CONTRA A MORDAÇA


Por Leonardo Melo e Tarcísio Henriques Filho - procuradores da República em Belo Horizonte.

Procuradores da República e promotores de Justiça em todo o país reúnem-se amanhã para chamar a atenção da sociedade brasileira para o Projeto de Lei nº 265/2007, de autoria do deputado federal Paulo Maluf (Sem partido-SP). Apelidada de Lei Maluf, o projeto altera dispositivos da Lei de Ação Civil Pública (4.717/65), da Lei de Ação Popular (7.347/85) e da Lei de Improbidade (8.429/92), para criminalizar e penalizar a atuação de membros do Ministério Público que supostamente agirem por má-fé, com manifesta intenção de promoção pessoal ou visando a perseguição política. A definição jurídica dessas situações não é precisa, abrindo espaços para a eternização de uma discussão que só pode interessar aos corruptos.

A sociedade não pode ficar longe do que o mencionado deputado paulista pretende ver aprovado. Não é difícil perceber o que está por detrás de tal projeto de lei. Na verdade, basta que se atente para a biografia de seu autor. O parlamentar Paulo Salim Maluf responde por cerca de 40 ações penais e cíveis, das quais pelo menos 10 já resultaram em condenação de primeira instância. Há poucos dias, seu nome foi incluído pela Promotoria de Nova York na lista de criminosos procurados pela Interpol.

No momento em que a sociedade brasileira clama pela aprovação do Projeto Ficha Limpa, que impedirá réus condenados pela Justiça, ainda que por sentenças de primeiro grau, de se candidatarem a cargos eletivos, chega a ser um verdadeiro absurdo que tal projeto caminhe pelas comissões da Câmara, com apoio explícito de outros deputados, inclusive dos principais líderes partidários.

O famigerado projeto intenciona amordaçar o Ministério Público, impedindo os seus integrantes de exercerem, em plenitude, suas prerrogativas funcionais, que em última análise existem para a proteção dos interesses públicos. Sob a ameaça de prisão e de responsabilização pessoal, não é difícil perceber que muitos deles ficarão temerosos de propor ações que, nos últimos anos, têm combatido tenazmente a corrupção e o desvio de dinheiro público no Brasil.

Eventuais desvios praticados por procuradores ou promotores estão sujeitos à correção interna dos órgãos a que pertencem, por meio de suas corregedorias e do respectivo Conselho Superior, e externa, advinda tanto do recém-criado Conselho Nacional do Ministério Público, quanto do próprio Judiciário, responsável que é pelo encaminhamento das ações ajuizadas pelo MP contra políticos e administradores públicos. O sistema de controle dos atos dos promotores já existe e é algo que funciona. Se o Ministério Público, como qualquer instituição republicana, ainda precisa de aprimoramento, isso não será obtido por meio de leis espúrias, que, em vez de dotar o sistema processual de instrumentos capazes de aumentar a eficácia no combate à corrupção, na verdade, retiram avanços arduamente conquistados pela sociedade brasileira, como vem a ser justamente a Lei de Improbidade.

No caso de Maluf, é verdade que algumas das ações ajuizadas contra o ilustre parlamentar não vão prosperar, mas não por serem improcedentes e, sim, porque, simplesmente, prescreveram. Com a infinidade de recursos permitidos pelo sistema processual brasileiro, o trâmite dessas ações é tão demorado que o Estado, em caso de eventual condenação, acaba perdendo a possibilidade de punir o culpado. A idade avançada não impede Maluf de exercer mandato eletivo, nem o impede de legislar em causa própria, mas impede a Justiça brasileira de buscar reparação para os danos supostamente causados pelo réu ao patrimônio público. Esse, sim, é um fator de injustiça, com o qual ninguém no Congresso parece estar preocupado.

Em Minas Gerais, no ano passado, somente no âmbito federal, foram propostas mais de 200 ações contra gestores que violaram algum dispositivo da Lei 8.429/92. Esse trabalho não é uma perseguição a esse ou àquele administrador, mas uma defesa do patrimônio público e da coletividade. Durante o processamento dessas ações, os réus terão direito à mais ampla defesa e a sociedade poderá, ao fim, receber de volta o que foi injustamente subtraído dos cofres públicos, recursos que, no fim das contas, advêm dos impostos que todos pagamos.

Fonte: jornal Estado de Minas - 05/04/2010.

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