A primavera dos povos nevense


Por Cléber Sérgio de Seixas

Países árabes e agora algumas nações européias capitaneadas pela Espanha, onde os manifestantes tentam abrir as “portas do sol”, vivem sua “primavera dos povos”, um despertar da cidadania depois de um longo inverno de apatia política. Trata-se de uma reação contra o desemprego estrutural, contra as políticas neoliberais e contra a velha política, sinônimo de politicagem.

Embora ainda estejamos no outono, Ribeirão das Neves, cidade da RMBH (Região Metropolitana de Belo Horizonte), experimenta os primeiros vicejos de sua primavera. Cansados do descaso a que alguns políticos há muito relegam o município, os cidadãos se organizam para mostrar que podem contribuir para mudar os rumos sócio-políticos de Ribeirão das Neves.

Aglutinados na Rede Nós Amamos Neves, vários movimentos sociais e a sociedade civil organizada têm levantado suas vozes contra a construção de mais um complexo prisional na cidade.

O projeto, um conjunto de cinco unidades prisionais com capacidade para 3.040 detentos, fruto de uma parceria público-privada (PPP) firmada entre o governo do Estado de Minas Gerais na gestão de Aécio Neves e o consórcio GPA (Gestores Prisionais Associados), terá enormes impactos sociais no cotidiano da já tão sofrida cidade. O empreendimento reflete o modus operandi neoliberal dos governos tucanos, marcado pelo desmonte do patrimônio do Estado via privatizações e ideologicamente sustentado pelo famigerado, mas improvável, “choque de gestão”.

Em nenhum momento o governo do Estado ouviu os clamores da população nevense sobre a implantação de mais um complexo prisional. Assim sendo, os movimentos sociais ligados à Rede Nós Amamos Neves se organizaram numa “agenda do bem” para lutar contra a construção de mais presídios na cidade. Dentre os eventos desta agenda convém destacar os seguintes:
- No dia 13 de fevereiro de 2011, manifestantes fecharam um trecho da rodovia BR-040 para protestar pacificamente contra a construção do complexo prisional supracitado;
- No dia 10 de abril último, integrantes da Rede e lideranças comunitárias promoveram uma caminhada ecológica rumo às proximidades do canteiro de obras do futuro complexo prisional. Apesar da comunicação prévia às autoridades competentes, os caminhantes foram barrados no meio do caminho por agentes do GIT fortemente armados – ação desproporcional diante do nulo potencial ofensivo dos que ali estavam (idosos, crianças e mulheres em sua maioria);
- No dia 26 de abril, em audiência pública promovida por deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, cerca de 400 cidadãos nevenses manifestaram aos membros do legislativo mineiro seu descontentamento com a vinda de mais presídios para a cidade. Na ocasião foram aprovados vários requerimentos, com destaque para um que exige o embargo da construção do novo cadeião.

Nessa luta que coloca em cantos opostos a sociedade civil organizada nevense, capitaneada pela Rede Nós Amamos Neves, e o governo do Estado, o último round foi ganho pelos primeiros. Explico: desde o dia 21 de maio as obras do complexo prisional estão embargadas por liminar judicial. Fontes insuspeitas afirmam que trabalhadores da obra foram temporariamente dispensados e que veículos utilizados na construção já não trafegam pelo canteiro de obras.

Ao que tudo indica, tal liminar é fruto das mobilizações supramencionadas, mas já se ouvem vozes dissonantes dizendo que a responsabilidade pelo embargo é da prefeitura, o que não soa verossímil, haja vista que no dia 26 de abril de 2010 o prefeito Walace Ventura Andrade assinou uma declaração na qual afirma que o empreendimento está em conformidade com a lei de uso e ocupação do solo do município.

A declaração de conformidade assinada pelo prefeito Walace Ventura (Fonte: Neves News). Clique para ampliar

Nessa luta de Davi contra Golias, os cidadãos nevenses, bem representados pelos integrantes da Rede Nós Amamos Neves, podem se considerar vitoriosos por terem vencido uma das batalhas dessa guerra que promete durar anos. Como bem afirmou Rosely Augusto, “a guerra não está ganha, mas é uma importante vitória da população de Neves e das organizações populares que vêm lutando há anos contra esse projeto inconstitucional de privatizar o sistema penitenciário em MG e no Brasil. É, com certeza, um duro golpe sobre a arrogância e o autoritarismo do governo de Minas Gerais.”

Este blogueiro diferenciado continuará acompanhando todos os lances dessa luta e, na medida de sua modesta capacidade, tentará dar sua contribuição para que Ribeirão das Neves rompa o estigma de município dos presídios, cidade dormitório, reduto de políticos corruptos etc.

Tal como Egito e Espanha, Ribeirão das Neves prossegue em sua primavera dos povos. Muitos tentarão detê-la, mas, parafraseando Che Guevara, “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”.

Até o próximo round.


Ler também:
- Dos que amam Ribeirão das Neves;
- População organizada exige embargo do complexo penitenciário em Neves.
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Comentários

Muito bom companheiro Gléber!

A Rede Nós Amamos Neves e os demais movimentos populares do município esta fazendo a sua parte. A primavera chega e com ela o bom ar e o aroma das flores, neste sentido, não tenho duvidas de que os nevenses ao sentirem o perfume radiante de nossa luta, todos e todas sentiram a necessidade de perfumar-se e regar as flores e florestas dos campos de Neves.

Firme na luta, pois é só inicio e a vitória tarda mais não falha.

Abraço!
Sidnei Martins - CEPI-NEVES / Rede Nós Amamos Neves.