HOMO DAVOS EM EXTINÇÃO



Por Cléber Sérgio de Seixas

Em 2007 participei de um seminário no qual um palestrante dissertou sobre o papel do empreendedorismo, apresentado como solução paliativa para a escassez de empregos no futuro. A inexistência de postos de trabalho, tal qual os conhecemos hoje, seria a premissa para o empreendedorismo. Não tenho nada contra quem é ou pretende ser empreendedor, nem tampouco contra quem fomenta o empreendedorismo, mas tenho, por força de consciência, tudo contra o vaticínio que apresenta o desemprego como um dogma inelutável ou algo indissociável da dinâmica econômica. O mais honesto seria confessar que a precarização ou eliminação de postos de trabalho não passa de um artifício para tornar a mão-de-obra cada vez mais barata, majorando, assim, os lucros.

No celebrado O Fim da História e o Último Homem, Francis Fukuyama propõe o "fim da História" como sinônimo do apogeu do sistema neoliberal, grau mais elevado a que a humanidade teria chegado em se tratando de desenvolvimento econômico e social. Partindo das idéias de Hegel, mas distorcendo-as, Fukuyama coroa o capitalismo, e sua variante neoliberal, como sistema econômico mais avançado e capaz de gerar riquezas, distribuindo-as para suprir as necessidades dos terráqueos. Mas que eficiência é esta que garante a uma minoria a maior parte das riquezas, enquanto a maioria esmagadora chafurda na privação? Se a renda dos quinhentos indivíduos mais ricos do mundo é superior à dos quatrocentos e dezesseis milhões mais pobres, e se um norte-americano ganha sessenta vezes mais que um tanzano, como falar em neoliberalismo, etapa "superior" do capitalismo, como “fim da História”? A desculpa que apresentam é sempre a mesma: “o subdesenvolvimento nada mais é que a ausência ou pouca presença do capitalismo”. Porém, particularmente na América Latina, “o que temos assistido nessas terras não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É sua consequência”, palavras do jornalista uruguaio Eduardo Galeano. De fato, nessas terras que Colombo e Vespúcio descobriram, conhecemos e temos conhecido o capitalismo em forma de rapina e exploração.

Numa reunião organizada pelo Instituto Internacional de Economia, em 1989, na cidade de Washington, foram propostas reformas para que os países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento retomassem a trilha do crescimento. Foi a gênese do que ficou conhecido como Consenso de Washington, espécie de bula que prescrevia consensualmente, dentre tantos remédios, austeridade fiscal, elevação de impostos, aplicação de juros altos para atrair investimentos estrangeiros, privatizações, estas últimas receitadas como antídoto contra uma suposta ineficiência do setor estatal. No Brasil, os remédios amargos receitados pelo Consenso nos foram empurrados goela a baixo nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o príncipe dos sociólogos, eufemismo de sociólogo dos príncipes. Exemplos notórios do que deve ser rebatizado como privataria foram a privatização da Vale do Rio Doce e das telecomunicações. O resultado da farra foi o país quebrado no fim década de 90, com o ponteiro do risco Brasil chegando ao vermelho.

Em visita à terra brasilis, Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia em 2001 e economista chefe do Banco Mundial entre 1997 e 2000, afirmou o seguinte: “O Consenso de Washington não foi necessário nem suficiente para o crescimento. Países, como a Bolívia, seguiram os mandamentos do Consenso de Washington e disseram: ‘Passamos pelo pior, quando teremos os lucros?’. E esperaram, esperaram, e ainda seguem esperando. Outros países, como a China, não seguiram o Consenso e cresceram, cresceram e cresceram”. Recentemente a bolha especulatória estourou e quem vai pagar a conta dos equívocos das políticas macroeconômicas neoliberais, novamente, serão os contribuintes, já que neste sistema os lucros são sempre privatizados enquanto os prejuízos são socializados, numa espécie de socialismo às avessas.

Em função da crise, o Estado porá novamente as mãos nas rédeas controladoras do mercado trazendo de volta à cena o espectro do welfare state, para desespero dos defensores do “livre mercado”. Mercado cuja mão é invisível para os pobres e bem visível para banqueiros, grandes empresários e especuladores, sobretudo após o governo americano injetar mais de 700 bilhões de dólares no mercado para tentar salvar a economia americana.

Hayek e Friedman revirarão nos túmulos quando os estandartes da mudança tremularem com a efígie de Keynes. Os Chicago Boys ficarão órfãos e perderão o emprego.

Todos os anos, desde o início da década de 70, a cidade suíça de Davos sedia o Fórum Econômico Mundial, reunião onde é discutida a globalização como caminho para o paraíso. Paraíso de quem e para quem? Eis a questão. A antropologia moderna bem que poderia falar em homo davos, aquela categoria de ser humano que enxerga possibilidades de lucro até mesmo na desgraça alheia. O homo davos quer transformar em mercadoria o ar que respiramos e a água que bebemos. Nos EUA hoje, até mesmo os genes são patenteados.

No entanto, essa categoria de ser humano será extinta pela crise que se avizinha. Dos escombros da era neoliberal não se sabe que tipo de homem surgirá. Quem sabe o homo solidarius ou o homo altruisticus? O fato é que os restos mortais do homo davos repousarão, em cova profunda, aos pés do touro de bronze de Wall Street. Por falar em muro, pode-se concluir que vivemos num período entre-muros, e estão dizendo por aí que esta crise está para o neoliberalismo assim como a queda do muro de Berlim está para o socialismo real. É esperar para ver.

Comentários

Anônimo disse…
Com o capitalismo, o homem autodestrói-se, contrariando o seu estado de natureza pregado pelo pensador Thomas Hobbes. Mas o problema é que não se percebe esta autodestruição. É como se colocássemos uma rã na panela se deliciando com a agua morna e a esquentássemos paulatinamente até a sua morte. Somente irá sugir o "Homo Solidarius" quando o "Homo Davos" de hoje perceber que a sua avidez por lucro contribui para continuidade das desigualdades sociais, causa dos violentos conflitos que possivelmente o atingirá.