Deixa disso, Kátia!
Por Mouzar Benedito *
Tocantins, caçula dos estados brasileiros, é muito interessante. Quente pra burro, mas suportável. Não é um calor daqueles que deixam as pessoas meladas, com a pele pegajosa.
Sua capital, Palmas, lembra Brasília pouco depois de criada. Está em construção ainda, mas é tudo grandioso. Basta dizer que a praça central tem mais de cinquenta hectares, ou seja, mais de quinhentos mil metros quadrados. Dar uma volta em torno dela só de carro, pois da enormidade a ser percorrida, é difícil andar sob o sol que queima.
E, surpresa: no meio da praça, tem um memorial à Coluna Prestes e um monumento aos 18 do Forte. Mais surpresa ainda: ambos foram construídos por Siqueira Campos, governador de direita. Ele teria sido estafeta da Coluna Prestes, daí sua admiração pelo ex-líder comunista.
Outra surpresa: Tocantins tem uma Academia de Letras que faz o que se espera de uma Academia de Letras: tem trabalhos de incentivo à leitura e à escrita.
Quando Lula foi inaugurar a chegada da ferrovia Norte-Sul a Porto Nacional, em Tocantins, eu estava em Palmas, ali pertinho. Tenho um fascínio por trens e podia ter ido à inauguração, mas não fui.
Um dos principais motivos era a temperatura de 41,3ºC em Porto Nacional (em Palmas, beirava os 40ºC), com uma umidade relativa do ar bem baixa. Outro é que sabia que haveria enxurradas de discursos, uma chatice. Meu fascínio é pelo trem, não pela badalação em torno dele, nem pelo Lula.
Fiquei em Palmas, pensando no destino da tal ferrovia. Viajando de avião de Brasília para a capital tocantinense, via lá embaixo a devastação do cerrado para dar lugar principalmente à soja, mas também a pastagens e à cana. Depois fiquei sabendo que até a monocultura do eucalipto já vai se propagando pelo estado.
Mas a cultura da soja é a mais simbólica da devastação do cerrado. Assim, a ferrovia vai servir, com certeza, para escoar a produção de soja. E com a facilidade para o transporte, mais devastação vem aí.
E o que tem a Kátia com isso?
A senadora Kátia Abreu, de Tocantins, é uma espécie de porta-bandeira do agronegócio, quer dizer, do pessoal que encara a agropecuária como um negócio, simplesmente. Para a maioria desse pessoal, preservação da natureza é uma babaquice, é uma atrapalhação. Se dependesse deles, toda a vegetação natural seria desmatada, tascariam soja, cana e gado em tudo quanto é lugar. Ah, nem me lembrem que quem se tornou um dos aliados da senadora na questão do desmatamento foi o deputado Aldo Rebelo, do PC do B (!).
Fui a Porto Nacional dois dias depois, com amigos que fiz em Tocantins. E ia ouvindo os comentários sobre aqueles pastos secos ou simplesmente campos queimados que dominavam quase todo o percurso. Era tudo cerradão. Era... não é mais. A sensação era de que o cerrado está condenado à morte e a condenação é irreversível.
Claro que a culpa não cabe exclusivamente à senadora Kátia Abreu, mas ela é uma líder nesse meio. Defende radicalmente o agronegócio — que considera vítima de preconceitos — e diz que esta é uma atividade que rende muito dinheiro ao Brasil, que é importante para a balança comercial. É verdade. A soja é um dos principais produtos de exportação. Dá dinheiro. E minha visão sobre o agronegócio é esta: só o dinheiro interessa. É um negócio. Agro é detalhe.
Lembrei-me então de um caipira do sul de Minas contando que tinha plantado feijão e arroz na sua propriedade. Um desses agricultores “modernos” ficou quase furioso com ele:
— Feijão, arroz... Isso não está valendo nada, não dá lucro, só dá trabalho. Por que você não planta café no sítio inteiro?
O caipira falou sério:
— Se a gente não plantar isso, o que é que o povo vai comer?
Tá aí a diferença. O dia em que ouvir um militante do agronegócio dizer seriamente que vai plantar o que o povo precisa e não o que rende mais, talvez eu perca um pouco da minha birra contra agronegociantes.
* Mouzar Benedito é mineiro de Nova Resende, geógrafo, jornalista e sócio fundador da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci).
Fonte: Revista Fórum - dezembro de 2010.
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Tocantins, caçula dos estados brasileiros, é muito interessante. Quente pra burro, mas suportável. Não é um calor daqueles que deixam as pessoas meladas, com a pele pegajosa.
Sua capital, Palmas, lembra Brasília pouco depois de criada. Está em construção ainda, mas é tudo grandioso. Basta dizer que a praça central tem mais de cinquenta hectares, ou seja, mais de quinhentos mil metros quadrados. Dar uma volta em torno dela só de carro, pois da enormidade a ser percorrida, é difícil andar sob o sol que queima.
E, surpresa: no meio da praça, tem um memorial à Coluna Prestes e um monumento aos 18 do Forte. Mais surpresa ainda: ambos foram construídos por Siqueira Campos, governador de direita. Ele teria sido estafeta da Coluna Prestes, daí sua admiração pelo ex-líder comunista.
Outra surpresa: Tocantins tem uma Academia de Letras que faz o que se espera de uma Academia de Letras: tem trabalhos de incentivo à leitura e à escrita.
Quando Lula foi inaugurar a chegada da ferrovia Norte-Sul a Porto Nacional, em Tocantins, eu estava em Palmas, ali pertinho. Tenho um fascínio por trens e podia ter ido à inauguração, mas não fui.
Um dos principais motivos era a temperatura de 41,3ºC em Porto Nacional (em Palmas, beirava os 40ºC), com uma umidade relativa do ar bem baixa. Outro é que sabia que haveria enxurradas de discursos, uma chatice. Meu fascínio é pelo trem, não pela badalação em torno dele, nem pelo Lula.
Fiquei em Palmas, pensando no destino da tal ferrovia. Viajando de avião de Brasília para a capital tocantinense, via lá embaixo a devastação do cerrado para dar lugar principalmente à soja, mas também a pastagens e à cana. Depois fiquei sabendo que até a monocultura do eucalipto já vai se propagando pelo estado.
Mas a cultura da soja é a mais simbólica da devastação do cerrado. Assim, a ferrovia vai servir, com certeza, para escoar a produção de soja. E com a facilidade para o transporte, mais devastação vem aí.
E o que tem a Kátia com isso?
A senadora Kátia Abreu, de Tocantins, é uma espécie de porta-bandeira do agronegócio, quer dizer, do pessoal que encara a agropecuária como um negócio, simplesmente. Para a maioria desse pessoal, preservação da natureza é uma babaquice, é uma atrapalhação. Se dependesse deles, toda a vegetação natural seria desmatada, tascariam soja, cana e gado em tudo quanto é lugar. Ah, nem me lembrem que quem se tornou um dos aliados da senadora na questão do desmatamento foi o deputado Aldo Rebelo, do PC do B (!).
Fui a Porto Nacional dois dias depois, com amigos que fiz em Tocantins. E ia ouvindo os comentários sobre aqueles pastos secos ou simplesmente campos queimados que dominavam quase todo o percurso. Era tudo cerradão. Era... não é mais. A sensação era de que o cerrado está condenado à morte e a condenação é irreversível.
Claro que a culpa não cabe exclusivamente à senadora Kátia Abreu, mas ela é uma líder nesse meio. Defende radicalmente o agronegócio — que considera vítima de preconceitos — e diz que esta é uma atividade que rende muito dinheiro ao Brasil, que é importante para a balança comercial. É verdade. A soja é um dos principais produtos de exportação. Dá dinheiro. E minha visão sobre o agronegócio é esta: só o dinheiro interessa. É um negócio. Agro é detalhe.
Lembrei-me então de um caipira do sul de Minas contando que tinha plantado feijão e arroz na sua propriedade. Um desses agricultores “modernos” ficou quase furioso com ele:
— Feijão, arroz... Isso não está valendo nada, não dá lucro, só dá trabalho. Por que você não planta café no sítio inteiro?
O caipira falou sério:
— Se a gente não plantar isso, o que é que o povo vai comer?
Tá aí a diferença. O dia em que ouvir um militante do agronegócio dizer seriamente que vai plantar o que o povo precisa e não o que rende mais, talvez eu perca um pouco da minha birra contra agronegociantes.
* Mouzar Benedito é mineiro de Nova Resende, geógrafo, jornalista e sócio fundador da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci).
Fonte: Revista Fórum - dezembro de 2010.
Comentários
1º a agricultura familiar. Pra quem tem 5 hectares ter que preservar metade disto é muita coisa, mas pra quem tem 5, 10 ou 20 mil hectares a diferença é pouca, a maioria não cultiva nem 30% das suas terras.
2º a soberania alimentar, pois 70% do que comemos no país sãoproduzidos pela agricultura familiar.
3º e pra finalizar o próprio meio ambiente, pois o código anterior era muito burlado tornando vários agricultores ilegais e com este todos poderão se enquadrar.
Saudações...
Marcelo de Santo André