SOB O OLHAR DO REDENTOR
Por Cléber Sérgio de Seixas
De braços abertos no Corcovado, o redentor pétreo, recém-eleito uma das maravilhas da engenharia moderna, observa o horizonte atlântico. Sob seus pés convivem dois mundos diferentes: o mundo dos visíveis e bem integrados socialmente e o mundo dos invisíveis, para quem o Estado praticamente inexiste, a não ser no momento em que lhes envia seus elementos armados para cumprir missões punitivas e repressivas.
No início do século passado, ao retornar da campanha de Canudos - ou melhor, massacre de Canudos - alguns ex-combatentes se alojaram num dos morros cariocas, em habitações extremamente precárias. Ali encontraram um mesmo tipo de planta que crescia abundantemente no arraial do Conselheiro: a Favela. Batizaram o local então como Morro da Favela, em homenagem à planta urticante. Posteriormente, o nome do lugar foi mudado para Morro da Providência, quem sabe para trazer mais esperança aos desvalidos moradores. No entanto, o termo favela ficou para a posteridade para designar todo aglomerado habitacional de pouca infra-estrutura, habitado por população de baixa renda.
Atualmente as favelas deixaram de ser simplesmente conjuntos de barracos e habitações toscas para se tornarem, também, bases para o crime organizado. Se a planta que emprestou o nome a esses lugares pouco assistidos pelos governantes causa desconforto em quem a toca, também as favelas, sobretudo as cariocas, são como uma chaga desconfortante com a qual teremos que aprender a conviver. Recentemente, o órgão da ONU para assentamentos habitacionais, o Un-Habitat, se reuniu em Bellagio, Itália. Na reunião previu-se que daqui a 30 anos um em cada três habitantes do planeta, cerca de 2 bilhões de pessoas, estarão morando em favelas e cortiços. Esse processo de favelização, conseqüência direta da concentração de renda, ocorrerá com mais intensidade nos grandes centros urbanos de crescimento desordenado da América Latina, África e Ásia. Assim sendo, nossos governantes terão que adotar medidas para levar o Estado para dentro desses lugares pouco favorecidos, sob pena de o Estado legalmente constituído ser engolido por um Estado paralelo representado pelo poder do crime organizado. Governantes já despertam para a necessidade de implantação de medidas de inclusão social em tais ambientes.
Contudo, alguns políticos e cidadãos ainda mantêm o tradicional preconceito para com os moradores de favelas, preconceito este que consiste na pressuposição de que todo morador de favela é um marginal em potencial. Sob tal preconceito, se justificariam violentas ações militares, como as que constantemente vemos a polícia levar a cabo em algum subúrbio carioca. É a tática do “atire primeiro e pergunte depois”, muito utilizada pelas nossas polícias. Esse tipo de preconceito pode também ajudar a explicar o sucesso do capitão Nascimento no filme Tropa de Elite. O personagem vivido por Wagner Moura é um policial truculento que obtém confissões sob tortura e executa sumariamente; é o estereótipo do indivíduo que é parte do braço armado de um Estado que prefere lidar ineficazmente com os efeitos a examinar criticamente e combater as causas. Sob este prisma, é mais simples para os governantes enviar os “heróis do BOPE” para invadir o morro em missões de busca, apreensão e extermínio, do que fazer o mapeamento e monitoramento do tráfico de drogas e de armas; mais fácil executar ou prender um traficante qualquer do que impedir, através de medidas promotoras de inclusão social, que tantos outros jovens lhe sigam o exemplo.
Todo sistema social traz em si suas contradições, que virão à tona mais cedo ou mais tarde, com conseqüências imprevisíveis para as classes conflitantes. Tal como o Cangaço foi um subproduto da violência do Coronelismo nordestino, da miséria e da seca, assim também o surgimento e crescimento das favelas é conseqüência direta da desigualdade social que amontoa pessoas de baixa renda, negras em sua maioria, em guetos miseráveis, sob condições subumanas.
Combater o crime apenas nos moldes de Tropa de Elite é criminalizar a pobreza. Os belicosos de plantão certamente bradarão: “direitos humanos são para os cidadãos de bem”! Concordo, na medida em que ações sócio-educativas e punitivas devem visar afastar os indivíduos infratores ou potencialmente infratores do ingresso ou re-ingresso no crime. Ações que promovem os direitos humanos são aquelas que nos garantem usufruir de nossos direitos de cidadãos, ou seja, ir e vir tranquilamente, sem ameaça à nossa integridade física nem à dos nossos semelhantes. A repressão armada sem a devida contrapartida em investimentos sociais tais como urbanização, lazer, educação e cultura, só aguçará a violência. Em outras palavras, é necessário arranjar as coisas de forma a prover oportunidades aos menos favorecidos, proporcionando-lhes alternativas àquelas que o crime oferece e, por outro lado, punir eficazmente os infratores, impedindo reincidências nos delitos.
O Rio de Janeiro continua lindo? Enquanto a estátua de concreto foi alçada à categoria de maravilha do mundo, a cidade de natureza exuberante que a abriga está se tornando cada vez menos maravilhosa sob o ponto de vista social.
De braços abertos no Corcovado, o redentor pétreo, recém-eleito uma das maravilhas da engenharia moderna, observa o horizonte atlântico. Sob seus pés convivem dois mundos diferentes: o mundo dos visíveis e bem integrados socialmente e o mundo dos invisíveis, para quem o Estado praticamente inexiste, a não ser no momento em que lhes envia seus elementos armados para cumprir missões punitivas e repressivas.
No início do século passado, ao retornar da campanha de Canudos - ou melhor, massacre de Canudos - alguns ex-combatentes se alojaram num dos morros cariocas, em habitações extremamente precárias. Ali encontraram um mesmo tipo de planta que crescia abundantemente no arraial do Conselheiro: a Favela. Batizaram o local então como Morro da Favela, em homenagem à planta urticante. Posteriormente, o nome do lugar foi mudado para Morro da Providência, quem sabe para trazer mais esperança aos desvalidos moradores. No entanto, o termo favela ficou para a posteridade para designar todo aglomerado habitacional de pouca infra-estrutura, habitado por população de baixa renda.
Atualmente as favelas deixaram de ser simplesmente conjuntos de barracos e habitações toscas para se tornarem, também, bases para o crime organizado. Se a planta que emprestou o nome a esses lugares pouco assistidos pelos governantes causa desconforto em quem a toca, também as favelas, sobretudo as cariocas, são como uma chaga desconfortante com a qual teremos que aprender a conviver. Recentemente, o órgão da ONU para assentamentos habitacionais, o Un-Habitat, se reuniu em Bellagio, Itália. Na reunião previu-se que daqui a 30 anos um em cada três habitantes do planeta, cerca de 2 bilhões de pessoas, estarão morando em favelas e cortiços. Esse processo de favelização, conseqüência direta da concentração de renda, ocorrerá com mais intensidade nos grandes centros urbanos de crescimento desordenado da América Latina, África e Ásia. Assim sendo, nossos governantes terão que adotar medidas para levar o Estado para dentro desses lugares pouco favorecidos, sob pena de o Estado legalmente constituído ser engolido por um Estado paralelo representado pelo poder do crime organizado. Governantes já despertam para a necessidade de implantação de medidas de inclusão social em tais ambientes.
Contudo, alguns políticos e cidadãos ainda mantêm o tradicional preconceito para com os moradores de favelas, preconceito este que consiste na pressuposição de que todo morador de favela é um marginal em potencial. Sob tal preconceito, se justificariam violentas ações militares, como as que constantemente vemos a polícia levar a cabo em algum subúrbio carioca. É a tática do “atire primeiro e pergunte depois”, muito utilizada pelas nossas polícias. Esse tipo de preconceito pode também ajudar a explicar o sucesso do capitão Nascimento no filme Tropa de Elite. O personagem vivido por Wagner Moura é um policial truculento que obtém confissões sob tortura e executa sumariamente; é o estereótipo do indivíduo que é parte do braço armado de um Estado que prefere lidar ineficazmente com os efeitos a examinar criticamente e combater as causas. Sob este prisma, é mais simples para os governantes enviar os “heróis do BOPE” para invadir o morro em missões de busca, apreensão e extermínio, do que fazer o mapeamento e monitoramento do tráfico de drogas e de armas; mais fácil executar ou prender um traficante qualquer do que impedir, através de medidas promotoras de inclusão social, que tantos outros jovens lhe sigam o exemplo.
Todo sistema social traz em si suas contradições, que virão à tona mais cedo ou mais tarde, com conseqüências imprevisíveis para as classes conflitantes. Tal como o Cangaço foi um subproduto da violência do Coronelismo nordestino, da miséria e da seca, assim também o surgimento e crescimento das favelas é conseqüência direta da desigualdade social que amontoa pessoas de baixa renda, negras em sua maioria, em guetos miseráveis, sob condições subumanas.
Combater o crime apenas nos moldes de Tropa de Elite é criminalizar a pobreza. Os belicosos de plantão certamente bradarão: “direitos humanos são para os cidadãos de bem”! Concordo, na medida em que ações sócio-educativas e punitivas devem visar afastar os indivíduos infratores ou potencialmente infratores do ingresso ou re-ingresso no crime. Ações que promovem os direitos humanos são aquelas que nos garantem usufruir de nossos direitos de cidadãos, ou seja, ir e vir tranquilamente, sem ameaça à nossa integridade física nem à dos nossos semelhantes. A repressão armada sem a devida contrapartida em investimentos sociais tais como urbanização, lazer, educação e cultura, só aguçará a violência. Em outras palavras, é necessário arranjar as coisas de forma a prover oportunidades aos menos favorecidos, proporcionando-lhes alternativas àquelas que o crime oferece e, por outro lado, punir eficazmente os infratores, impedindo reincidências nos delitos.
O Rio de Janeiro continua lindo? Enquanto a estátua de concreto foi alçada à categoria de maravilha do mundo, a cidade de natureza exuberante que a abriga está se tornando cada vez menos maravilhosa sob o ponto de vista social.
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