Tropa de elite ou tropa da elite?

Por Cléber Sérgio de Seixas

Na última sexta-feira eu e alguns amigos conversávamos sobre as ações que estavam sendo levadas a cabo no Complexo do Alemão pela força tarefa cujo efetivo é composto pelas forças armadas e pelas polícias Civil, Militar e Federal. Depois de muita argumentação, um colega de faculdade afirmou, em tom de galhofa, que todos os bandidos do Rio de Janeiro deveriam ser colocados dentro do Carandiru e mortos. Afirmei que, mesmo que o Carandiru ainda existisse, e fosse periodicamente esvaziado à bala, o problema da marginalidade e do tráfico não seria resolvido. É sobre a inocência de tratar com as conseqüências enquanto as causas permanecem intactas, que quero concentrar minha análise neste artigo.

Ao me manifestar aqui, não quero que o leitor me tenha como contrário às ações que ora estão sendo empreendidas pela força tarefa carioca. Parabenizo o governador Cabral, seu secretário de segurança e o alto comando pela ação. O que tenho a intenção de destacar é que tomar o território das mãos dos narcotraficantes é apenas o passo inicial rumo à pacificação das favelas do Rio de Janeiro.

“Combata a violência, mate um bandido!” dizem aqueles que preferem o recurso ao maniqueísmo à análise das questões sócio-econômicas geradoras da criminalidade. Segundo esses afoitos, o que doravante chamarei de Questão Carioca se confunde com um embate entre o bem e o mal. No âmbito da Questão Carioca, a encarnação do mal ficaria por conta dos marginais e dos traficantes que povoam e aterrorizam os morros do Rio de Janeiro, enquanto a personificação do bem seriam os policiais e os militares cuja missão é tomar de assalto as comunidade há muito subjugadas pelo crime organizado e abrir caminho para a implantação das UPP. Em entrevista recente, o próprio secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, se referiu ao Complexo do Alemão como o “coração do mal”. Gostaria que fosse simples assim, mas há mais nuances entre o claro e o escuro do que supõe nossa limitada visão.

Vários veículos de comunicação têm optado pela cobertura sensacionalista dos fatos, fazendo apologia à atuação dos militares - apresentados como guerreiros envolvidos numa cruzada do bem contra o mal - e à exaustão exibindo imagens de tiroteios, de veículos incendiados e de populares em desespero. O padrão “Datena” (ou “dá pena”) de cobertura midiática chama de guerra o que deveria ser conhecido como falência do Estado em relação à população pobre. Nenhuma contextualização é feita em relação a como se chegou a tal situação. Nenhuma análise dos porquês do povoamento dos morros cariocas por gente sem eira nem beira; nem um pio acerca das causas da ascensão do poderio dos narcotraficantes; exíguas palavras sobre a rede de consumo de drogas que fomenta o tráfico; pouco sobre a corrupção policial e política que o favorece; quase nada sobre as milícias que em alguns locais já se sobrepõem ao narcotráfico. Em suma, poucas ou nenhuma palavra sobre o processo de vulnerabilização social que empurra milhares de jovens para a criminalidade e para o tráfico.

É louvável a iniciativa de implantação das UPP. No entanto, a ação do Estado por intermédio de tais unidades não pode se resumir em aulas de informática para crianças das comunidades, na criação de ginásios poliesportivos para os trabalhadores se divertirem depois do trabalho ou na construção de teleféricos para facilitar o acesso aos morros. As UPP sozinhas não vão dar conta do recado. É necessário fortalecer as lideranças comunitárias, cuja importância foi sendo diminuída em decorrência do avanço do poderio dos chefões tráfico, urbanizar as favelas, criar programas de pleno emprego e inserção no mercado de trabalho, criar opções de lazer e cultura dentro das comunidades etc.

Outro aspecto que quero aqui abordar é quanto às intenções por detrás das ações. Os bastidores da espetacular ação que tem como objetivo a implantação das UPP não seriam apenas o pano de fundo de uma guerra travada em prol de objetivos nada populares como a varredura da “sujeira” para debaixo do tapete em virtude de eventos que se avizinham como a Copa do Mundo e as Olimpíadas? Não estariam os morros sendo “pacificados” em nome de uma expansão do setor imobiliário? Se na ficção de Tropa de Elite o terreno foi preparado para a visita do Papa, na vida real não estaria simplesmente sendo preparado o terreno para os supramencionados eventos? São hipóteses, mas se alguma delas se revelar verdadeira, acredito que as tropas que “libertaram” o Alemão e prometem “libertar” outras comunidades devam ser chamadas não de tropas de elite mas de tropas da elite.

Se a atuação do poder público no que concerne ao combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro se resumir à expulsão de traficantes de morros e à implantação das UPP, temo que o triunfo se resumirá em algumas batalhas, enquanto a grande guerra ainda estará por vencer.

Sei que vou chover no molhado ao afirmar que uma das principais causas da Questão Carioca, ao lado da impunidade e da corrupção, é a falta de oportunidades decorrente da injustiça social que assola nosso país, mas nunca é demais repetir que ações pontuais como as que foram postas em movimento na última semana no Rio de Janeiro devem sim ser feitas, mas, para que logrem êxito em longo prazo, devem ser respaldadas por políticas sociais que promovam mudanças estruturais na vida do sofrido povo carioca.

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