A religião e a alienação da realidade

Por João Batista Libânio*

O dito de Marx "a religião é ópio do povo" correu mundo e persiste até hoje em mentes antirreligiosas. Onde está a verdade de tal afirmação? Totalmente vazia não será. Mas também não goza de evidência. Fatos a contradizem.

No momento, vivemos visível explosão do sagrado. Como depois de tanto tempo de batalha iluminista e marxista contra a dimensão humana religiosa, esta persiste vigorosa e viva? Que acontece com esse ser humano rebelde aos impactos da razão moderna autônoma, secularizante?

A razão canaliza o fluxo da religião para direções almejadas e, às vezes, contraditórias. Por isso, cabe análise cuidadosa para enfrentar o fenômeno que alguns apelidaram de "vingança do sagrado" ou de "volta" de algo que, de fato, nunca realmente partiu.

Algo de verdade existe na secularização no sentido de modificar profundamente a posição da religião na sociedade. Ela já não a rege, como o fizera em tempos de cristandade. A revolução laicizante cumpriu o papel de retirar a esfera do político, do cultural, do social do comando direto e todo-poderoso da religião oficial. O Estado estabelece com a religião alianças quando tira proveito dela, mas não aceita o papel de dependência. Enquanto a religião, em dado momento histórico, prestou serviços à classe dominante e impediu a rebelião das massas, o grito de emancipação a considerou com justiça ópio do povo.

A América Latina, por sua vez, conheceu o oposto. Nos anos escuros dos regimes militares, a religião, encarnada especialmente por setores da Igreja Católica, passou da categoria de ópio para subversiva. Bispos, padres, religiosos (as), leigos (as) engajados socialmente foram perseguidos e alguns torturados e assassinados. Desmentiu-se claramente o slogan marxista.

Até hoje grupos da Igreja, ligados à Teologia da Libertação, agitam a bandeira da transformação social do sistema capitalista neoliberal, despertando fúrias da imprensa liberal. Esta, sim, cumpre função alienadora, protegendo os interesses das classes dominantes em detrimento das camadas populares.

A religião, portanto, não tem, por sua natureza, nenhuma substância entorpecente da consciência crítica. Depende da aliança que estabelece. Se ela se articula com os poderes burgueses, lhes presta o serviço de domar as classes pobres a fim de manter o sistema intocado. Se, pelo contrário, ela opta pelos pobres e marginalizados da sociedade, então assume o sinal contrário.

Como se explica que ela oscila em tal movimento? Indo fundo na natureza da religião, captamos-lhe o núcleo. Ela existe para ligar - re+ligar = religião - o ser humano com o transcendente.

Nesse movimento em direção ao divino, a pessoa interpreta o transcendente a partir de sua situação existencial. E a religião potencializa tal percepção. Alguém que se sente feliz e contente com a posição social, busca uma religião para justificar sua situação, mesmo à custa de outros. Aliena-se da realidade dos infelizes. E vice-versa, estes veem nela força que os anima na luta pela justiça e transformação social. Então a religião liberta!


* João Batista Libânio é padre jesuíta, teólogo e escritor. É vigário da paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasiano, na Grande Belo Horizonte.

Fonte: Jornal O Tempo, 10 de julho de 2011.
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Comentários

Anônimo disse…
tantas mentes brilhantes opinando sobre religião, mas a única que importa não encontra espaço na mente humana, que esta muito ocupada com memórias de "grandes" mortos. isso mesmo se ocupem com o que podem: "religião", politica, ciências, até o ultimo instante da sua vida, e saiba que até o ultimo instante da sua vida Deus, o único que é brilhante, pode te dar uma chance, se você permitir. Deus esta acima do raciocínio humano, dos grandes pensadores, da politica pobre e hipócrita...
Anônimo disse…
então porque não postaram meu comentário?