LAÇOS PARTIDOS



Por Thomaz Wood Jr.

Fim de caso! A sentença foi publicada em uma edição especial da revista The Economist. Assinou o laudo Lucy Kellaway. Parece sério: a colunista nos lembra que o entusiasmo pelo mundo dos negócios começou nos anos 1980, cresceu e se transformou em uma paixão alimentada por dinheiro, glamour e status. Em 2009, o dinheiro acabou. Em 2010, será a vez de o glamour e o -status --abandonarem a relação. E que relação poderia sobreviver à falta de elementos tão essenciais? Consequência: fim de caso.

A relação entre a plebe deslumbrada e o mundo dos negócios surgiu com os primeiros ventos da globalização, sobre os escombros do Muro de Berlim. Ainda aturdidas pelas mudanças geopolíticas, as hordas se maravilharam com a nova prosa: a vitória triunfante do capitalismo, o recuo do governo, a liberdade econômica e a promessa de prosperidade rápida. Não mais utopias coletivistas. O novo sonho, de progresso e consumo, passou a ser embalado pelo culto da performance, pela busca da excelência pessoal, pela fantasia de empreender, vencer e enriquecer. A nova utopia uniu trabalho, sucesso e propriedade; e cunhou um credo, que veio para ficar: “Ter, logo ser”.

Os novos tempos pediram novos líderes. De um lado do Atlântico, um ator desempenhou o papel de presidente, cultuou caubóis e os pôs a divulgar os ventos da nova era: individualismo, empreendedorismo e exibicionismo. Do lado oposto do Atlântico, uma primeira-ministra desempenhou o papel de imperadora, fazendo seu decadente império retroceder à Era Vitoriana para recuperar os mais caros valores da ilha e os instalar ali e alhures.

A aliança atlântica se estabeleceu por ideologia e afinidade, a forjar fotos e fatos. No dia seguinte, as corporações avançaram, o Estado emagreceu e os sindicatos minguaram. No terceiro dia vieram as privatizações, as consolidações e as reestruturações. No quarto dia, os novos deuses criaram a indústria do management, com as empresas de consultoria, as escolas de administração e os livros e revistas de gestão e negócios. Para a patuleia, a nova indústria vendia o sonho de ascensão, sucesso e reconhecimento.

Enamorada, a plebe depositou suas economias nos MBAs, buscou inspiração nos best sellers de gestão e caçou empregos nas consultorias e nos bancos de investimento. As escolas de negócios capricharam nos slogans: “Faça uma plástica em seu diploma”; “Um futuro de resultados”; “Veja com seus olhos o que poucos têm o privilégio de ver”; “Você será transformado”; “Aqui nós não ensinamos as novas regras, nós as escrevemos”.

A avassaladora paixão resistiu às mais turbulentas crises: os escândalos financeiros das décadas de 1980 e 1990, a bolha da internet e o colapso de megacorporações, sob a condução temerária de escroques e falsários. Depois de cada tempestade vinham as promessas de bom comportamento e emergia renovada a paixão, ainda mais forte.

Mas nem tudo ia bem no reino encantado do management. Depois de anos de crescimento, as consultorias perderam o vigor e o charme. Os best sellers de gestão foram rareando. As revistas de negócios, que antes empunhavam os porta-estandartes da mudança, se tornaram retrógradas e rançosas. A plebe deslumbrada finalmente começou a perder a fé nos MBAs, ao perceber que o investimento de tempo e dinheiro feito na sigla mágica não apresentava o retorno garantido.

Então, no fatídico ano de 2009, veio o xeque-mate: alguns bancos de investimento, guardiões ideológicos da nova era, bastiões de seus princípios e valores, ruíram como castelos de areia atingidos pela maré, e, pior, tiveram de ser socorridos por governos. Final triste e humilhante, acompanhado de ilusões perdidas e sonhos desfeitos.

O que nos reserva o futuro? Traída, a plebe talvez se volte contra sua antiga paixão. Quiçá, como um amante enganado, busque a vingança, cancele suas assinaturas de Exame e passe a defender a presença disciplinadora do Estado na economia. E em seguida as classes de MBA minguarão, as estantes de livros de negócios esvaziarão e os gurus de gestão perderão seus seguidores.

Como todo fim de caso, esse também poderá ser traumático. Porém, após a tempestade, é certo que venha a bonança, o ar ficará mais leve, a vida se tornará mais solta, as empresas voltarão a ocupar seus lugares, a plebe deslumbrada talvez deixe de se maravilhar com a Bolsa de Valores e volte a se encantar com belos recantos, e sons tranquilos, e doces odores, e prosas cumpridas... E um dia nos lembraremos dos anos 1990 e 2000 como um período estranho, movido por uma paixão sem coração, a nos inquietar a alma, cerrar a mente e curvar a espinha.

Fonte: revista Carta Capital

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