Fundamentalismos


Por Cléber Sérgio de Seixas


No início dessa semana um pastor de uma congregação protestante dos Estados Unidos afirmou que no dia 11 de setembro faria uma queima pública de vários exemplares do mais sagrado livro dos muçulmanos, o Alcorão. A imprensa deu ampla repercussão ao fato e, pelo visto, o fanático religioso foi demovido de sua decisão. A data escolhida marca um dos acontecimentos mais fatídicos da história dos Estados Unidos.

Há nove anos, a nação de Obama sofriam seu maior ataque terrorista. Os alvos foram escolhidos a dedo por terroristas ligados à Al Qaeda por serem símbolos da hegemonia norte-americana e da cultura capitalista. O World Trade Center era o bastião do poder econômico estadunidense e o Pentágono a sede do Departamento de Defesa da nação mais poderosa do planeta. A Terça-Feira Triste marcou o início do século XXI e pôs frente a frente os maiores fundamentalismos da atualidade.

De um lado temos o fundamentalismo norte-americano, marcadamente cristão e protestante, cujas raízes se deitam sobre a ereção da Bíblia como fundamento da fé cristã. Segundo os fundamentalistas cristãos, a Bíblia é algo inspirado por Deus. Como Deus não erra, tudo na Bíblia seria verdadeiro e imune a erros, da mesma forma que as palavras bíblicas seriam imutáveis porque Deus nunca muda, independente das mudanças culturais e do progresso humano. Essa interpretação literal do conteúdo bíblico, por exemplo, considera que Deus teria criado o mundo literalmente em sete dias e que o homem foi feito de barro. O fundamentalismo protestante norte-americano é tributário de outro tipo de fundamentalismo: aquele preconizado pelos defensores do neoliberalismo e da globalização predatória, vulgo globocolonização. Este fundamentalismo elegeu o mercado como seu maior deus e o “fim da história” (Fukuyama) como seu apocalipse.

No extremo oposto temos o fundamentalismo islâmico. O islamismo é a religião que mais cresce no mundo. Se continuar nesse ritmo de crescimento, dentro de pouco tempo se tornará a maior religião da humanidade. Etimologicamente falando, islamismo significa submissão total a Deus, mas o fundamentalismo norte-americano tornou-o sinônimo de terrorismo e converteu todo muçulmano num terrorista em potencial. Da mesma forma, fundamentalistas islâmicos transformaram a jihad – originalmente fervor pela causa de Deus – em guerra santa. O fundamentalismo islâmico, acirrado pelo legado da Revolução Iraniana e por seus aiatolás, confunde todos os valores ocidentais com o “grande satã”. Nesse processo de demonização mútua, os ocidentais, capitaneados pelos norte-americanos, vêem no muçulmano o terrorista e fanático religioso, da mesma forma que os muçulmanos extremistas identificam os ocidentais com ateus, materialistas e secularistas.

Nessa primeira década do século XXI, marcada pela guerra e pelo terrorismo, novamente vem à baila a questão do fundamentalismo. Antes de qualquer análise, é necessário parafrasear Frei Betto dizendo que “o terrorismo é a guerra dos pobres contra os ricos, assim como a guerra é o terrorismo dos ricos contra os pobres”. O que os Estados Unidos fizeram no Iraque ocupado e o que fazem hoje no Afeganistão é terrorismo, da mesma forma que o que fizeram os suicidas nos atentados de 11 de setembro de 2001 foi terrorismo.

No entanto, a análise dos porquês dos ataques às Torres Gêmeas não deve se circunscrever a um passado recente, mas em séculos de disputas e agressões protagonizadas por cristãos e muçulmanos. Do século VII ao século XII ocorreu uma expansão do Islã até alguns lugares sagrados para os cristãos como a Terra Santa, além da Ásia Menor, do norte da África e de regiões da Espanha. Do século XII ao século XIII ocorre uma contra-ofensiva dos cristãos através das cruzadas, processo que culmina na expulsão dos muçulmanos da Espanha em 1492. Nos séculos XV e XVI os muçulmanos dão a resposta conquistando Constantinopla, ocupando os Bálcãs e ameaçando parte da Europa. O ocidente vai à forra nos séculos XIX e XX ao ocupar territórios islâmicos na África e no Oriente Médio. O fim do império turco e as influências ocidentais sobre a Turquia moderna abriram caminho para que o ocidente tomasse posse das maiores bacias petrolíferas do mundo, localizadas no Oriente Médio. É o domínio direto e indireto sobre essas jazidas de petróleo que está por trás de conflitos como a Guerra do Golfo, a invasão do Iraque e a ocupação do Afeganistão.

Perdoem o pleonasmo, mas o que fundamentou o fundamentalismo que orientou os terroristas ligados à Al Qaeda é o mesmo que fundamenta os norte-americanos no Iraque e no Afeganistão: o literalismo na interpretação dos textos sagrados, a intolerância, os interesses econômicos travestidos de motivações religiosas e o desrespeito para com as divergências.

De uma forma simplista, pode-se definir fundamentalismo como uma atitude que confere caráter absoluto a um determinado ponto de vista. Alguém que se julga portador de uma verdade absoluta tenderá a não tolerar outra forma de pensar. E a intolerância vai gerar o desprezo pelo outro. Do desprezo se passará à agressividade, à guerra e ao extermínio do portador de outras verdades; e entendam verdade aqui num sentido relativo.

Nos tempos atuais, dois tipos de fundamentalismo polarizam o cenário político. Um deles foi o iniciado por George W. Bush - seguido por Obama - e o outro é capitaneado por Osama Bin Laden. Tanto os talibãs quanto os neocons e teocons norte-americanos são fundamentalistas e acreditam agir em nome de Deus. Diante de tais fundamentalismos deve-se questionar se é desígnio de Deus que milhares de pessoas inocentes sejam mortas em atentados terroristas ou tenham seus países invadidos por tropas cujos soldados praticam do estupro de mulheres ao assassinato de crianças e idosos. Bush e Bin Laden, portanto, são faces da mesma moeda cujo nome é fundamentalismo. O preço desta moeda é o sangue de milhares de pessoas inocentes.

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