Serra e Globo: uma história de amor


Por Cléber Sérgio de Seixas

A trilogia das entrevistas com os candidatos à presidência não poderia terminar de forma mais ridícula. Depois de Dilma e Marina, José Serra foi o entrevistado do Jornal Nacional.

A sabatina já começa de forma tendenciosa, com Bonner afirmando que José Serra tem evitado críticas a Lula e, logo em seguida, perguntando ao presidenciável se esta seria uma postura esperada de um candidato de oposição.

Candidato, desde o início desta campanha, o senhor tem procurado evitar críticas ao presidente Lula. O senhor acha que... E em alguns casos fez até elogios a ele... o senhor acha que essa é a postura que o eleitor espera de um candidato da oposição?
Antes de se prosseguir analizando a afirmação de Bonner, é necessário distinguir uma crítica à pessoa de Lula de uma crítica ao governo Lula. De fato, não tenho notícias de críticas à pessoa de Lula por parte de Serra, o que seria um tiro no pé. Por outro lado, as críticas do tucano à gestão de Lula são uma constante há anos. Só para ficar nas mais recentes - e no site da Globo - o leitor pode encontrar uma amostra das críticas aqui, aqui e aqui. Assim sendo, Bonner mente na afirmação que antecedeu a primeira pergunta.

O senhor tem insistido muito na tecla de que o eleitor deve procurar comparar as biografias dos candidatos que estarão concorrendo, que estão concorrendo nesta eleição. O senhor evita uma comparação de governos. Por exemplo, por quê, entre o governo atual e o governo anterior?
Depois das considerações do tucano, Fátima Bernardes dá uma deixa para Serra ao dizer que ele evita a comparação do governo atual com “governos anteriores”. Desta feita, a entrevistadora concede ao ex-governador a oportunidade de reiterar a tese de que tudo de bom que o governo Lula colheu foi plantado na era FHC. Fátima insiste na questão da comparação entre os dois últimos governos (FHC e Lula) para que Serra tenha mais tempo para discorrer sobre seus feitos, o que ele faz com maestria, mesmo que entre uma verdade e outra diga algumas mentiras.

Uma questão política. Nesta eleição, existem contradições muito claras nas alianças formadas pelos dois partidos que têm polarizado as eleições presidenciais brasileiras aí nos últimos 16 anos, né? O PT se aliou a desafetos históricos. O seu partido, o PSDB, está ao lado do PTB, um partido envolvido no escândalo do mensalão petista, no escândalo que inclusive foi investigado e foi condenado de forma muito veemente pelo seu partido, o PSDB. Então, a pergunta é a seguinte: o PSDB errou lá atrás quando condenou o PTB ou está errando agora quando se alia a esse partido?
Em seguida, Bonner toca na questão das alianças entre os dois partidos que têm polarizado a disputa à presidência, e afirma que o PT se aliou a adversários históricos e o PSDB se aliou ao PTB, partido envolvido no "mensalão" petista. Percebam que o entrevistador faz questão de dizer “mensalão petista". A estratégia foi clara: citar a aliança do PSDB com o PTB para chegar ao "mensalão" do PT. Porque Bonner não citou a aliança entre o PSDB e o DEM, partido que teve membros envolvidos num esquema que foi visto em vídeo e em cores por todo os brasileiros? É sabido que o "mensalão" do PT ainda é algo a ser provado, enquanto o "mensalão" do DEM tornou-se visível e notório.

Candidato, nesta eleição, quer dizer, o senhor destaca muito a sua experiência política. Mas na hora da escolha do seu vice, houve um certo, um certo conflito com o DEM exatamente porque houve uma demora para o aparecimento desse nome. Muitos dos seus críticos atribuem essa demora ao seu perfil centralizador. O nome do deputado Índio da Costa apareceu 18 dias depois da sua oficialização, da convenção que oficializou a sua candidatura. É... O senhor considera que o deputado, em primeiro mandato, está pronto para ser o vice-presidente, uma função tão importante?
Na sequência, a pergunta de Fátima sobre a escolha do vice pouco depois do anúncio da candidatura Serra, o que seria um indicativo do perfil centralizador do governador de São Paulo, possibilita que ele tente exorcizar aquela que é uma das maiores marcas de sua gestão, ou seja, o centralismo, ou o despotismo, como queiram. De quebra, a pergunta também dá chance de o tucano traçar o perfil de seu vice (um desconhecido dos brasileiros até pouco tempo). Fátima auxilia o entrevistado na empreitada ao afirmar que seu vice passou por três mandatos de vereador (Mas a experiência dele é municipal, na verdade, não é? Ele teve três mandatos de vereador, o senhor acha que isso o qualifica?). Vale lembrar aqui que o vice de Serra é aquele que há menos de um mês acusou, sem provas, o PT de ter ligações com as FARC.

Candidato, eu gostaria de abordar um pouquinho também da sua passagem pelo governo de São Paulo. O senhor foi governo em São Paulo durante quatro anos, seu partido está no poder em São Paulo há 16 anos. Então é razoável que a gente avalie aqui algumas dessas ações. A primeira que eu colocaria em questão aqui é um hábito que o senhor mesmo tem de criticar o modelo de concessão das estradas federais. De outro lado, os usuários, muitos usuários das estradas estaduais de São Paulo que estão sob regime de concessão, se queixam muito do preço e da frequência com que são obrigados a parar para pedágio, quer dizer, uma quantidade de praças de pedágio que eles consideram excessiva. Pergunta: o senhor pretende levar para o Brasil inteiro esse modelo de concessão de estradas estaduais de São Paulo?
A pergunta de Bonner sobre a questão dos pedágios foi feita com o cuidado de contrapor o modelo de concessão paulista com o modelo federal. Na resposta, Serra embromou, embromou, e só falou mal das más condições das rodovias federais sem responder a pergunta, justificando o alto preço dos pedágios.

Nessa entrevista, faltaram perguntas sobre o “mensalão” do DEM, sobre o tratamento truculento dado pelo governo de São Paulo aos professores grevistas, sobre o caso Alstom, sobre a cratera do metrô paulista, sobre o enfrentamento campal das polícias civil e militar de São Paulo, sobre o diploma de Serra, sobre as ações criminosas do PCC, etc.

Concluo que a sabatina transcorreu feito um chazinho entre comadres; como uma paixão antiga, com direito a mil pedidos de perdão. Todos, entrevistado e entrevistadores, eram só sorrisos.

Após as três entrevistas (Dilma, Marina e Serra), arrisco inferir que o objetivo final não foi fazer conhecidas as propostas dos entrevistados, mas “queimar o filme” do PT, do governo Lula e, por conseguinte, de Dilma Rousseff. O “casal 20” global foi duríssimo com Dilma, moderado com Marina e light com Serra. Se partirmos do pressuposto que Willian Bonner compara o telespectador ao personagem Homer Simpson, entenderemos que a Globo só confirmou sua vocação golpista e tendenciosa.

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