seu patrocinador.


A marca alemã de equipamentos esportivos patrocina os mundiais desde 1954 num contrato que terminará em 2014, na Copa brasileira. E a guerra por posições estratégicas na renovação do contrato já começou. O carro chefe da campanha é o lançamento do chuteira F 50 Adizero, que pesa mínimas 160 gramas e é considerada a mais leve e flexível já criada pela indústria esportiva.


Enquanto os torcedores do mundo inteiro alimentam a expectativa de participar de um megaevento onde o esporte é a atração principal, nos bastidores toda a emoção é administrada por executivos de olho exclusivamente nos cifrões. Segundo a empresa de consultoria Grant Thornton, instalada em 100 países, a Copa da África do Sul vai produzir um impacto econômico da ordem de quase 12 bilhões de dólares, em todo o mundo.


Só a FIFA, a promotora do torneio, vai faturar o equivalente a 3,2 bilhões de dólares, dois dos quais com a cessão dos direitos de transmissão pela TV, um bilhão de dólares em marketing e 200 milhões com outras receitas. Isto significa um lucro líquido da ordem de 2,1 bilhões de dólares americanos, já que os investimentos da entidade foram estimados em 1,02 bilhão de dólares, segundo cálculos da revista Soccer Business reproduzidos pela Deportes y Negócios.


Quem menos vai lucrar com a Copa são os sul-africanos, que gastaram o equivalente a 7,8 bilhões de dólares, desde 2005, na preparação do torneio. Esta soma equivale a pouco menos de 2% do PIB nacional. Dificilmente as receitas superarão esses gastos — o que significa dizer que, financeiramente, só o país anfitrião terá prejuízo com a Copa de 2010. Mas para a África do Sul o investimento também é político e social.


Entre os atletas, o orgulho nacional também deixou de ser um motivador para suar a camiseta. Para eles, o mundial tornou-se uma vitrine de craques onde os clubes europeus fazem apostas e investimentos. Os astros já consagrados como Kaká, Messi, Drogba e outros apenas administram a carreira, mas para os reservas e os não tão famosos o desempenho é fundamental para novos contratos tanto com clubes como com empresas patrocinadoras multinacionais.


Entre os jogadores, a grande estrela dos negócios nesta Copa é o lateral direito Maicon, que é disputado por pelo menos três grandes clubes europeus. O jogador anunciou que só vai tomar uma decisão depois do campeonato, o que deixa claro que ele estará com os olhos voltados mais para os investidores europeus do que para a torcida brasileira. O mesmo acontece com Elano, Luiz Fabiano e Michel Bastos, todos à espera de que suas atuações na África do Sul possam alavancar contratos novos e mais generosos.


Futebol deixou, faz tempo, de ser apenas um esporte. Na verdade tornou-se uma indústria bilionária, na qual os torcedores não passam de consumidores. As torcidas dão a alma por clubes e seleções cujos interesses não estão nas arquibancadas, mas em contas bancárias.


E o que impressiona é também o silêncio da imprensa sobre o que acontece na indústria do futebol. É claro que os fabricantes de equipamentos esportivos que patrocinam de eventos e atletas são também anunciantes de peso em jornais, revistas, emissoras de rádio e TV.


A imprensa se tornou parte da indústria esportiva ao organizar concursos, patrocinar torneios e impor seus interesses sobre os dos clubes e atletas. No Brasil, a TV Globo está presente em todos os grandes eventos esportivos como participante ativa, onde os interesses comerciais superam os jornalísticos por larga margem.


Isto nos obriga a ter que fazer uma leitura crítica da cobertura esportiva para poder separar os interesses comerciais da verdadeira natureza do esporte e evitar que nos tornemos protagonistas involuntários de negócios bilionários.

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