Da apatia política à cidadania

Por Cléber Sérgio de Seixas

No início desta semana, escutei um diálogo numa fila de um dos restaurantes populares de Belo Horizonte cujo teor girava em torno dos motivos para a escolha de um ou outro candidato no 2º turno das eleições presidenciais. Um senhor dizia que o governo Lula foi o pior dos últimos tempos, enquanto sua interlocutora argumentava que não votaria em Dilma porque seu vice era adorador do diabo. Resolvi intervir na conversa dizendo à moça que aquilo não passava de um dos vários boatos disseminados pela internet para prejudicar a candidatura de Dilma. Ela retrucou dizendo que um amigou seu ouviu aquilo de outro amigo que por sua vez ouviu de outro... Já quase vencidos em suas argumentações, resolveram atacar o PT dizendo ser o partido composto só de corruptos. A ironia ficou por conta do fato de que a idéia dos restaurantes populares em BH, projeto elogiado e premiado por entidades internacionais, foi obra e graça de um prefeito petista: Patrus Ananias. Assim, de certa forma, os que ali criticavam Lula e o PT, cuspiam no prato em que comiam.

Este episódio revela a falta de memória da grande maioria dos brasileiros. Não me refiro aqui à memória de um passado distante, e sim dos últimos oito anos do governo Lula. São inegáveis os avanços da nação sob a gestão Lula, tal como é estatisticamente comprovado que sob a batuta do petista o Brasil avançou muito mais em termos de inclusão social, crescimento econômico, distribuição de renda, respeito e projeção na geopolítica mundial, do que durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Dirão alguns que Lula só recebeu a herança bendita da gestão tucana, mas isso não se sustenta nem pelos fatos nem pelos dados. Uma das provas do fracasso da política econômica neoliberal tucana foi a falta de investimento da era FHC que redundou num “apagão” que obrigou milhões de brasileiros serem comedidos no consumo de energia elétrica.

Poucos são os que se lembram do desemprego durante os anos 90, os que se recordam da repressão aos movimentos sociais, com destaque para o massacre de Eldorado dos Carajás, e das privatizações que venderam grande parcela das nossas grandes empresas públicas ao capital estrangeiro a preços módicos – o exemplo da Vale do Rio Doce é emblemático. Também são poucos os que se recordam do quão difícil era para o cidadão de poucos recursos a aquisição de um automóvel, de como era quase impossível o ingresso de um jovem humilde numa faculdade, do como não passava de um sonho distante para o pobre viajar de avião. Poucos também se lembram dos episódios que macularam a gestão tucana (mensalão para aprovação da emenda da reeleição, escândalo do “socorro” aos bancos Marka e FonteCindam, o escândalo do Sivam, as propinas na privatização do sistema de telecomunicações, os vários acidentes ambientais protagonizados pela Petrobrás, o aumento de mais de 300% da dívida pública etc). Poucos, também, são aqueles que se lembram do procurador-geral da República Geraldo Brindeiro, o “engavetador-geral da união”, apelidado assim por arquivar inquéritos criminais contra deputados, ministros e contra o próprio Fernando Henrique Cardoso.

Como disse certa vez o saudoso Nelson Gonçalves, este país não tem memória. É possível que uma parcela considerável dos 28 milhões que foram elevados à classe média opte amanhã pelo voto no candidato José Serra, esquecida dos benefícios da era Lula. Tal atitude só pode ser explicada à luz da despolitização e da alienação promovida pelos grandes meios de comunicação.

Grande parte dos cidadãos tem aversão à política. Tal antipatia tem uma de suas raízes na forma como a grande mídia aborda as questões políticas e como apresenta os políticos. É dever dos meios de comunicação denunciar as mazelas políticas e lutar pela condenação daqueles que se apropriam do público para satisfazer a seus interesses privados. Além disso, é obrigação da grande mídia apresentar os corruptos e ímprobos de todos os segmentos do leque político, ao invés de eleger como Judas um partido e concentrar nele suas denúncias, como se apenas nele se abrigassem os de má índole. Contudo, tal abordagem não pode visar criar nos cidadãos um desinteresse pela política, o que só beneficia aos maus políticos. A máxima de Bertold Brecht ainda hoje é válida: “Quem não gosta de política é governado por quem gosta”.

Quero, então, declarar meu voto pela continuidade de um processo iniciado em 2003 e que pode ter seqüência no governo de Dilma Rousseff. Tal processo pode, de uma vez por todas, romper o legado dos 500 anos em que a Casa Grande sujeitou a Senzala, em que uma minoria composta pelas classes alta e média alta ditou os rumos políticos e econômicos do país em detrimento dos interesses de uma esmagadora maioria.

Assevero, porém, que a democracia não pode se resumir a voto e que, uma vez empossados os eleitos em sufrágio popular, os brasileiros devem cobrar deles as propostas por eles apresentadas em campanha e a probidade no exercício de seus mandatos, além de exercerem sua cidadania participando das questões políticas. O povo brasileiro precisa saltar da apatia política para a cidadania, da alienação para a participação.

Que amanhã a verdade suplante a mentira que ganha fôlego nos boatos disseminados boca a boca, e-mail a e-mail. Que o Brasil siga crescendo, distribuindo renda e promovendo justiça social. Torço para que amanhã, mais uma vez, a esperança vença o medo.

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