Bambá Di C'Ove
Por Cléber Sérgio de Seixas
Em meus tempos de infância e adolescência, lá em casa, quando as coisas não iam muito bem no aspecto financeiro, com seus imediatos reflexos na qualidade da alimentação, entravam em cena os famigerados pés de frango, os mal aparentados pescoços de peru, os suãs, os práticos discos voadores - que as galinhas produzem em profusão - e outros, todos bem recebidos à mesa naqueles tempos de vacas magras. Meu pai, gozador que só ele, gostava de atribuir nomes jocosos a alguns pratos típicos da culinária mineira. Assim, quando minha mãe fez uma receita com fubá, couve rasgada, cebolinha e um pouco de boi-ralado, meu pai logo batizou o prato de “péla-égua” - talvez pelo fato de os respingos quentes do fubá em ebulição espirrassem, feito lava de vulcão, queimando a mão da cozinheira desavisada. O “péla-égua” na verdade era o popular e democrático mingau de fubá – ao qual a imaginação e criatividade dos cozinheiros e cozinheiras mineiros acompanha de algum coadjuvante como carne moída, lingüiça e outros.
Recentemente, assisti na TV uma matéria cobrindo um festival gastronômico na cidade de Tiradentes. Dentre os mais variados pratos da culinária mineira lá estava ele, o bom e velho “péla-égua” - só que rebatizado com o pomposo nome de Bambá de Couve - sendo degustado por gente endinheirada e bem aparentada, que elogiava a qualidade do prato e se dispunha a pagar preços exorbitantes pelo mesmo. A receita até que era conveniente aos comensais pela sofisticação do evento e pelo frio que fazia, mas não a mim, que aprendi a associar tal tipo de alimento a tempos de renda minguada. Noutra ocasião ouvi falar de um tal Festival do Ora-pro-nobis numa cidade da região metropolitana de BH. Ora, esta planta não é aquela que se espalha feito praga pelas cercas de arame farpado? Quem diria, virou estrela de festival!
O que pretendo neste artigo é tentar entender o porquê das pessoas se disporem a sair de suas casas e se deslocarem para estes lugares, sejam botequins ou festivais gastronômicos, a fim de degustarem iguarias que podiam muito bem ser preparadas por eles mesmos em suas casas, sem pagar quantias elevadas para tal. Tal fenômeno, creio eu, deve ser analisado mais à luz da sociologia ou da antropologia do que da gastronomia. Vejamos então.
A partir dos anos 60 o movimento feminista, dentre outras tantas conquistas, tirou as mulheres de seus lares e as inseriu no mundo do trabalho. De lá para cá postos de trabalho que eram predominantemente ocupados por homens, passaram a sê-los também pelas representantes do sexo feminino. Isto criou novos paradigmas para o mundo varonil. As responsabilidades da casa passaram a ser divididas pelos casais. Homens foram para a cozinha lavar a louça e cozinhar e passaram a ajudar no cuidado dos filhos, nas compras, enquanto as mulheres saíam à luta. Tal mudança de status teve reflexos na repartição mais popular de qualquer casa: a cozinha.
Sem a esposa, ou a mãe, para fazer aquelas deliciosas iguarias, passadas de mãe para filha, a saída foi recorrer à fast food, aquele tipo de comida que te fod... bem fast, que bem poderia ser rebatizada para fat food. Observe o leitor que até as embalagens dos alimentos são super práticas, de forma a facilitar a vida do consumidor, poupando-lhe energia, que ficará armazenada em estado adiposo. O leite, por exemplo, pode permanecer acondicionado na própria embalagem, mesmo depois de aberta, ao contrário daqueles saquinhos plásticos que tínhamos que descartar após despejar o precioso líquido branco em algum vasilhame. E veja, nem é necessário mais ferver! Assim, com a mulher fora do lar, receitas e macetes à cozinha foram se perdendo. Como conseqüência, as pessoas vão aos restaurantes degustar pratos como feijão tropeiro, canjiquinha com costelinha, pé de porco, feijoada, além, é claro, do famoso bambá.
A estratégia muito utilizada nos torneios culinários é bem conhecida: dar uma incrementada no prato, acrescentar-lhe algum novo ingrediente, caprichar no visual etc. Caso seu bar não tenha assentos para todo mundo, transforme caixotes de madeira em bancos e espalhe aos quatro cantos que é algo exótico sentar-se nos mesmos e degustar os petiscos ali, apoiados no chão. Se seu boteco se chama Bar do João, mude o nome para John’s Bar e use isto como desculpa para aumentar os preços. Se tudo isto falhar, faça investimentos na aparência do restaurante, pois vale a máxima “beleza põe mesa”. Exemplo disso foi quando estive em 2007 na Serra do Cipó. Passei em frente a um restaurante de uma pousada renomada da Serra e resolvi entrar. O lugar, referenciado até pelo Guia 4 Rodas, até que era bonitinho, mas quando vi o cardápio passei a achá-lo ordinário, e quase caí para trás ao deparar-me com um franguinho com quiabo sendo oferecido pela bagatela de 36 reais. Desse dia para cá fiz um juramento: jamais entrar num restaurante para comer algo que eu ou minha esposa possamos preparar em casa. Diante de tudo isto, então, gostaria de atribuir uma nova raiz etimológica à palavra gastronômico, qual seja: fusão das palavras gasto e astronômico.
Outro aspecto importante é que com o desenvolvimento industrial das cidades brasileiras, ocorrido, sobretudo, dos anos 50 aos 80, o conseqüente êxodo rural vomitou homens nas grandes cidades. Sabe-se que a vida bucólica é conhecida por sua tranqüilidade. A fala arrastada é característica atribuída ao homem do campo, para quem o tempo parece passar mais devagar. Na roça cozinha-se à lenha, tem-se tempo para retirar a fuligem que fica acumulada nas panelas, trabalha-se perto de casa. Assim sendo, comer é um ato solene, ao contrário da vida moderna, onde cada um pega seu prato, vai para o quarto, onde geralmente há uma televisão – especialistas dizem que as pessoas comem muito mais quando o fazem diante da TV. Come-se rápido, no cada um por si, sem diálogo, só mastigação. O setor de convívio social de uma casa, que antes era a sala, a copa ou a cozinha, onde se comia e conversava e onde geralmente havia uma mesa, desaparece – lembre-se que Sir Arthur e seus cavaleiros se reuniam em torno de uma mesa redonda. As salas das casas de hoje deixaram de ser espaços de convívio social e é raro encontrar aquelas que são conjugadas com copas. Se o ato de comer é rápido, o preparo também dever ser. Tempo na cozinha então, só no domingo. Como o campo rapidamente vai se transformar em um deserto verde - sem homens e dominado pela monocultura - tal modus vivendi, e o estilo alimentar que o acompanha, tendem a desaparecer. Contribuem também para o fenômeno a penetração que os alimentos industrializados têm no mercado e a falta de tempo decorrente do excesso de horas que passamos no trabalho e a distância casa/trabalho.
Iniciou-se a temporada de festivais gastronômicos em Minas Gerais. Nosso estado será palco de vários eventos culinários, que primarão para agradar aos paladares alheios com os mais variados pratos, originais ou não, reinventados ou não, caros ou não. Talvez o mais famoso seja o Comida Di Buteco - olha o estrangeirismo aí gente! O festival completa 10 anos com um corpinho de 100, já que boteco é a coisa mais manjada em Minas. O evento traz, todos os anos, um novo fôlego ao hábito mais popular entre os mineiros: ir aos bares da vida, jogar conversa fora, tomar cerveja e comer tira-gosto. Contudo, quero deixar aqui um conselho: depois do concurso, não vá aos bares participantes, pois o certificado de participação pendurado na parede do bar vai deixar o preço da cerveja e do tira-gosto mais salgados. Para finalizar, lembro-me da fala de minha mãe: “mais vale um gosto do que dois vinténs”. Em oposição, crio meu próprio adágio: “mais valem dois vinténs no bolso do que gastá-los com comida ruim”.
Se após toda esta leitura você ficou com fome, aí vai uma receitinha bem básica.
Bambá Di C’Ove
(gostaram do “Di”? É que o prato é italiano. Já o “C’Ove” tem origem francesa)
Autor: Monsieur Clebér
Ingredientes:
- 2 colheres (sopa) de fubá;
- 250 g de lingüiça cortada em cubinhos;
- 4 a 5 folhas grandes de couve (já não são plantadas nos quintais);
- ½ xícara de água fria;
- 1 litro de caldo de carne;
- 1 ovo inteiro (se for fazer meia porção, corte-o ao meio)
Preparo:
- Coloque o fubá numa frigideira de ferro grossa e torre rapidamente;
- Reserve;
- Aproveite a frigideira e frite as lingüiças;
- Tire o talo das couves (pique e jogue para as galinhas), rasque as folhas em pedaços médios e refogue também na frigideira, aproveitando parte da gordura da lingüiça;
- Dissolva o fubá na meia xícara de água e junto ao caldo de carne fervente, mexendo para não encaroçar.
- Bata ligeiramente o ovo e junte ao fubá, mexendo sempre até talhar (cuidado com os respingos assassinos, principalmente se estiver sem camisa);
- Por último, adicione a lingüiça e a couve (c’ove, faça biquinho para pronunciar);
- Sirva bem quente para dar jus ao nome popular: péla-égua.
Bom apetite!
Recentemente, assisti na TV uma matéria cobrindo um festival gastronômico na cidade de Tiradentes. Dentre os mais variados pratos da culinária mineira lá estava ele, o bom e velho “péla-égua” - só que rebatizado com o pomposo nome de Bambá de Couve - sendo degustado por gente endinheirada e bem aparentada, que elogiava a qualidade do prato e se dispunha a pagar preços exorbitantes pelo mesmo. A receita até que era conveniente aos comensais pela sofisticação do evento e pelo frio que fazia, mas não a mim, que aprendi a associar tal tipo de alimento a tempos de renda minguada. Noutra ocasião ouvi falar de um tal Festival do Ora-pro-nobis numa cidade da região metropolitana de BH. Ora, esta planta não é aquela que se espalha feito praga pelas cercas de arame farpado? Quem diria, virou estrela de festival!
O que pretendo neste artigo é tentar entender o porquê das pessoas se disporem a sair de suas casas e se deslocarem para estes lugares, sejam botequins ou festivais gastronômicos, a fim de degustarem iguarias que podiam muito bem ser preparadas por eles mesmos em suas casas, sem pagar quantias elevadas para tal. Tal fenômeno, creio eu, deve ser analisado mais à luz da sociologia ou da antropologia do que da gastronomia. Vejamos então.
A partir dos anos 60 o movimento feminista, dentre outras tantas conquistas, tirou as mulheres de seus lares e as inseriu no mundo do trabalho. De lá para cá postos de trabalho que eram predominantemente ocupados por homens, passaram a sê-los também pelas representantes do sexo feminino. Isto criou novos paradigmas para o mundo varonil. As responsabilidades da casa passaram a ser divididas pelos casais. Homens foram para a cozinha lavar a louça e cozinhar e passaram a ajudar no cuidado dos filhos, nas compras, enquanto as mulheres saíam à luta. Tal mudança de status teve reflexos na repartição mais popular de qualquer casa: a cozinha.
Sem a esposa, ou a mãe, para fazer aquelas deliciosas iguarias, passadas de mãe para filha, a saída foi recorrer à fast food, aquele tipo de comida que te fod... bem fast, que bem poderia ser rebatizada para fat food. Observe o leitor que até as embalagens dos alimentos são super práticas, de forma a facilitar a vida do consumidor, poupando-lhe energia, que ficará armazenada em estado adiposo. O leite, por exemplo, pode permanecer acondicionado na própria embalagem, mesmo depois de aberta, ao contrário daqueles saquinhos plásticos que tínhamos que descartar após despejar o precioso líquido branco em algum vasilhame. E veja, nem é necessário mais ferver! Assim, com a mulher fora do lar, receitas e macetes à cozinha foram se perdendo. Como conseqüência, as pessoas vão aos restaurantes degustar pratos como feijão tropeiro, canjiquinha com costelinha, pé de porco, feijoada, além, é claro, do famoso bambá.
A estratégia muito utilizada nos torneios culinários é bem conhecida: dar uma incrementada no prato, acrescentar-lhe algum novo ingrediente, caprichar no visual etc. Caso seu bar não tenha assentos para todo mundo, transforme caixotes de madeira em bancos e espalhe aos quatro cantos que é algo exótico sentar-se nos mesmos e degustar os petiscos ali, apoiados no chão. Se seu boteco se chama Bar do João, mude o nome para John’s Bar e use isto como desculpa para aumentar os preços. Se tudo isto falhar, faça investimentos na aparência do restaurante, pois vale a máxima “beleza põe mesa”. Exemplo disso foi quando estive em 2007 na Serra do Cipó. Passei em frente a um restaurante de uma pousada renomada da Serra e resolvi entrar. O lugar, referenciado até pelo Guia 4 Rodas, até que era bonitinho, mas quando vi o cardápio passei a achá-lo ordinário, e quase caí para trás ao deparar-me com um franguinho com quiabo sendo oferecido pela bagatela de 36 reais. Desse dia para cá fiz um juramento: jamais entrar num restaurante para comer algo que eu ou minha esposa possamos preparar em casa. Diante de tudo isto, então, gostaria de atribuir uma nova raiz etimológica à palavra gastronômico, qual seja: fusão das palavras gasto e astronômico.
Outro aspecto importante é que com o desenvolvimento industrial das cidades brasileiras, ocorrido, sobretudo, dos anos 50 aos 80, o conseqüente êxodo rural vomitou homens nas grandes cidades. Sabe-se que a vida bucólica é conhecida por sua tranqüilidade. A fala arrastada é característica atribuída ao homem do campo, para quem o tempo parece passar mais devagar. Na roça cozinha-se à lenha, tem-se tempo para retirar a fuligem que fica acumulada nas panelas, trabalha-se perto de casa. Assim sendo, comer é um ato solene, ao contrário da vida moderna, onde cada um pega seu prato, vai para o quarto, onde geralmente há uma televisão – especialistas dizem que as pessoas comem muito mais quando o fazem diante da TV. Come-se rápido, no cada um por si, sem diálogo, só mastigação. O setor de convívio social de uma casa, que antes era a sala, a copa ou a cozinha, onde se comia e conversava e onde geralmente havia uma mesa, desaparece – lembre-se que Sir Arthur e seus cavaleiros se reuniam em torno de uma mesa redonda. As salas das casas de hoje deixaram de ser espaços de convívio social e é raro encontrar aquelas que são conjugadas com copas. Se o ato de comer é rápido, o preparo também dever ser. Tempo na cozinha então, só no domingo. Como o campo rapidamente vai se transformar em um deserto verde - sem homens e dominado pela monocultura - tal modus vivendi, e o estilo alimentar que o acompanha, tendem a desaparecer. Contribuem também para o fenômeno a penetração que os alimentos industrializados têm no mercado e a falta de tempo decorrente do excesso de horas que passamos no trabalho e a distância casa/trabalho.
Iniciou-se a temporada de festivais gastronômicos em Minas Gerais. Nosso estado será palco de vários eventos culinários, que primarão para agradar aos paladares alheios com os mais variados pratos, originais ou não, reinventados ou não, caros ou não. Talvez o mais famoso seja o Comida Di Buteco - olha o estrangeirismo aí gente! O festival completa 10 anos com um corpinho de 100, já que boteco é a coisa mais manjada em Minas. O evento traz, todos os anos, um novo fôlego ao hábito mais popular entre os mineiros: ir aos bares da vida, jogar conversa fora, tomar cerveja e comer tira-gosto. Contudo, quero deixar aqui um conselho: depois do concurso, não vá aos bares participantes, pois o certificado de participação pendurado na parede do bar vai deixar o preço da cerveja e do tira-gosto mais salgados. Para finalizar, lembro-me da fala de minha mãe: “mais vale um gosto do que dois vinténs”. Em oposição, crio meu próprio adágio: “mais valem dois vinténs no bolso do que gastá-los com comida ruim”.
Se após toda esta leitura você ficou com fome, aí vai uma receitinha bem básica.
Bambá Di C’Ove
(gostaram do “Di”? É que o prato é italiano. Já o “C’Ove” tem origem francesa)
Autor: Monsieur Clebér
Ingredientes:
- 2 colheres (sopa) de fubá;
- 250 g de lingüiça cortada em cubinhos;
- 4 a 5 folhas grandes de couve (já não são plantadas nos quintais);
- ½ xícara de água fria;
- 1 litro de caldo de carne;
- 1 ovo inteiro (se for fazer meia porção, corte-o ao meio)
Preparo:
- Coloque o fubá numa frigideira de ferro grossa e torre rapidamente;
- Reserve;
- Aproveite a frigideira e frite as lingüiças;
- Tire o talo das couves (pique e jogue para as galinhas), rasque as folhas em pedaços médios e refogue também na frigideira, aproveitando parte da gordura da lingüiça;
- Dissolva o fubá na meia xícara de água e junto ao caldo de carne fervente, mexendo para não encaroçar.
- Bata ligeiramente o ovo e junte ao fubá, mexendo sempre até talhar (cuidado com os respingos assassinos, principalmente se estiver sem camisa);
- Por último, adicione a lingüiça e a couve (c’ove, faça biquinho para pronunciar);
- Sirva bem quente para dar jus ao nome popular: péla-égua.
Bom apetite!
Comentários
Axé! Fátima Oliveira