O CALVÁRIO DE TITO
Por Cléber Sérgio de Seixas
No dia 17 de fevereiro de 1970, em plena vigência dos assim chamados “anos de chumbo”, militares se dirigiram ao presídio Tiradentes, na capital paulista, em busca de um prisioneiro político. Logo na abordagem, o capitão Maurício, se dirigindo ao prisioneiro em questão, afirmou o seguinte: “Você agora vai conhecer a sucursal do inferno.” A cena do prisioneiro sendo levado em direção ao veículo que o transportaria era assistida por um grupo de presos que gritava palavras como “assassinos, assassinos!” ou “firme, companheiro!”. A afirmação do militar do exército não era mera retórica. A filial do inferno a que se referia o capitão era nada menos que a sede da temida OBAN (Operação Bandeirantes), a mais notória casa de torturas e assassinatos da ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964.
Na sede da OBAN o prisioneiro, que já havia sido barbaramente torturado pelos agentes do DEOPS, chefiados pelo famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury, seria supliciado das formas mais atrozes possíveis. O nome do prisioneiro era Tito de Alencar Lima, frade dominicano mais conhecido como Frei Tito.
Tito nasceu em Fortaleza, Ceará, em 14 de setembro de 1945. Era o caçula entre onze irmãos. Ingressou na JEC (Juventude Estudantil Católica), tendo se tornado dirigente da regional Maranhão-Bahia desta organização em 1963. Em 1964, participa de manifestações em repúdio ao golpe militar. Em 1966, ingressa na ordem dos dominicanos. Em 1968, obtém para a UNE um sítio na cidade paulista de Ibiúna para que aquela entidade estudantil pudesse fazer seu 30º Congresso. É preso durante este evento junto com aproximadamente novecentos outros estudantes, mas é liberado logo em seguida. Na madrugada de 3 para 4 de novembro de 1969 é preso pelo delegado Fleury no convento dos dominicanos da Rua Caiubi, 126. Nas dependências do DEOPS, o próprio Fleury o torturou com choques, palmatória e pancadas. Três meses depois retornaria ao suplício nas dependências da OBAN.
No dia 17 de fevereiro de 1970, em plena vigência dos assim chamados “anos de chumbo”, militares se dirigiram ao presídio Tiradentes, na capital paulista, em busca de um prisioneiro político. Logo na abordagem, o capitão Maurício, se dirigindo ao prisioneiro em questão, afirmou o seguinte: “Você agora vai conhecer a sucursal do inferno.” A cena do prisioneiro sendo levado em direção ao veículo que o transportaria era assistida por um grupo de presos que gritava palavras como “assassinos, assassinos!” ou “firme, companheiro!”. A afirmação do militar do exército não era mera retórica. A filial do inferno a que se referia o capitão era nada menos que a sede da temida OBAN (Operação Bandeirantes), a mais notória casa de torturas e assassinatos da ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964.
Na sede da OBAN o prisioneiro, que já havia sido barbaramente torturado pelos agentes do DEOPS, chefiados pelo famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury, seria supliciado das formas mais atrozes possíveis. O nome do prisioneiro era Tito de Alencar Lima, frade dominicano mais conhecido como Frei Tito.
Tito nasceu em Fortaleza, Ceará, em 14 de setembro de 1945. Era o caçula entre onze irmãos. Ingressou na JEC (Juventude Estudantil Católica), tendo se tornado dirigente da regional Maranhão-Bahia desta organização em 1963. Em 1964, participa de manifestações em repúdio ao golpe militar. Em 1966, ingressa na ordem dos dominicanos. Em 1968, obtém para a UNE um sítio na cidade paulista de Ibiúna para que aquela entidade estudantil pudesse fazer seu 30º Congresso. É preso durante este evento junto com aproximadamente novecentos outros estudantes, mas é liberado logo em seguida. Na madrugada de 3 para 4 de novembro de 1969 é preso pelo delegado Fleury no convento dos dominicanos da Rua Caiubi, 126. Nas dependências do DEOPS, o próprio Fleury o torturou com choques, palmatória e pancadas. Três meses depois retornaria ao suplício nas dependências da OBAN.
No livro Batismo de Sangue, Frei Betto relata as indizíveis sevícias a que foi submetido Frei Tito nas dependências da Operação Bandeirantes. Eis alguns trechos: “Ao chegar à Oban, fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiram para que eu ‘confessasse’. Pouco depois, levaram-me para o pau-de-arara. Dependurado, nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício (...) Ao sair da sala, tinha o corpo marcado por hematomas, o rosto inchado, a cabeça pesada e dolorida (...) Um soldado carregou-me até a cela 3 (...) Era uma cela de 3x2,5 m, cheia de pulgas e baratas. Terrível mau cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento frio e sujo (...) Na quinta-feira, três policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De estômago vazio, fui para a sala de interrogatórios (...) Sentaram-me na cadeira do dragão, com chapas metálicas e fios, descarregaram choques nas mãos, nos pés, nos ouvidos e na cabeça (...) Da sessão de choques passaram-me ao pau-de-arara. Mais choques, pauladas no peito e nas pernas (...) Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala (...) Voltaram às perguntas, bateriam em minhas mãos com palmatórias. As mãos ficaram roxas e inchadas, a ponto de não poder fechá-las. Novas pauladas (...) Isso durou até as dez da manhã, quando chegou o capitão Albernaz. ’Nosso assunto agora é especial’, disse o capitão Albernaz, ligando os fios em meus membros (...) recebi uma descarga tão forte, diretamente ligada à tomada, que houve um descontrole em minhas funções fisiológicas (...) levei choques durante quarenta minutos. (...) Diante de minhas negativas, aplicaram-me choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas costas. Revestidos de paramentos litúrgicos, os policiais fizeram-me abrir a boca ‘para receber a hóstia sagrada’. Introduziram um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito. Gritavam difamações contra a Igreja, e berravam que os padres são homossexuais porque não se casam. Às 14 horas, encerraram a sessão. Carregado, voltei à cela, e fiquei estirado no chão”.
Em dezembro de 1970, integrantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) seqüestram, no Rio de Janeiro, o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. Em troca do embaixador, o grupo exigia a libertação de setenta prisioneiros políticos. Dentre eles figurava o nome de Frei Tito. Em 1971, libertado e banido, sai do Brasil, passa por Santiago, no Chile, Roma e, em Paris, é acolhido no convento Saint Jacques.
Mesmo a milhares de quilômetros distante do Brasil, Frei Tito era atormentado pelos fantasmas de seus torturadores e do delegado Fleury. Os suplícios que sofrera, tanto físicos quanto morais, introjetaram nele a figura daqueles que o torturaram. Tito via Fleury dentro de carros, atrás de árvores, escondido dentro do seu quarto e em tantos outros lugares. Em junho de 1973, em busca de um lugar mais tranqüilo para viver e estudar, transfere-se para o convento de Eveux, na cidade francesa de Lyon. Em 10 de agosto de 1974 o corpo de Tito é encontrado dependurado em uma corda amarrada a uma árvore nos arredores do convento de Lyon. O suicídio talvez fora a forma que Tito encontrou de calar as vozes dos algozes que falavam em seu interior.
Sobre os fantasmas que rondavam a mente de Tito, e o teriam levado a um fim trágico, o livro Batismo de Sangue registra o seguinte: “De modo exemplar, Frei Tito encarnou todos os horrores do regime militar brasileiro. Este é, para sempre, um cadáver insepulto. Seu testemunho sobreviverá à noite que nos abate, aos tempos que nos obrigam a sonhar, à historiografia oficial que insiste em ignorá-lo. Permanecerá como símbolo das atrocidades infindáveis do poder ilimitado, prepotente, arbitrário. Ficará, sobretudo, como exemplo a todos que resistem à opressão, lutam por justiça e liberdade, aprendendo, na difícil escola da esperança, que é preferível ‘morrer do que perder a vida’ (...) Dentro dele alojaram-se torturadores, cujas vozes infernais ecoavam pela boca da legião de fantasmas. Sua consciência derreteu-se sob a pressão do delírio que, emergindo dos corredores profundos do inconsciente, reboava terríveis ameaças. Sua interioridade foi devassada como o lar sem portas e janelas exposto à ventania que traz a tempestade, a neblina e, por fim , a noite implacável. (...) A morte foi seu último ato de coragem e protesto. (...) Ao morrer, Tito matou seus algozes e recuperou a paz duradoura que lhe haviam seqüestrado.”
A história de Frei Tito foi levada às telas no filme Batismo de Sangue, dirigido pelo cineasta Helvécio Ratton e baseado no livro homônimo de Frei Betto.
Nesses tempos por que passamos, 35 anos após a morte de Frei Tito, quando muitos tentam reescrever nosso passado recente, removendo dele os momentos vergonhosos nos quais nossas elites colaboraram com um regime de exceção, quando assassinos são convertidos em vitimas e vice-versa, quando neologismos são criados para encobrir o verdadeiro caráter assassino de um regime, tal qual a tentativa de rebatizar ditura para “ditabranda”, é oportuno lembrarmos e ecoarmos o exemplo de Frei Tito. Eduardo Galeano diz que a história é um profeta com o olhar voltado para trás, anunciando o que será pelo que é e pelo que foi. Assim sendo, é necessário que voltemos nosso olhar para os eventos que se foram - sobretudo aqueles relacionados ao período em que vivemos sob as botas de uma ditadura militar –, de forma a exorcizar nossos fantasmas, questionar paradigmas ultrapassados, rever conceitos errôneos, desenraizando-os, de forma que o futuro seja menos nebuloso para o sofrido povo desta imensa e sofrida nação chamada Brasil.
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