Ribeirão das Neves e a privatização dos presídios


O CPPP de Ribeirão das Neves (Foto: Brasil de Fato)

Por Cléber Sérgio de Seixas

O Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para a Rússia, a China e os EUA. São cerca de 580 mil presos, enquanto há apenas 300 mil vagas, o que leva a uma superlotação de aproximadamente 280 mil pessoas.

Os recentes e trágicos episódios ocorridos dentro e fora do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, São Luís (MA), trouxeram novamente à baila a ineficiência do modelo prisional brasileiro. Trata-se, sem dúvida, de um sistema falido, que ao invés de recuperar o detento, devolve-o à sociedade pior do que quando ingressou no cárcere. Há quem defenda um sistema correcional o mais animalesco possível para purgar os presos de todos os seus males. Considerando isto, algumas observações se fazem necessárias.

“Marginal tem que sofrer”, “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos são para humanos direitos”, são frases ditas pelos mais afoitos. Uma discussão a respeito de direitos humanos também deveria por em relevo os daqueles que estão fora das grades, ou seja, o direito dos cidadãos de receber de volta ao seio societário um ser humano recuperado, não uma besta-fera disposta a cometer crimes piores do que aqueles que motivaram seu encarceramento. Em outras palavras, o desrespeito aos direitos humanos dos encarcerados redundará na devolução à sociedade de um indivíduo que não hesitará em desrespeitar os direitos humanos alheios. O ódio que for gestado no detento durante o período de “ressocialização” será levado para além dos muros da prisão quando do retorno ao convívio social. Tudo o que de ruim se aprender dentro das grades será posto em prática nas ruas. Deve-se considerar, também, que a privação de liberdade é uma das piores punições a que se pode submeter um ser humano. 

Outro aspecto a ser considerado é que a violência desmedida contra detentos pode levá-los a criar mecanismos de defesa paralelos ao arcabouço jurídico-legal, como foi a criação da organização criminosa PCC, para muitos uma resposta às condições do cárcere no Carandiru.

Nesse caótico cenário prisional, alguns – sobretudo os mais aguerridos defensores dos mecanismos neoliberais - apontam a privatização dos presídios como a solução para o problema. Trata-se das Parcerias Público-Privadas (PPP), que são basicamente a celebração de um contrato de concessão entre o Poder Público e a iniciativa privada através da delegação do gerenciamento de serviços a médio e longo prazos. Em contrapartida, o Estado remunera periodicamente o parceiro privado no período de referência.

No rastro de experiências internacionais, como a estadunidense e inglesa, e nacionais, como a paranaense, a cearense e a amazonense, foi inaugurado em Ribeirão das Neves, em 28 de janeiro de 2013, o primeiro presídio privado de Minas Gerais. O Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP) consiste num conjunto de cinco unidades prisionais com capacidade para 3.040 detentos, fruto de uma parceria público-privada firmada entre o governo do estado e o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA). O GPA é responsável pela construção e administração do complexo, recebendo do estado a quantia de R$ 2,7 mil por preso, superior aos R$ 2,1 mil que o estado gasta com cada detento no sistema público. 

Deve-se frisar que o aumento da população carcerária de Ribeirão das Neves, que já é a maior de Minas Gerais, afeta negativamente o cotidiano do município, impactando nos serviços públicos e agravando a já enorme questão social local.

A privatização dos presídios é questionada por vários juristas e especialistas no assunto, que vêem na mesma diversas inconstitucionalidades. Segundo eles, o jus puniendi, privativo do Estado, estaria sendo exercido por interesses privados, desviando a finalidade da pena do combate à criminalidade e recuperação do criminoso para a geração de lucro através da criminalidade. Isso conduziria à visão do preso como objeto empresarial e ao lobby pelo aumento da população carcerária. Assim sendo, quanto mais tempo o preso passar no presídio e maior for a população carcerária, maior será o lucro do gestor privado. É importante citar que no sistema PPP a assistência jurídica do preso é de responsabilidade do gestor privado, uma situação que fere a Constituição, pois um advogado vinculado à empresa gestora prisional jamais tutelaria qualquer direito contrário ao seu empregador.

Algumas experiências ocorridas nos EUA são paradigmas das consequências da privatização do sistema carcerário. Segundo Klein (2008), quando George W. Bush foi governador do Texas o número de presídios privados aumentou de 26 para 42, e em 1997 uma investigação do FBI na prisão de Brazoria County apurou que detentos indefesos eram agredidos pelos guardas da Capital Correctional Resources, uma empresa privada contratada para fornecer vigilantes à prisão. Wilkes-Barre, Pensilvânia, passou a ter taxas mais elevadas de jovens presos após as autoridades locais terem fechado a casa de correção pública e contratado uma empresa privada, a PA Child Care, para construir instalações prisionais de 8 milhões de dólares e cobrar 58 milhões das autoridades distritais pelo direito de concessão. Investigações posteriores deram conta de que os juízes Mark Ciavarella e Michael Cohahan receberam da PA Child Care mais de 2,6 milhões de dólares para aumentar o número de condenações e encher as celas do presídio. Cerca de 6.500 jovens foram condenados injustamente, alguns por terem praticado delitos banais como furtar um frasco de noz moscada ou atirar um bife num parente durante o jantar. A revisão das penas ficava a cargo dos funcionários do presídio, não dos juízes responsáveis.

Qualquer análise a respeito da privatização de presídios deve partir do princípio de que a racionalidade do capitalismo é o lucro. Empresários não ingressarão nesse ramo para perder. Assim sendo, detentos numa penitenciária privada se transformam num produto a gerar dividendos para os tocadores do negócio.

Seja qual for a interpretação de juristas a respeito da gestão privada dos presídios, o dado concreto é que Ribeirão das Neves não suporta mais a implantação de complexos prisionais de qualquer espécie e o conseqüente aumento da população carcerária. Essa cidade já cumpriu sua cota de participação no abrigo de condenados.

Que a sociedade civil organizada e o governo local continuem cobrando do estado de Minas Gerais as contrapartidas pela implantação de presídios e intensifiquem a luta contra a vinda de mais unidades prisionais para esse sofrido município. 

Referência bibliográfica

KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 

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