Dos que amam Ribeirão das Neves

Vista aérea do centro de Ribeirão das Neves (foto de 2005)

Por Cléber Sérgio de Seixas


Nas vésperas de se completarem 15 anos do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), é necessário fazer uma reflexão sobre a postura do poder público e das forças de segurança a ele subordinadas frente aos movimentos sociais. Antes de partir para tal reflexão, gostaria de tecer algumas considerações.

Neste artigo vou da orbi para a urbi a fim de mostrar aos leitores deste blog que em Ribeirão das Neves, cidade onde resido, existem indivíduos preocupados com os rumos sociais, econômicos e políticos da cidade, e que têm capacidade de influir nas decisões que afetam a municipalidade. Um exemplo são os que fazem parte da Rede ‘Nós Amamos Neves’, entidade que congrega vários grupos e movimentos sociais. Antes de passar às reivindicações de tal entidade, é necessário fazer uma breve contextualização histórica, social e econômica do município.

Ribeirão das Neves torna-se cidade em 1953, mas seu surgimento como povoado e distrito remonta ao século XVIII. Seu crescimento se confunde com a instalação em seu território de vários presídios, sendo o mais antigo deles o José Maria Alckmin, inaugurado em 1938. É uma das cidades mais populosas de Minas Gerais, com uma população que já ultrapassou os 300 mil habitantes, distribuída numa área de 154,67 km². Um dos fatores que contribuiu para a explosão demográfica de Neves nas duas últimas décadas foi o desordenado uso e ocupação do solo através da venda de lotes cujos valores não condiziam com a falta de infra-estrutura dos loteamentos.

Fonte: IBGE

A despeito do grande número de moradores, a cidade detém um dos mais baixos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Minas Gerais, e convive com a precariedade de serviços públicos como os de saúde, infra-estrutura, educação, cultura e lazer. Neves é considerado um município dormitório, visto que a maioria de seus habitantes trabalha na capital mineira ou em municípios vizinhos. O arremedo de centro industrial da cidade, denominado CIRIN (Centro Industrial de Ribeirão das Neves), concentra poucas indústrias e absorve pouca mão-de-obra local.

Outra característica marcante é a corrupção envolvendo membros do legislativo e executivo municipal, responsável por verdadeira sangria nos cofres públicos. Os exemplos são abundantes:
- Em 2006, todos os políticos do primeiro escalão da cidade (prefeito, vice e os 14 vereadores) tiveram seus bens bloqueados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) por conta de improbidade administrativa;
- Recentemente, Gracinha Barbosa, prefeita no período de 1989 a 1993, foi condenada por irregularidades na construção de escolas e obrigada a devolver ao caixa do município a quantia de R$ 1.800.000;
- Outro ex-prefeito, Ailton de Oliveira, foi condenado em última instância a devolver R$ 26 milhões aos cofres municipais (leia o artigo "Ex-prefeito foi condenado");
- O atual prefeito Walace Ventura Andrade responde a vários processos no TJMG.
Como se vê, o que Ribeirão das Neves tem sobejamente são políticos corruptos e unidades prisionais, o que lhe valeu a alcunha de ‘cidade dos presídios’ - ao todo são cinco.

A farra dos vereadores (matéria publicada no Jornal Estado de Minas em 19/06/2006)

Sob intensos protestos da sociedade civil nevense, em 2005 o governo do estado instalou mais um presídio na cidade. Enquanto são questionados na justiça a instalação e o funcionamento do presídio Inspetor José Martinho Drummond, o governo estadual fechou uma PPP (Parceria Público Privada) para a implantação de mais um complexo prisional no município. Será o primeiro presídio construído neste modelo de parceria no Brasil. O empreendimento está sendo construído na Fazenda Mato Grosso – supostamente uma área de proteção ambiental -, e terá capacidade para 3.040 presos, o que aumentará a população carcerária municipal para 7.200 detentos, aproximadamente. Trata-se de um empreendimento lucrativo para o consórcio que toca o "negócio" e extremamente prejudicial à municipalidade. O aumento da população carcerária trará mais conseqüências negativas ao município. Uma delas é a migração dos familiares dos presos para a cidade com o intuito de facilitar as visitações semanais. Outra conseqüência negativa é a estigmatização por conta da idéia de que uma cidade com tantos presídios deve, obrigatoriamente, ser violenta, o que espanta investimentos que poderiam mudar a realidade social do município.

É este o cenário sobre o qual incidem as preocupações dos membros da Rede ‘Nós Amamos Neves’. O movimento entende – e este blogueiro concorda – que a implantação de mais um complexo prisional agravará ainda mais a questão social do município.

Por conta disso, no dia 13 de fevereiro último, lideranças comunitárias e militantes da ‘Rede’ fecharam a BR-040, na altura da região do Bairro Veneza, em protesto contra a construção do complexo prisional supracitado. Por alguns minutos a rodovia foi totalmente bloqueada, sendo liberada em seguida sem nenhum incidente. Na ocasião foram distribuídos panfletos e exibidas faixas com mensagens de protesto.

No dia 10 de abril, integrantes da ‘Rede’ e lideranças comunitárias promoveram a ‘I Caminhada Ecológica Nós Amamos Neves’. O objetivo principal da caminhada era a sensibilização quanto à degradação ambiental levada a cabo pelas obras da construção do novo cadeião. O trajeto seria até o local onde está sendo construído o novo complexo prisional. As autoridades competentes (Polícia Militar, direção do presídio José Maria Alckmin e Transneves) foram previamente avisadas de forma documental, a fim de evitar incidentes. Este que vos escreve foi convidado e lá esteve registrando o evento.

A concentração

A marcha

Já na estrada que dá acesso ao canteiro de obras, a caminhada foi barrada por agentes do GIT (Grupo de Intervenções Táticas) armados com escopetas, lançadores de bombas, e acompanhados de um ameaçador cão pastor belga. Para surpresa dos caminhantes, alguns agentes do GIT usavam balaclava e não portavam nenhuma identificação. A estranheza da intervenção também correu por conta de que ali a maioria era constituída de mulheres, crianças, idosos e pessoas sem nenhum potencial ofensivo.

O bloqueio

Após momentos tensos, quebrados por discursos enfáticos e protestos dos presentes, um documento foi apresentado pela segurança do presídio informando que os manifestantes não poderiam dar seqüência à caminhada. Em meio a muita polêmica com as autoridades prisionais e com oficiais da PM, a caminhada foi abortada. Os integrantes da ‘Rede’ fizeram um boletim de ocorrência e prometeram fazer novas manifestações no futuro contra a construção do complexo prisional.

O que fica de lição é que os movimentos sociais, embora em grau bem inferior que na era FHC, são sempre demonizados e proscritos. Não fosse o bom senso dos agentes de segurança, da PM e dos manifestantes, quem sabe um novo Eldorado dos Carajás não teria ocorrido em Ribeirão das Neves no dia 10 de abril, haja vista que nos rincões se atira primeiro e se pergunta depois.

Apesar do episódio desagradável, como dizia um certo ex-presidente, a luta continua. Uma batalha perdida não necessariamente significa a derrota numa guerra. A ‘Rede’ continuará sua luta contra um legado cujo teor visa transformar o município numa cidade presídio. Que todos os que amam Ribeirão das Neves se unam contra esta aberração promovida pelo governo do estado e se engajem na luta. Nossa cidade precisa é de emprego, infra-estrutura básica, lazer e cultura. Essa causa contará sempre com o apoio deste blog.

Abaixo reproduzo vídeo com imagens da manifestação.



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Comentários

Caro Cléber,
Parabéns pelo artigo e a divulgação da nossa luta que também é sua. É o que eu tenho sempre afirmado, Neves não será mais a mesma, o povo tem tomado para si o gosto de conduzir a sua própria História e com este gesto a transformação irá paulatinamente crescendo nas mentes e ações deste povo que clama por justiça.
Um forte abraço!
Sidnei Martins
e Cleber sempre juntos amigos, por Neves, pelos movimentos sociais, como observadores sociais, estamos sempre juntos, e saiba que este trabalho esta só no começo, mas a muito para ser trilhado, e conte comigo, sempre! Rondinelli
Anônimo disse…
Caro Cléber, parabéns pela excelente reportagem que você fez sobre a I Caminhada Popular e ecológica, da Rede Nós Amamos Neves, em nome da Campanha da Fraternidade de 2011, realizada em 10/04/2011. O povo de Ribeirão das Neves está acordando e vai barrar a construção de mais presídios na cidade. O projeto do Governo de Minas (PSDB+DEM)de construir mais um grande complexo penitenciário em Ribeirão das Neves é inconstitucional, porque a Constituição prescreve que segurança pública é responsabilidade do Estado. É ilegal, porque em Minas há uma lei que diz que as prisões devem ter, no máximo, 170 presos. Logo, construir um presídio com 3.040 vagas é tremendamente ilegal. É estúpido, porque numa APAC um preso custa cerca de R$700,00 por mês; no sistema prisional tradicional, um preso custa cerca de R$1.400,00 e numa prisão privada, como a que o governo de MG quer construir, as empresas receberão acima de R$2.800,00 por cada preso por mês. É injusto com o povo Nevense, porque as áreas sociais em Ribeirão das Neves, estão num caos: saúde, educação, transporte, meio ambiente, segurança e desemprego generalizado. Logo, o que é justo é investir pesadamente nas áreas sociais. Mais: Não será aumentando o número de prisões que se superará a violência social e a insegurança social. Por justiça social, por direitos humanos e ambientais, estaremos sempre na luta. Conte conosco nesta luta tão justa, sublime e necessária. Frei Gilvander Luís Moreira, www.gilvander.org.br
Anônimo disse…
Nenhuma luta é de um dia, principalmente a luta contra a degradação ambiental, contra a poluição, em defesa do meio ambiente e da qualidade de vida, em todos os (des)governos estas lutas deverão ser intensificadas, pois a sustentabilidade do Planteta Terra começa em nossa casa, nosso bairro, nossa cidade... Solidarizamo-nos com os Caminhantes do dia 10/04/11. A luta continua. Márcia Silva - ASSOCIAÇÃO AMBIENTALISTA NATURAE VOX - RIBEIRÃO DAS NEVES - MG
Anônimo disse…
Gente enganécio de neves e tonho anestesia, juntamente com prefeitos anteriores fizeram de Ribeirão das Neves ou choro de Neves em uma cidade de renegados. Onde estão as indústrias, o comércio e o desenvolvimento das pessoas nessa cidade que só tem uma cerâmica como indústria?

não fiquem enganados com esses políticos que tentam abafar toda e qualquer tipo de manifestação e descontentamento.

Isso é o que eles chama de demoniocracia?

Por que não se busca recuperar os detentos e se criam cadeias e mais cadeias no Brasil?
Quem lucra com o medo gerado com a criminalidade?

Abram os olhos povo pacato, pois as coisas no Brasil do Pro-álcool vão de mal a pior.
A segurança pública quer prender cidadão de bem.
O sistema de saúde mata os pobres por falta de atendimento.
As escolas públicas estão a mercê de todo tipo de violência e criminalidade.

Será que os políticos que são eleitos pelo povo passam pelas mazelas que o povo passa?

O Troco pode ser dado nas urnas, não votando em ninguém. Anule seu voto.
Alexsander disse…
Fico orgulhoso de morar em Ribeirão das Neves quando vejo o povo unido e reivindicando seus direitos de cidadão, e envergonhado de ver a forma como foram tratados pelos agentes penitenciários que na sua maioria são moradores da nossa cidade, tenho certeza que estavam cumprindo ordens dos seus superiores e que isso é o seu trabalho, mas o que estou querendo dizer é o excesso na abordagem, a falta de respeito com as pessoas, as poses de superioridade. Então para esse "vibradores" mando um letra de uma banda punk que ouvi muito na minha formação de caráter quando era estudante em Neves:
"Você de arma na mão,tenha compaixão
Jogue isso no chão e junte-se a união
Você tem essa farda, não passa de um coitado
Não passa de um cidadão é mais um explorado."