O Paraguai de Solano a Lugo
Prisioneiros paraguaios durante a ocupação de Assunção
Por Cléber Sérgio de Seixas
Em relação à América Latina, os EUA sempre procuraram fazer valer a máxima de dividir para conquistar. Enquanto ALBA e a UNASUL dão sinais de fortalecimento, a grande potência do norte trata de desestabilizar toda e qualquer experiência de integração política, econômica e social ao sul do Rio Bravo que considere uma ameaça a seus objetivos imperialistas.
Do Destino Manifesto ao Projeto para o Novo Século Americano, os EUA sempre procuraram garantir sua supremacia sobre o continente, principalmente sobre aquele que considera seu quintal: as Américas Central e do Sul.
A integração sul-americana representa hoje para os Estados Unidos o mesmo que a experiência paraguaia representava para a Inglaterra há cerca de 130 anos.
Na primeira metade do século XIX, o Paraguai apresentava um desenvolvimento autônomo e sustentado e uma economia que, ao contrário das de seus vizinhos sul-americanos, não havia sido subvertida pelo capital estrangeiro. Para se desenvolver, o Paraguai teve, antes, de enfraquecer sua oligarquia e concentrar as alavancas econômicas nas mãos do Estado, que detinha o monopólio do comércio exterior. Nos anos sessenta daquele século, o país contava com indústrias de tecidos, papel, tinta, pólvora, louça, materiais de construção e uma pujante indústria siderúrgica que produzia obuses, balas e canhões de bronze. Além disso, o país não tinha dívida externa e apresentava um superávit em sua balança comercial. Noventa e oito por cento do território paraguaio era de propriedade do Estado. Não tardou para que o imperialismo inglês visse o caso paraguaio com algo com que se preocupar, pois aquela experiência poderia se irradiar por todo o continente.
O comércio inglês não dissimulava sua inquietação, não só porque aquele último foco de resistência nacional no coração do continente era invulnerável, mas também, e sobretudo, pela força do exemplo que a experiência paraguaia irradiava perigosamente para os vizinhos (GALEANO, 1989, p.208).
Assim, a Inglaterra tratou de acirrar os ânimos de Brasil, Uruguai e Argentina em relação ao Paraguai. Os primeiros se aglutinaram numa tríplice aliança e foram à guerra contra seu vizinho. Os seis anos de guerra - que tranquilamente pode ser chamada de massacre ou genocídio – dizimaram a maior parte da população paraguaia. Quando o conflito terminou, em 1870, o Paraguai contava com apenas 250 mil habitantes, um sexto da população de antes da guerra.
Quando o maior conflito armado ocorrido na América do Sul terminou, o país, então governado por um títere de Londres, abriu-se aos interesses do capital estrangeiro, leia-se inglês, e passou a padecer tanto do imperialismo britânico quanto dos subimperialismos argentino e brasileiro. O Brasil, que praticamente sustentou sozinho a guerra, saiu desta endividado. No saldo final, a grande vencedora da guerra foi a Inglaterra.
No pós-guerra grande parte do território paraguaio foi entregue a colonos argentinos. Mais de um século após o início do conflito, o ditador Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai de 1954 a 1989, fez cair nas mãos de latifundiários cafeicultores brasileiros grandes extensões das terras de fronteira. Um dos maiores legados da Guerra da Tríplice Aliança foi transformar o Paraguai num reino de corrupção institucionalizada e de contrabando. Ainda hoje, o Paraguai é considerado o paraíso dos contrabandistas e uma das rotas do tráfico de armas que abastece o crime organizado no Brasil.
A eleição de Fernando Lugo acendeu uma luz no fim do túnel, mas o recente golpe de Estado tratou de apagá-la. O golpe branco que apeou Lugo do poder demonstra que uma contra-ofensiva estadunidense no continente pode estar em curso. A eleição de presidentes progressistas na América do Sul ou, em outras palavras, a “esquerdização” do continente, tem preocupado a potência do norte tal qual o desenvolvimento paraguaio preocupara a Inglaterra no século XIX. Galeano (1989, p. 211) salientava em sua obra que:
Atualmente, os Estados Unidos, que não ignoram a importância geopolítica deste país encravado no centro da América do Sul, mantém em solo paraguaio assessores inumeráveis, cozinham os planos econômicos, reestruturam a universidade como querem, inventam um novo esquema político democrático para o país e retribuem com empréstimos onerosos os bons serviços do regime.
Quarenta e dois anos se foram desde que o jornalista e escritor uruguaio escreveu seu clássico sobre a história latino-americana, mas suas palavras soam tão atuais quanto foram nos primórdios da década de 70. A diferença é que naquela década os golpistas valiam-se das armas e hoje se valem dos tribunais e da manipulação da opinião pública promovida por uma imprensa conservadora. Antes a Operação Condor, hoje um golpe de Estado travestido de impeachment por meio da subversão das leis e da manipulação midiática. Aliás, a imprensa conservadora sul-americana sempre se prestou a resguardar os interesses norte-americanos no continente, tal qual no século XIX, quando gravitava em torno dos ditames ingleses. Antes do início da Guerra do Paraguai, o ditador Solano López era tratado pela imprensa argentina como o “Átila da América” que “infringiu todos os usos das nações civilizadas” e que deveria ser morto feito um réptil (GALEANO, 1989, p. 209).
Fernando Lugo mereceu tratamento semelhante por parte da imprensa conservadora latino-americana. Antes e depois de eleito, o presidente paraguaio foi alvo de impiedosa perseguição promovida por veículos de imprensa. Suas aventuras e desventuras amorosas dos tempos de bispado foram postas em relevo e passaram a contar mais que seus projetos e ações à frente do governo. Com pouca base de apoio, Lugo sucumbiu diante dos interesses da burguesia paraguaia, sobretudo aquela representada pelos latifundiários, temerosos de que o presidente promovesse uma reforma agrária.
É tolice pensar que os tempos do golpismo patrocinado por Washington ficaram para trás. A América Latina segue sendo o quintal dos interesses estadunidenses. O golpe de Estado no Paraguai bem pode representar uma tentativa de desestabilização da união política, econômica e cultural das nações sul-americanas. Cabe aos governos progressistas da região ficarem alertas.
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Referência bibliográfica
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. 29 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
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