Magalhães Pinto: do Manifesto ao golpe


Por Cléber Sérgio de Seixas

Sabe-se que um dos mentores políticos de um golpe militar que completa hoje 47 anos foi o então governador de Minas Magalhães Pinto. Juntamente com os colegas da Guanabara (Rio de Janeiro) e São Paulo, respectivamente Carlos Lacerda e Ademar de Barros, o governador mineiro liderou a oposição a Jango.

O político udenista mineiro, que 21 anos antes do golpe havia assinado o Manifesto dos Mineiros, carta aberta onde intelectuais de Minas defendiam o fim da ditadura do Estado Novo e a redemocratização do país, aos 31 de março de 1964 se prestava ao papel de vivandeira de quartel. Graças ao governador mineiro as Gerais se tornaram o berço onde foi gestado e concebido o mais pérfido atentado à democracia que este país tem notícia.

Se no Manifesto dos Mineiros a intenção de Magalhães era livrar o Brasil de uma ditadura de direita, em outro manifesto, lançado em 31 de março de 1964, o objetivo era o contrário. Leiam este segundo manifesto na íntegra abaixo:

Brasileiros:

Foram inúteis todas as advertências que temos feito ao País contra a radicalização de posições e de atitudes. Contra a diluição do princípio federativo, pelas reformas estruturais dentro dos quadros do regime democrático. Finalmente, quando a crise nacional ia assumindo características cada vez mais dramáticas, inútil foi também nosso apelo ao Governo da União para que se mantivesse fiel à legalidade constitucional.


Tivemos, sem dúvida, o apoio de forças representativas, todas empenhadas em manifestar o sentimento do povo brasileiro, ansioso de paz e de ordem para o trabalho, único ambiente propício à realização das reformas profundas que se impõem, que a Nação deseja, mas que não justificam, de forma alguma, o sacrifício da liberdade e do regime.
O Presidente da República, como notoriamente o demonstram os acontecimentos recentes e sua própria palavra, preferiu outro caminho: subverter, o de submeter-se à indisciplina nas Forças Armadas e o de postular ou, quem sabe, tentar realizar seus propósitos reformistas com sacrifício na normalidade institucional e acolhendo planos subversivos que só interessam à minoria desejosa de sujeitar o povo a um sistema de tirania que ele repele.
Ante o malogro dos que, ao nosso lado, vinham proclamando a necessidade de reformas fundamentais, dentro da estrutura do regime democrático, as forças sediadas em Minas, responsáveis pela segurança das instituições feridas no que mais lhes importa e importa ao país – isto é, a fidelidade aos princípios de hierarquia, garantidores da normalidade institucional e da paz pública, consideraram de seu dever entrar em ação, a fim de assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio Presidente da República.
Move-as a consciência de seus sagrados compromissos para com a Pátria e para com a sobrevivência do regime democrático. Seu objetivo supremo é o de garantir às gerações futuras a herança do patrimônio da liberdade política e de fidelidade cristã, que recebemos de nossos maiores e que não podemos ver perdido em nossas mãos.

A coerência impõe-nos solidariedade a essa ação patriótica. Ao nosso lado estão todos os mineiros, sem distinção de classes e condições, pois não pode haver divergência quando está em causa o interesse vital da Nação Brasileira. É ela que reclama, nessa hora, a união do povo, cujo apoio quanto mais decidido, e sem discrepâncias, mais depressa permitirá o êxito dos nossos propósitos de manutenção da lei e da ordem.
Que o povo mineiro, com as forças vivas da Nação, tome a seu cargo transpor esse momento histórico. Só assim poderemos atender aos anseios nacionais de reforma cristã e democrática. Esse o fruto que nos há de trazer a legalidade, por cuja plena restauração estamos em luta e que somente ela poderá conseguir.”

Veja o leitor que no discurso do ex-governador não faltaram palavras como radicalização, subverter, indisciplina, subversivos e, por outro lado, lei, ordem, legalidade, hierarquia e normalidade. Trata-se do vocabulário daqueles que sempre enxergam no progressismo de governos populares um atentado a seus interesses e à “moral cristã” e aos “bons costumes” de uma minoria que sempre se viu privilegiada pela atuação de governos conservadores. No golpe, a elite vestiu a farda e transformou o país numa república castrense sob a égide dos interesses de Washington.

Nas eleições de 2010 este discurso retornou. Só não tivemos a marcha da família, mas faltou pouco, haja vista o fundamentalismo religioso que pautou boa parte da última disputa eleitoral para presidente.

Assim, sempre é necessário lembrarmos o 31 de março de 1964; não como uma data comemorativa, mas como um alerta contra as forças conservadoras e fascistas que se refugiaram nas sombras da história brasileira, mas continuam à espreita, esperando ocasião oportuna para se manifestar.
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