Bombas no caminho da abertura
"Não boto bomba em banca de jornal
nem em colégio de criança.
Isso eu não faço não."
Renato Russo
nem em colégio de criança.
Isso eu não faço não."
Renato Russo
Por Cléber Sérgio de Seixas
Rio de Janeiro, 30 de abril de 1981 – um grande show marcaria a véspera dos festejos do Dia do Trabalho no centro de exposições do Riocentro, zona oeste carioca. O evento estava sendo organizado pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), organização ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Cantores cujos engajamentos artísticos contrários à ditadura eram notórios, como Fagner, Gonzaguinha, Francis Hime, Chico Buarque, João Bosco e Beth Carvalho se apresentariam naquele show.
Cerca de 20 mil pessoas prestigiavam o evento. Enquanto Elba Ramalho se preparava para iniciar o show, a 120 metros dalí, um veículo Puma, placa OT-0297, manobrava no estacionamento do Riocentro. Súbito, uma explosão lançou a porta esquerda do carro a uma altura aproximada de 15 metros. A explosão dilacerou as duas pernas do sargento Guilherme Pereira do Rosário, 35 anos, e arrancou-lhe a mão direita. O militar teve morte instantânea. Mais sorte teve o capitão pára-quedista Wilson Luís Chaves Machado, 33 anos, motorista do Puma, cujo ferimento no abdômen deixou-lhe com as vísceras expostas. Os aplausos impediram que parte da multidão de pronto soubesse do que ocorrera. Após a explosão, o capitão Wilson abandonou o Puma e, segurando as próprias vísceras, pediu socorro às pessoas que assistiam ao show. Seu destino seria os hospitais Lourenço Jorge e Miguel Couto.
Cerca de 10 minutos após a primeira explosão, outra ocorreria na estação de energia. O incidente logo foi tratado pelos meios de comunicação, oficiais ou não, como um atentado orquestrado por grupos radicais de esquerda, e as investigações foram encerradas sem apontar culpados.
O expediente de atentados a bomba era algo relativamente comum naqueles tempos, bem como a tendência de atribuí-los a “terroristas” de esquerda. Eram comuns ataques a bomba a livrarias, bancas de jornais e a órgãos que se posicionavam contrariamente ao regime.
É hoje conhecida a tentativa do então Brigadeiro João Paulo Burnier, em 1968, de utilizar tropas do Para-Sar para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro. A autoria do atentado e a responsabilidade pelas milhares de vítimas seriam atribuídas à subversão, o que justificaria uma violenta repressão contra os opositores do regime. O plano de Burnier só não foi adiante porque o então capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho recusou-se a cumprir a missão e ameaçou denunciar o caso. Sobre a atitude do capitão Carvalho, o brigadeiro Eduardo Gomes, militar moderado, escreveria o seguinte: “O capitão Sérgio tem o mérito de haver-se oposto ao plano diabólico e hediondo do brigadeiro João Paulo Burnier, que, em síntese, se consumaria através da execução de atos de terrorismo.”
Só no dia 27 de agosto de 1980, por exemplo, três atentados deixaram uma vítima fatal e seis feridos no Rio de Janeiro. Num deles, uma carta bomba ceifou a vida da secretária do Conselho Federal da OAB, dona Lida Monteiro da Silva, morta aos 60 anos depois que uma bomba explodiu sob sua mesa na sede da entidade. Horas antes, outra bomba de menor teor explosivo havia destruído parcialmente a sala de redação do jornal Tribuna da Luta Operária. Cerca de uma hora depois da explosão na OAB, outra bomba explodiria na Câmara dos vereadores, destruindo o gabinete do vereador Antônio Carlos Carvalho, o Tonico, e ferindo gravemente o jornalista aposentado José Ribamar de Freitas, tio e assessor do vereador, e mais quatro funcionários. Em função dos ferimentos, José Ribamar perdeu três dedos da mão direita, teve o braço esquerdo amputado, ficou cego do olho esquerdo, perdeu alguns dentes e 80% da audição.
Cerca de 10 minutos após a primeira explosão, outra ocorreria na estação de energia. O incidente logo foi tratado pelos meios de comunicação, oficiais ou não, como um atentado orquestrado por grupos radicais de esquerda, e as investigações foram encerradas sem apontar culpados.
O expediente de atentados a bomba era algo relativamente comum naqueles tempos, bem como a tendência de atribuí-los a “terroristas” de esquerda. Eram comuns ataques a bomba a livrarias, bancas de jornais e a órgãos que se posicionavam contrariamente ao regime.
É hoje conhecida a tentativa do então Brigadeiro João Paulo Burnier, em 1968, de utilizar tropas do Para-Sar para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro. A autoria do atentado e a responsabilidade pelas milhares de vítimas seriam atribuídas à subversão, o que justificaria uma violenta repressão contra os opositores do regime. O plano de Burnier só não foi adiante porque o então capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho recusou-se a cumprir a missão e ameaçou denunciar o caso. Sobre a atitude do capitão Carvalho, o brigadeiro Eduardo Gomes, militar moderado, escreveria o seguinte: “O capitão Sérgio tem o mérito de haver-se oposto ao plano diabólico e hediondo do brigadeiro João Paulo Burnier, que, em síntese, se consumaria através da execução de atos de terrorismo.”
Só no dia 27 de agosto de 1980, por exemplo, três atentados deixaram uma vítima fatal e seis feridos no Rio de Janeiro. Num deles, uma carta bomba ceifou a vida da secretária do Conselho Federal da OAB, dona Lida Monteiro da Silva, morta aos 60 anos depois que uma bomba explodiu sob sua mesa na sede da entidade. Horas antes, outra bomba de menor teor explosivo havia destruído parcialmente a sala de redação do jornal Tribuna da Luta Operária. Cerca de uma hora depois da explosão na OAB, outra bomba explodiria na Câmara dos vereadores, destruindo o gabinete do vereador Antônio Carlos Carvalho, o Tonico, e ferindo gravemente o jornalista aposentado José Ribamar de Freitas, tio e assessor do vereador, e mais quatro funcionários. Em função dos ferimentos, José Ribamar perdeu três dedos da mão direita, teve o braço esquerdo amputado, ficou cego do olho esquerdo, perdeu alguns dentes e 80% da audição.
Os vários atentados devem ser inseridos no contexto político da época. O presidente era o general João Batista Figueiredo – aquele que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo -, e o país vivia o clima da abertura “lenta, gradual e segura” proposta pelo presidente anterior, o general Ernesto Geisel. Sob os auspícios da Lei da anistia de 1979, pessoas como Miguel Arraes, Fernando Gabeira, Leonel Brizola, Henfil e Betinho retornavam ao país. As greves do ABC abalavam o empresariado paulista desde 1978. Tal abertura - conseqüência direta dos estertores do chamado “milagre econômico”, que redundaram no enfraquecimento do regime militar -, bem como seus desdobramentos, contrariava os interesses dos setores mais radicais da caserna tupiniquim. Convinha, então, a tais grupos paramilitares a promoção de atentados de forma a frear a détente.
Trinta anos depois das bombas do Riocentro, uma reportagem de O Globo informou que o jornal teve acesso à agenda do sargento Miguel do Rosário (clique aqui para ler). Os 107 nomes e telefones constantes na agenda revelam que o militar fazia parte de uma verdadeira rede de conspiradores cuja intenção era reverter a abertura do regime pela força dos atentados.
É por essas e outras que é urgente a abertura dos arquivos da ditadura militar. Desvelar o passado, dando nome aos bois, revelando quem arquitetou atentados, promoveu e participou de torturas e assassinatos, é crucial para evitar que atrocidades semelhantes voltem a ocorrer.
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Trinta anos depois das bombas do Riocentro, uma reportagem de O Globo informou que o jornal teve acesso à agenda do sargento Miguel do Rosário (clique aqui para ler). Os 107 nomes e telefones constantes na agenda revelam que o militar fazia parte de uma verdadeira rede de conspiradores cuja intenção era reverter a abertura do regime pela força dos atentados.
É por essas e outras que é urgente a abertura dos arquivos da ditadura militar. Desvelar o passado, dando nome aos bois, revelando quem arquitetou atentados, promoveu e participou de torturas e assassinatos, é crucial para evitar que atrocidades semelhantes voltem a ocorrer.
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