VOCAÇÃO PARA SER MAIS
Por João Paulo
Paulo Freire (1921-1997) se tornou um nome conhecido mundialmente pelo trabalho com alfabetização de adultos. O chamado método Paulo Freire foi aplicado no Brasil e em outros contextos e culturas, tendo se constituído num dos mais significativos instrumentos pedagógicos contemporâneos. O educador pernambucano foi também autor de importante obra teórica, tendo lançado os marcos da pedagogia do oprimido, título de seu livro mais conhecido, traduzido em mais de 30 idiomas. Além da prática e teoria (separação que ele detestaria), Paulo Freire foi ator político em diversas experiências no Brasil e no exterior, tendo exercido, entre outros, o cargo de secretário municipal de Educação de São Paulo na gestão de Luiza Erundina.
Obras publicadas, ação pedagógica e ocupações públicas e independentes são apenas balizas externas de uma construção que muitos teimam em descaracterizar, como se tratasse de algo datado, no mínimo, ou equivocadamente ideológico. São esses erros de análise que cobram sempre um exercício de boa-fé intelectual na avaliação do legado do educador. Paulo Freire não é apenas o maior pensador educacional brasileiro, mas um instrumento útil na construção da educação no Brasil e no mundo. Se há uma concordância generalizada de que nossa maior dívida se dá no campo da educação (algo que a esquerda e a direita assinam embaixo), tanto como resgate do passado como em termos de perspectivas futuras, descartar Paulo Freire deixa de ser um ato de má-fé para ser uma atitude irresponsável. O que não significa que o trabalho do educador tenha de ser tomado como dogma, pelo contrário, merece, até para honrar sua inspiração, a crítica dialética de seus fundamentos e o exercício rigoroso da análise política de seus resultados.
O primeiro aspecto mencionado, a elaboração do método de alfabetização de adultos, deve ser entendido em toda a sua dimensão. O primeiro equívoco está em separar o método do conjunto da teoria pedagógica freiriana. A sustentação é filosófica e política. Filosófica, no sentido de defender uma antropologia e uma teoria do conhecimento que propõem uma nova visão do homem e um novo papel para a construção e uso do saber. Há, de acordo com o educador, em todo ser humano, uma vocação ontológica para ser mais, que se concretiza no ato de ler o mundo. Assim, não se pode considerar que Paulo Freire seja um “metodólogo”, um criador de instrumentos pragmáticos de incorporação de símbolos, mas sim um pensador que busca o desenvolvimento da consciência crítica. A palavra conscientização foi disseminada por ele como síntese de um processo que é ao mesmo tempo individual, pedagógico, filosófico e político.
O segundo ponto, a teoria sintetizada em sua obra maior, Pedagogia do oprimido, traz já na epígrafe sua divisa ética: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. Não se trata de teoria separada da prática. É exatamente porque articula a pedagogia com transformação do mundo que ele parte de uma teoria do homem (antropologia), de uma teoria do conhecimento (epistemologia) e de uma teoria política, para alcançar então a pedagogia com sua força libertadora. Não se trata de qualquer homem, mas de um ser com vocação a ser mais; não se aceitam concepções acabadas de conhecimento, apenas aquela construída em diálogo com o mundo, visando a transformá-lo; e, por fim, não se concebe a pedagogia como soma de saberes técnicos voltados ao adestramento, mas como prática dialógica, comprometida com a liberdade.
O terceiro elemento de avaliação, o da participação de Paulo Freire em várias experiências pedagógicas em todo o mundo, tem como destaque a presença em países do continente africano. Nesse contexto, o trabalho pedagógico se deu em momentos de recuperação da autonomia nacional, depois de séculos de presença colonial. Neste sentido, a questão do resgate cultural implicava a política linguística. Ou seja, a alfabetização levava necessariamente à questão da superação colonial. Mais proximamente, chamou atenção o trabalho de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entre 1989 e 1991. O educador resumiu sua atuação em torno de quatro diretrizes: direito de acesso à escola, gestão democrática, qualidade de ensino e alfabetização de jovens e adultos, com as quais pretendia mudar a cara da escola pública na cidade.
Sempre que se falar em educação no Brasil, tendo como desafio ao mesmo tempo a qualidade e a democratização, a presença de Paulo Freire será necessária. As críticas, por exemplo, à Escola Plural de Belo Horizonte, com a incompreensível onda moralista do retorno das bombas e do elitismo dos conteúdos, é exemplo de uma amnésia pedagógica que não é apenas conservadora, mas francamente reacionária. A crítica ao autoritarismo, a busca de ligação cultural com as comunidades, a perspectiva libertadora do ato educativo, o horizonte da escola como lugar de proteção social, a participação dos agentes pedagógicos nos processos de gestão, a busca de crescimento humano por meio do diálogo tolerante – tudo isso faz parte de um repertório que é patrimônio universal. E que ganhou sua melhor formulação na vida e obra do brasileiro Paulo Freire.
Obras publicadas, ação pedagógica e ocupações públicas e independentes são apenas balizas externas de uma construção que muitos teimam em descaracterizar, como se tratasse de algo datado, no mínimo, ou equivocadamente ideológico. São esses erros de análise que cobram sempre um exercício de boa-fé intelectual na avaliação do legado do educador. Paulo Freire não é apenas o maior pensador educacional brasileiro, mas um instrumento útil na construção da educação no Brasil e no mundo. Se há uma concordância generalizada de que nossa maior dívida se dá no campo da educação (algo que a esquerda e a direita assinam embaixo), tanto como resgate do passado como em termos de perspectivas futuras, descartar Paulo Freire deixa de ser um ato de má-fé para ser uma atitude irresponsável. O que não significa que o trabalho do educador tenha de ser tomado como dogma, pelo contrário, merece, até para honrar sua inspiração, a crítica dialética de seus fundamentos e o exercício rigoroso da análise política de seus resultados.
O primeiro aspecto mencionado, a elaboração do método de alfabetização de adultos, deve ser entendido em toda a sua dimensão. O primeiro equívoco está em separar o método do conjunto da teoria pedagógica freiriana. A sustentação é filosófica e política. Filosófica, no sentido de defender uma antropologia e uma teoria do conhecimento que propõem uma nova visão do homem e um novo papel para a construção e uso do saber. Há, de acordo com o educador, em todo ser humano, uma vocação ontológica para ser mais, que se concretiza no ato de ler o mundo. Assim, não se pode considerar que Paulo Freire seja um “metodólogo”, um criador de instrumentos pragmáticos de incorporação de símbolos, mas sim um pensador que busca o desenvolvimento da consciência crítica. A palavra conscientização foi disseminada por ele como síntese de um processo que é ao mesmo tempo individual, pedagógico, filosófico e político.
O segundo ponto, a teoria sintetizada em sua obra maior, Pedagogia do oprimido, traz já na epígrafe sua divisa ética: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. Não se trata de teoria separada da prática. É exatamente porque articula a pedagogia com transformação do mundo que ele parte de uma teoria do homem (antropologia), de uma teoria do conhecimento (epistemologia) e de uma teoria política, para alcançar então a pedagogia com sua força libertadora. Não se trata de qualquer homem, mas de um ser com vocação a ser mais; não se aceitam concepções acabadas de conhecimento, apenas aquela construída em diálogo com o mundo, visando a transformá-lo; e, por fim, não se concebe a pedagogia como soma de saberes técnicos voltados ao adestramento, mas como prática dialógica, comprometida com a liberdade.
O terceiro elemento de avaliação, o da participação de Paulo Freire em várias experiências pedagógicas em todo o mundo, tem como destaque a presença em países do continente africano. Nesse contexto, o trabalho pedagógico se deu em momentos de recuperação da autonomia nacional, depois de séculos de presença colonial. Neste sentido, a questão do resgate cultural implicava a política linguística. Ou seja, a alfabetização levava necessariamente à questão da superação colonial. Mais proximamente, chamou atenção o trabalho de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entre 1989 e 1991. O educador resumiu sua atuação em torno de quatro diretrizes: direito de acesso à escola, gestão democrática, qualidade de ensino e alfabetização de jovens e adultos, com as quais pretendia mudar a cara da escola pública na cidade.
Sempre que se falar em educação no Brasil, tendo como desafio ao mesmo tempo a qualidade e a democratização, a presença de Paulo Freire será necessária. As críticas, por exemplo, à Escola Plural de Belo Horizonte, com a incompreensível onda moralista do retorno das bombas e do elitismo dos conteúdos, é exemplo de uma amnésia pedagógica que não é apenas conservadora, mas francamente reacionária. A crítica ao autoritarismo, a busca de ligação cultural com as comunidades, a perspectiva libertadora do ato educativo, o horizonte da escola como lugar de proteção social, a participação dos agentes pedagógicos nos processos de gestão, a busca de crescimento humano por meio do diálogo tolerante – tudo isso faz parte de um repertório que é patrimônio universal. E que ganhou sua melhor formulação na vida e obra do brasileiro Paulo Freire.
Fonte: jornal Estado de Minas - 13/02/2010
Nota do blog: clique aqui para ler o que escrevi sobre Paulo Freire em setembro de 2009.
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