Temores de ontem e de hoje
Por Cléber Sérgio de Seixas
A uma semana da eleição já é possível vislumbrar no horizonte a vitória da candidata Dilma Rousseff. O saldo até aqui é positivo e é esperado que a fatura seja liquidada logo no primeiro turno. Contudo, diante do que tem sido protagonizado pela mídia nos últimos dias, um pouco de atenção e cautela se fazem necessários.
É seguro dizer que em poucos momentos da história política brasileira houve, como agora, um posicionamento tão claro dos barões midiáticos contra um governante e seu projeto de governo. Paralelos só serão encontrados durante a primeira metade dos anos 50, nos momentos que antecederam o suicídio de Vargas, e no conturbado governo de João Goulart.
É oportuno lembrar que nos anos 50 foram organizados o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e sua entidade-irmã, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). O IPES, dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva, um dos mentores do golpe militar, tinha como objetivo aglutinar e organizar a oposição ao governo do recém-empossado João Goulart e deter a “esquerdização” do país. Para tal, contava com o apoio de empresas como Unibanco, Esso, Souza Cruz, Mercedes-Benz, Texaco, Shell, IBM, O Estado de São Paulo, Editora Globo, FIESP, Light, Itaú, Gerdau, Votorantim, Motorola, Johnson, Nestlé, Alpargatas, Coca-Cola, Varig, Cruzeiro do Sul, Grupo Sul-América, Lojas Americanas, Kibon, Antártica, Brahma, Editora Saraiva, além de organizações estrangeiras como a CIA. O IPES/IBAD exerceram grande influência sobre os grandes veículos da imprensa, além de terem patrocinado a famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um dos acontecimentos que abriram caminho para os golpistas de 1964.
Na época se dizia que o objetivo era afastar o Brasil da influência comunista que viria, sobretudo, da experiência cubana. Contudo, o objetivo verdadeiro das elites de então era deter o processo de participação popular nos rumos políticos do país, a ação dos sindicatos e das entidades estudantis. Da mesma forma que hoje, o país estava numa caminhada rumo a uma maior participação das camadas inferiores da população nos processos decisórios da política nacional.
Ontem o fantasma era Cuba. Hoje o espectro é formado por Venezuela, Bolívia, Equador e, como antes, Cuba. Antes, o não alinhamento automático aos interesses estadunidenses influenciou no financiamento da CIA ao golpe militar. Nos diais atuais, o protagonismo do Brasil no exterior – brilhantemente ilustrado pelo posicionamento frente à questão hondurenha e iraniana – e seu não alinhamento aos interesses econômicos, políticos e financeiros de Washington, causam furor na grande imprensa brasileira, acostumada a replicar em forma de noticiário, as idiossincrasias do capital norte-americano.
Ontem, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Hoje, o movimento Cansei e o Manifesto em Defesa da Democracia. Ontem, Folha, Globo e Estadão. Hoje Folha, Globo, Estadão, Veja e alguns pseudo-intelectuais e ex-comunistas. Ontem o padre Patrick Peyton, hoje Dom Paulo Evaristo Arns.
Tal qual nos longínquos idos de 60, prevalece o temor das elites de perderem sua influência. Assusta os donos do poder a retirada da pobreza, propiciada pelas políticas econômicas do governo Lula, de mais de 30 milhões de brasileiros. Para a burguesia brasileira essas “invasões bárbaras” deveriam ser detidas, pois, conforme reza a cartilha conservadora, o povo não sabe o que é melhor para si. Para tal elite, o povo deve ser sempre conduzido pela mão ou, se houver alguma resistência, pelos cabelos. Querem uma democracia, de preferência, sem povo, seqüestrada, amordaçada, condicionada aos interesses mercantis da classe economicamente dominante.
Essa mesma elite não vê com bons olhos que o presidente mais popular da história, o que mais projetou o Brasil no cenário internacional, cujo governo fez o país passar praticamente incólume por uma das mais devastadoras crises financeiras da atualidade, faça sua sucessora. É bom salientar que Lula em nenhum momento manifestou a intenção de utilizar instrumentos previstos na constituição para consultar o eleitorado a respeito de um possível terceiro mandato, tal como já fizeram Chávez e Evo Morales. Se, no entanto, Lula utilizasse o expediente de referendos e plebiscitos para consultar as massas a respeito de sua permanência por mais tempo na presidência, não estaria ele levando o povo a uma experiência superior de democracia? Se a democracia é o poder do povo, via sufrágio, tanto mais democrático não seria o governo que mais vezes consultasse esse povo por meio de mecanismos como referendos, plebiscitos e consultas populares (conforme o artigo 1º da Constituição Federal)?. O tão louvado Ficha Limpa, diga-se de passagem, partiu de iniciativa popular.
Nesse momento em que a direita tupiniquim, e por extensão o projeto neoliberal que tantos males trouxe ao país nos anos 90, está para sofrer uma derrota acachapante, as forças conservadoras evocam as benesses da alternância no poder, ao passo que acusam Lula e o PT de quererem perpetuar-se no governo. É bom lembrar que Lula vinha de derrotas nas disputas pela presidência desde 1989 e nunca se valeu de discursos como os que hora fazem os que estão para ser derrotados nas urnas. Ora, se a maioria decidir pela continuidade do legado de Lula, não estará, assim, se consolidando a democracia? Por que uma elite que se arvora como mais lúcida e letrada deveria contestar a decisão nas urnas da maioria esmagadora da população? Se o sufrágio levar o Tiririca ao parlamento, que fazer a não ser lamentar?
A resposta a essas perguntas estabelece os limites entre a democracia e o golpismo. Nunca é demais lembrar que nossa democracia ainda é frágil e está num processo de maturação e consolidação. Há apenas 25 anos nos livrávamos do jugo dos militares. O momento histórico atual não é propício a quarteladas, mas o expediente de “golpes brancos”, a semelhança do que recentemente ocorreu em Honduras, vai se tornando lugar-comum na história recente da América Latina. É bom que as esquerdas estejam vigilantes, pois a grande imprensa está aí para justificar arbitrariedades, moldando a opinião pública a favor dos golpistas.
No dia 3 de outubro o maior derrotado não será o candidato José Serra, e sim um projeto neoliberal que ele encarna e uma imprensa golpista e retrógrada que a ambos respalda.
É seguro dizer que em poucos momentos da história política brasileira houve, como agora, um posicionamento tão claro dos barões midiáticos contra um governante e seu projeto de governo. Paralelos só serão encontrados durante a primeira metade dos anos 50, nos momentos que antecederam o suicídio de Vargas, e no conturbado governo de João Goulart.
É oportuno lembrar que nos anos 50 foram organizados o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e sua entidade-irmã, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). O IPES, dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva, um dos mentores do golpe militar, tinha como objetivo aglutinar e organizar a oposição ao governo do recém-empossado João Goulart e deter a “esquerdização” do país. Para tal, contava com o apoio de empresas como Unibanco, Esso, Souza Cruz, Mercedes-Benz, Texaco, Shell, IBM, O Estado de São Paulo, Editora Globo, FIESP, Light, Itaú, Gerdau, Votorantim, Motorola, Johnson, Nestlé, Alpargatas, Coca-Cola, Varig, Cruzeiro do Sul, Grupo Sul-América, Lojas Americanas, Kibon, Antártica, Brahma, Editora Saraiva, além de organizações estrangeiras como a CIA. O IPES/IBAD exerceram grande influência sobre os grandes veículos da imprensa, além de terem patrocinado a famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um dos acontecimentos que abriram caminho para os golpistas de 1964.
Na época se dizia que o objetivo era afastar o Brasil da influência comunista que viria, sobretudo, da experiência cubana. Contudo, o objetivo verdadeiro das elites de então era deter o processo de participação popular nos rumos políticos do país, a ação dos sindicatos e das entidades estudantis. Da mesma forma que hoje, o país estava numa caminhada rumo a uma maior participação das camadas inferiores da população nos processos decisórios da política nacional.
Ontem o fantasma era Cuba. Hoje o espectro é formado por Venezuela, Bolívia, Equador e, como antes, Cuba. Antes, o não alinhamento automático aos interesses estadunidenses influenciou no financiamento da CIA ao golpe militar. Nos diais atuais, o protagonismo do Brasil no exterior – brilhantemente ilustrado pelo posicionamento frente à questão hondurenha e iraniana – e seu não alinhamento aos interesses econômicos, políticos e financeiros de Washington, causam furor na grande imprensa brasileira, acostumada a replicar em forma de noticiário, as idiossincrasias do capital norte-americano.
Ontem, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Hoje, o movimento Cansei e o Manifesto em Defesa da Democracia. Ontem, Folha, Globo e Estadão. Hoje Folha, Globo, Estadão, Veja e alguns pseudo-intelectuais e ex-comunistas. Ontem o padre Patrick Peyton, hoje Dom Paulo Evaristo Arns.
Tal qual nos longínquos idos de 60, prevalece o temor das elites de perderem sua influência. Assusta os donos do poder a retirada da pobreza, propiciada pelas políticas econômicas do governo Lula, de mais de 30 milhões de brasileiros. Para a burguesia brasileira essas “invasões bárbaras” deveriam ser detidas, pois, conforme reza a cartilha conservadora, o povo não sabe o que é melhor para si. Para tal elite, o povo deve ser sempre conduzido pela mão ou, se houver alguma resistência, pelos cabelos. Querem uma democracia, de preferência, sem povo, seqüestrada, amordaçada, condicionada aos interesses mercantis da classe economicamente dominante.
Essa mesma elite não vê com bons olhos que o presidente mais popular da história, o que mais projetou o Brasil no cenário internacional, cujo governo fez o país passar praticamente incólume por uma das mais devastadoras crises financeiras da atualidade, faça sua sucessora. É bom salientar que Lula em nenhum momento manifestou a intenção de utilizar instrumentos previstos na constituição para consultar o eleitorado a respeito de um possível terceiro mandato, tal como já fizeram Chávez e Evo Morales. Se, no entanto, Lula utilizasse o expediente de referendos e plebiscitos para consultar as massas a respeito de sua permanência por mais tempo na presidência, não estaria ele levando o povo a uma experiência superior de democracia? Se a democracia é o poder do povo, via sufrágio, tanto mais democrático não seria o governo que mais vezes consultasse esse povo por meio de mecanismos como referendos, plebiscitos e consultas populares (conforme o artigo 1º da Constituição Federal)?. O tão louvado Ficha Limpa, diga-se de passagem, partiu de iniciativa popular.
Nesse momento em que a direita tupiniquim, e por extensão o projeto neoliberal que tantos males trouxe ao país nos anos 90, está para sofrer uma derrota acachapante, as forças conservadoras evocam as benesses da alternância no poder, ao passo que acusam Lula e o PT de quererem perpetuar-se no governo. É bom lembrar que Lula vinha de derrotas nas disputas pela presidência desde 1989 e nunca se valeu de discursos como os que hora fazem os que estão para ser derrotados nas urnas. Ora, se a maioria decidir pela continuidade do legado de Lula, não estará, assim, se consolidando a democracia? Por que uma elite que se arvora como mais lúcida e letrada deveria contestar a decisão nas urnas da maioria esmagadora da população? Se o sufrágio levar o Tiririca ao parlamento, que fazer a não ser lamentar?
A resposta a essas perguntas estabelece os limites entre a democracia e o golpismo. Nunca é demais lembrar que nossa democracia ainda é frágil e está num processo de maturação e consolidação. Há apenas 25 anos nos livrávamos do jugo dos militares. O momento histórico atual não é propício a quarteladas, mas o expediente de “golpes brancos”, a semelhança do que recentemente ocorreu em Honduras, vai se tornando lugar-comum na história recente da América Latina. É bom que as esquerdas estejam vigilantes, pois a grande imprensa está aí para justificar arbitrariedades, moldando a opinião pública a favor dos golpistas.
No dia 3 de outubro o maior derrotado não será o candidato José Serra, e sim um projeto neoliberal que ele encarna e uma imprensa golpista e retrógrada que a ambos respalda.
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