Pronto: Santiago Ilídio está morto


Por Gilberto Maringoni*

Foi vítima da estupidez de arruaceiros infiltrados entre manifestantes, no Rio de Janeiro. Foi vítima dos marginais que se autointitulam black blocs. Estes nada têm a ver com democracia, com luta por direitos e muito menos com jovens da periferia que querem um lugar ao sol.

Diante da provocação montada por Eduardo Paes - que brincou com gasolina ao aumentar as passagens de ônibus de um sistema sucateado – os black blocs entraram no jogo pesado que a direita quer impor ao país.

O jogo do caos.

A ação policial foi brutal e estúpida. O ministro da Justiça, de maneira covarde, mantém-se calado diante da escalada da violência das PMs.

O assassinato de Santiago – o mesmo nome do pescador de ‘O velho e o mar’, de Hemingway – deve ficar como um marco para o movimento popular.

O marco de que não é mais possível à esquerda e aos ativistas sociais serem condescendentes com quem cobre o rosto, nega a política e depreda a cidade em nome sabe-se lá do quê.

As grandes mobilizações de massa do século XX foram vitoriosas, sem que os setores populares recorressem à violência suicida.

A grande greve de 1917, que parou São Paulo por quase duas semanas, foi fundamentalmente um movimento pacífico. E vitorioso.

A greve dos 300 mil, em 1953, também foi realizada sem loucuras estilo kamikaze.

Todas as jornadas de lutas que envolveram milhões de pessoas entre o final dos anos 1970 e início da década seguinte – movimento estudantil, greves do ABC e Diretas Já – não se valeram de recursos violentos. E derrubaram a ditadura.

O Fora Collor, em 1992 seguiu igual. Milhões nas ruas forçaram a saída de um presidente corrupto. Sem enveredar pelo caminho da brutalidade inútil.

Em todos esses casos, a violência estava do outro lado. Mas não a razão e a vitória.

A democracia imperfeita, elitista e problemática que temos hoje é muito melhor que as melhores ditaduras brasileiras do século XX. Se lá não escondíamos o rosto, qual a finalidade de fazer isso agora?

Há na praça um livro primoroso. Chama-se “O alfaiate de Ulm” (Boitempo). Seu autor é Lucio Magri, um dirigente do extinto Partido Comunista Italiano, morto em 2011.

A obra, escrita em 2009, é uma história minuciosa daquele que já foi o maior partido comunista do Ocidente e exemplo de organização para várias agremiações de esquerda ao redor do mundo.

A dada altura, Magri diz o seguinte:

“Basta a simples reconstrução dessa fase fundadora [do movimento operário organizado] para dizer algo importante sobre as muitas tolices que atormentam as discussões nos dias atuais, sobretudo no que diz respeito à contribuição fundamental do movimento operário marxista para o nascimento da democracia moderna, em suas feições essenciais e distintivas – soberania popular, nexo entre liberdade política e condições materiais que o tornem exercível -, e à importância do nexo entre organização, pensamento estruturado, participação de massa para transformar uma plebe ou uma multidão de indivíduos em protagonista coletivo da História real, mas igualmente, por fim, sobre o absurdo que é preencher hoje o vazio de análises e teorias com ideias já desgastadas e derrotadas há um século, como o anarquismo, ou usar palavras antigas, como social-democracia, para indicar ideias e escolhas completamente diferentes daquelas para as quais nasceram”.

Black bloc é a tentativa atual de se preencher um vazio teórico com uma ação direta irresponsável e tremendamente funcional à direita.

Fora provocadores mascarados!

Viva Santiago Ilídio Andrade!

Como o personagem de Hemingway, ele também enfrentou tubarões.


Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, cartunista e militante do Psol.


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