O despertar da cidadania em Ribeirão das Neves



Por Cléber Sérgio de Seixas


A democracia, remontando a sua raiz etimológica e entendida como o povo no poder influindo nos rumos decisórios de uma nação, estado ou município, não é uma dádiva ou favor que se recebe de políticos ou de poderosos. É, antes, algo que se conquista, que se obtém com muita luta, protestos, reivindicações e, parafraseando Winston Churchill, com sangue, suor e lágrimas.

No Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, o Nobel de Literatura, José Saramago, afirmou que a democracia hoje é como uma santa no altar. É realmente assim que muitos estão diante dela: numa posição adorativa, suplicante, esperando por milagres que nunca acontecem. Podemos chamar tal democracia de delegativa, ou seja, aquela em que o poder é delegado aos eleitos para que estes o exerçam em nome do povo. No entanto, pode ocorrer que, uma vez empossados, aqueles que deveriam exercer suas funções em nome da maioria, acabem por fazê-lo em prol de si mesmos ou em favor de uma minoria de abastados, de uma elite que põe seus interesses acima dos do povo.

Levando em conta esse paradigma, muitos têm se organizado e alçado suas vozes contra as ditaduras econômico-políticas travestidas de democracias. Pessoas comuns, recentemente, ganharam as ruas e as praças da Tunísia, do Iêmen, do Egito, da Espanha e da Grécia para dizerem, em uníssono, um “não!” à supremacia do capital sobre o trabalho, às ditaduras e às pseudo-democracias, e um “sim!” à democracia direta e participativa.

Esse revival da cidadania que costumo chamar de “primavera dos povos do século XXI” é decorrência direta dos esgarçamento do modelo neoliberal, esta fase terminal do capitalismo cujo maior mérito foi aprofundar ainda mais o fosso existente entre ricos e pobres. Nesse despertar da consciência social, a sociedade civil precisa estar preparada e deve se organizar para definir o que deseja reivindicar de seus governantes, de forma que estes se pautem de acordo com as necessidades daquela.

Se o socialismo real jaz sob os escombros do Muro de Berlim, o capitalismo, em sua variante neoliberal, nesses 22 anos de unipolaridade hegemônica, mostrou suas verdadeiras faces - a da concentração da riqueza nas mãos de uns poucos, a da exclusão das classes economicamente desfavorecidas e a da destruição do meio ambiente – e também já se encontra em seus estertores.

A democracia delegativa está fazendo água por todos os lados, sobretudo em decorrência da corrupção política, do esvaziamento ideológico dos partidos, do “caixa 2” durantes as campanhas eleitorais etc. O distanciamento entre cidadão e eleito beneficia aos que, após a investidura no cargo, agem como se não devessem satisfações a quem os elegeu.

Uma das conseqüências mais graves desse status quo é a apatia política por parte dos cidadãos. Muitos já se desencantaram com os políticos e, por extensão, com a política. Para tais “tanto faz, tanto fez” quando o assunto é exercer seus direitos políticos. No entanto, é preciso lembrar as palavras de Bertold Brecht: “quem não gosta de política é governado por quem gosta”. Assim sendo, os cidadãos, sobretudo aqueles de menor renda, devem ser os primeiros a interessar-se pelos rumos políticos de sua cidade, estado ou nação.

Como nossa democracia ainda não dispõe de mecanismos de exercício direto ou os utiliza de forma ainda tímida (referendos, plebiscitos e iniciativas populares), resta aos cidadãos a mobilização política através de outros canais. Um destes são os movimentos sociais, vanguarda do exercício da participação política.

Em anos recentes, a sociedade civil de Ribeirão das Neves/Minas Gerais vem se organizando em movimentos sociais, pastorais, sindicatos, associações de bairro, ONGs, etc, a fim de colaborar com a instauração de novos tempos nessa tão sofrida cidade que, a despeito de ter plenas condições de desenvolver-se e ocupar posição de destaque no cenário econômico e social de Minas Gerais, vem há anos, pelo contrário, se destacando, por exemplo, como a que detém a maior população carcerária do estado e a que apresenta o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da RMBH. Para que Ribeirão das Neves chegasse a tal situação, há anos cooperam a inépcia e a corrupção de alguns políticos, aliada à apatia política de grande parte da população do município.

Essa história começou a mudar de uns anos pra cá. Despertados de sua letargia, vários cidadãos nevenses têm se unido na luta pela construção da cidadania em prol de mudanças nos rumos políticos, econômicos e sociais de Ribeirão das Neves, organizados em entidades como associações de bairro, sindicatos, ONGs’s, pastorais etc. Algumas destas entidades deram corpo à Rede ‘Nós Amamos Neves’. Desde sua criação, tal rede tem feito a diferença na cidade, por exemplo, lutando bravamente contra a implantação de mais presídios no município, dando seu apoio aos movimentos que lutam pela melhoria nos serviços públicos de transporte, apoiando a luta dos professores municipais que estão há mais de 40 dias em greve e cooperando com associações de bairro.

Dando sequência a esse ciclo de mobilizações e combatividade, a Rede ‘Nós Amamos Neves’ fará o 1° Encontro de Movimentos Populares de Ribeirão das Neves, oportunidade ímpar para que os movimentos sociais populares da cidade se organizem ainda mais, se conheçam, troquem experiências e apontem caminhos alternativos para uma cidade cujos moradores já estão cansados de serem tratados com descaso pelo poder público local e estadual.

O encontro será no dia 31 de julho, a partir das 08 horas, no Centro de Convenções da Cidade dos Meninos, em Ribeirão das Neves. Para participar, basta acessar o blog do Encontro ou então enviar um e-mail com nome, movimento popular a que pertence e telefone para o e-mail mobilizaneves2011@gmail.com.

É hora de a sociedade civil organizada em movimentos populares fazer ecoar a sua voz, mostrar mais uma vez a sua força e apontar caminhos para Ribeirão das Neves, rompendo um clico de descasos e mazelas que na cidade já dura décadas.

Participe!
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